always you

De harryaspink

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Está tudo uma bagunça, a vida de Harry nunca esteve tão desastrosa. Sendo pai de três crianças incriveis e re... Mais

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Ten.
Eleven.
Twelve.
Thirteen.
CAPITULO EXTRA

Epilogue.

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De harryaspink

Como o prometido, aqui está o tão esperado epílogo! Pode parecer que não, mas a demora é totalmente justificada, escrevi 50k de palavras entre esse e o capítulo extra desde que postei o último cap da fic... Vou admitir, foi bem cansativo! Mas fiz tudo com muito amor e sei que vai valer a pena lendo os comentários de vocês ☺️
Sem mais enrolar, boa leitura!

...

O ar da terra natal é o mais puro dentre vários outros lugares, estar no campo não taria a sensação de pulmões limpos como o aeroporto de Doncaster traz. O barulho e pessoas trombando umas nas outras passa despercebido em meio ao encanto de retornar para a casa. A frança foi ótima, Marsella foi uma ótima cidade para viver e criar os filhos, mas nada como o verdadeiro lar. O vislumbre de Harry esvai assim que percebe o corpo de Annalise escorado no carrinho de bagagem, a menina é a prova viva que viajar com crianças pode ser fácil, mas viajar com pré-adolescentes é impossível. A ida foi boa, em seus oito anos, Anna estava fantasida com o charme francês, ansiosa para a nova vida que a esperava... A volta foi de fato um problema. A menina não quis vir de forma alguma, houve inúmeras discussões em torno de seu mau comportamento. Após ficar sem saída, ela apenas aceitou o retorno para a antiga cidade, mantendo uma carranca no rosto durante toda a viagem. Os pais entende a menina, já reviraram a rotina da filha de cabeça para baixo tantas vezes no passado, ela certamente está cansada demais para outra mudança radical. Ainda sim, o início da adolescência é uma fase terrível. Annalise não consegue expressar suas frustrações sem gritar ou bater portas, isso tem gerando conflitos na convivência de pais e filhos.

— Anime-se. — Harry entrelaça os dedos pelos fios castanhos do cabelo de Annalise. Seu cabelo está tão grande que já alcança a sua cintura, ela diz gostar do comprimento. — Olhe só para os seus irmãos...

— Alicia só está feliz porquê acha que vamos comer bacon todas as manhãs. — Annalise suspira, corrigindo a postura. — E o Tyler diz que as garotas daqui são mais bonitas, é por isso que ele está tão animado.

Harry balança a cabeça em um aceno negativo, antes que possa repreender a filha por falar dos irmãos dessa forma, Louis passa ao seu lado com Alicia sentada em seus ombros. Harry rapidamente observa com o cantos dos olhos, notando a animação de ambos.

— Eu não quero comer ovos mexidos no café da manhã, está bem? — O sotaque de Alicia é inegável. Por mais que em sua casa todos falassem o inglês em sua melhor forma, todos os estudos da menina foram em francês. Logo, ela se habituou com as duas línguas, mesmo tendo um sotaque estrangeiro forte. É algo para corrigir futuramente, por enquanto, Harry acha uma graça.

— Você vai comer tudo o que quiser. — Louis sacode a menina ainda mais, arrancando murmúrios felizes da mesma. Ele também parece uma criança nesse exato momento, anseiou duramente muito tempo seu retorno para a cidade natal. — Vamos ver o vovô!

— Eba!

Como a casa estava sobre os cuidados de Desmond, foi ele quem ficou na residência nos anos em que Harry e Louis estiveram fora. Hoje, ambos não pretendem morar no mesmo lugar em razão do o modelo antiho casa. No entanto, precisam ficar em algum lugar nas primeiras semanas e como Desmond sempre fora prestativo com o filho, ele deixou a casa limpa e organizada, até mesmo ofereceu para buscar a familia no aeroporto.

— Você não sente falta da casa antiga? Da escola, amigos... — Harry insiste em animar a filha.

— Não. Sinto falta do ar francês. — Annalise balança os ombros.

A revirada de olhos é forte, Harry não sabe como lidar com a revolta pré adolescente da filha. É Tyler quem costuma colocar a irmã nos eixos, ele briga com a menina a cada sinal de malcriação. Ao perceber que o filho está entretido em uma loja de convivência, ele revira os olhos novamente.

— Tyler, nós não estamos na Disney! — Harry repreende o filho, atraindo a atenção das pessoas que transitam no aeroporto.

— Ha! A Disney...— Anna clama mais uma vez, seu tom é mais dramático que o normal. — Onde vamos passar as férias agora?

— Agradeça se não for parar no internato. — Louis diz em meio aos risos, fazendo Alicia cair em gargalhadas. Na mente de uma criança de quatro anos, qualquer frase dita por Louis é digna de risadas.

— O que há, por que gritou? — Tyler caminha em passos apressados, envergonhado por ter sido repreendido em um lugar cheio de desconhecidos.

— Você tem que ser mais focado! Não pode parar em todo lugar que tiver um chaveiro brilhante. — Harry completa.

— Eu conhecia a balconista. — O menino caminha rapidamente na frente dos pais, sua altura contribui para os passos largos.

— E você ai pensando em chaveiros. — Annalise cantarola, com a expressão de quem estava prestes a fazer um comentário ácido. — Foi os peitos da balconista que tirou a atenção dele.

— Anna! — Harry e Louis dizem em conjunto, igualmente boquiabertos.

— O que foi? Eu disse que ele só queria voltar para ver as garotas. — A frase da menina é seguida por um bufo descontente. Repetindo os passos do irmão, ela avança na frente dos pais, caminhando em passos firmes apressados.

Harry encara as costas da menina, semicerrando os olhos para reprovar a maneira em que a filha está agindo.

— Peitos. — Os risos de Alicia trazem sua atenção.

— Por favor, você também não. — Louis sacode a filha mais uma vez, as gargalhadas de Alicia ecoam por todo aeroporto.

Lá fora, onde o barulho da cidade grande já fere a audição de Harry, há uma minivan esperando por eles. Desmond os salda animado, eles chegam atrasados, em razão dos filhos terem se adiantado em seus passos apressados, Tyler e Anna ja conversam com o avô. Annalise reclama mais uma vez e Tyler ri estridente para algo que foi dito. Afinal, ele era próximo de seu avô, entendia todas as piadas do velho. Desmond trata muito bem os netos, mas há algo especial com Tyler. Louis relaciona o fato do garoto relembrar muito os trajeitos de Harry, o corpo esguio, andar arrastado e o jeito atrapalhado, foram características repassadas a Tyler. Após o divórcio dos pais, Harry perdeu a proximidade e o laço paternal que dividia com Desmond, sua gravidez precoce apenas contribui para o afastamento de ambos. Ao que parece, algo no interior de seu pai busca recompensar alguma coisa mantendo esse vínculo com Tyler.

— Fale alguma coisa em francês, o vovô quer ouvir. — Após encher a Alicia de beijos, ele a segura, o sorriso estampado no rosto maduro de Desmond evidência a adoração pela neta. — Minha princesa já é bilingue! Seu pai com quatro anos não falava nem o próprio nome ainda.

— Olá, pai. — O cacheado arqueia as sobrancelhas após ouvir a frase.

O caminho é turbulento em meio as perguntas incessantes de Desmond sobre assuntos diversos, o trânsito da cidade não ajuda, deixando o carro parado por minutos. A mini van foi apropriada, Louis analisa o interior de veículo pensando em de faro adquirir um. Logo, estão de volta na velha casa. Harry agradece aos céus ao perceber que o pai não fez nenhuma mudança relevante no imóvel, ele gosta de sua antiga moradia com tudo o que ela tinha a oferecer há quatro anos. Não é preciso instruir as crianças, ambas levam suas bagagens aos respectivos quartos de infância, exceto por Alicia. Como ainda engatinhava quando deixou o país, a pequena não tem recordação alguma da cidade natal, logo toda informação é uma nova descoberta, seu sapatos fazem barulhos estridentes conforme ela corre animada pelos cômodos, tudo o que Harry vê são as madeixas onduladas saltitantes da filha.

— Eu orei por isso durante tanto tempo. — Louis deixa o corpo cair no colchão da cama de casal, estão no antigo quarto juntos após tantos anos, ele sentiu falta até mesmo de seu antigo escritório. Afinal, foi nele que Louis se hospedeu após voltar a morar com Harry.

— Não seja tão dramático. — Harry ajeita a bagagem de Alicia. Por algum motivo, Louis esteve agoniado nos últimos meses com a localização antiga, ele passou a odiar tudo o que os franceses tinham a oferecer. Logo, passou a dar importância apenas para aquilo que o desagradava, tornando sua rotina insuportável de aguentar. Seu emprego já estava ultrapassado, a calmaria de Marselha já o incomodava e a casa grande estava lhe dando nos nervos. Voltar foi a melhor opção, Louis já xingava todos do serviço usando sua língua nativa para passar despercebido.

— Eu gosto tanto daqui. — Louis suspira. — Por que não podemos continuar nessa casa?

Dito isso, Alicia entra correndo no quarto, procurando pelas malas sua pelúcia preferida.

— Não tem espaço o suficiente, ela precisa de um quarto. — Harry acena para a garotinha, a mesma deixa o cômodo assim que pega o urso de brinquedo em mãos. Alicia está no antigo escritório de Louis, onde há apenas uma cama e uma escrivaninha.

— O Tyler logo irá para a faculdade, vamos ter um quarto disponível.

— E Você acha que o Tyler vai morar onde quando for para a faculdade? — Harry reprime os risos. — Talvez, ele espere mais algum tempo antes de ir para a faculdade... Coitado, não coloque tanta pressão no menino.

— O menino é inteligente e atlético, vai conseguir uma bolsa. — Louis parece ter uma solução para tudo.

— Que bom que tocou no assunto. — Harry passa para o esposo um panfleto, nele está anunciando uma faculdade local. — Eles estão precisando de professores para lecionar, garanto que há um desconto para filhos de funcionários. Já é uma boa porta aberta para Tyler.

— É uma faculdade boa. — Louis folheia o panfleto, analisando cada entrelinha do papel.

— Desistam, eu não quero ir para a faculdade e ter um futuro. — Passando pelos corredores no mesmo momento, Tyler diz de forma arrastada. Harry prefere acreditar que essa é uma forma carinhosa de agradecer por todo cuidado e atenção.

— Bom, você quer dirigir? — Louis tira do bolso um conjunto de chaves, o arremessando no peito do filho. — Precisamos jantar e tem aquele supermercado outro bairro, seja um
bom garoto e vá buscar duas pizzas grandes congeladas.

O menino desaparece rapidamente, ele dirige consideravelmente bem para um adolescente com seus recém dezesseis anos completados.

— Gravidez na adolescência é um máximo! Eles crescem e aos trinta você já tem um motorista particular. — O comentário de Louis é obviamente irônico.

— Repasse essa informação para ele, você adora incentivar o garoto a fazer coisas erradas. — A fala de Harry atrai consigo o olhar ameaçador de Louis. — Eu só estou dizendo, não vou ser o único a dar bronca no Tyler quando ele for imprudente.

— Nós não estamos bricando de policial mau e policial bom.— Louis levanta da cama, espreguiçando o corpo antes de completar. — Mas... Se preferir assim, eu vou dar uma de policial bom com a Annalise e dizer que tenho o contato da antiga escola de futebol, isso com certeza vai fazer ela me adorar até o final de semana, ou pelo menos até amanhã.

— Você tem que ser o policial mau... E não o contrário.— Harry clama mais uma vez.

-x-

— Eu odeio esse lugar! — A voz de Annalise ecoa pelo automóvel.

Há pelo menos quinze minutos, Louis decidiu parar o carro no acostamento para dar mais atenção para as frustrações dos filhos, ambos entraram no carro metralhando críticas sobre o primeiro dia de aula. Ele entende que é difícil recomeçar, em razão disso quer mostrar estar disposto a ouvir os filhos e tentar ao máximo ajudá-los nessa questão.

— As meninas são altas! — Annalise completa. — Eu não alcanço os ombros delas e se eu
entrar para o time da escola, vou ter que dividir o mesmo vestiário com elas! Não quero isso para a minha autoestima! O banheiro cheira a absorventes e pelo menos três garotos foram inconvenientes comigo quando tentaram me dar boas vindas, estou dizendo... Na frança tudo é diferente.

— Nós não estamos mais lá, Anna. — Harry já não sabe mais o que dizer para acalmar os nervos de Anna, que bufa descontente. Evitando perder a paciência com a filha, ele volta a atenção para Tyler. O rapaz esteve quieto durante todo o caminho, encolhido no banco traseiro enquanto encara a paisagem pela janela.

— Não quero falar sobre isso. — É o que o garoto responde.

— Se não quiser falar, tudo bem. — Harry respeita o espaço do filho.

O problema é que Tyler não costuma ficar calado.

— Eu fiquei nervoso e me apresentei em francês. — Ao lembrar da cena, o menino espreme os olhos para afastar de sua mente a vergonha que passou. — As pessoas sempre vão lembrar disso. Sempre serei o esquisito metido a estrangeiro.

O riso que escapa de Louis foi difícil de conter, o menino diz com tamanha frustração, como se realmente fosse ser perseguido por isso durante o resto de sua vida. No ponto de vista de um adulto, os dramas adolescentes não são nada além de bobagens. Afinal, nessa idade muitos ainda não passaram por problemas reais, consequentemente qualquer empecilho torna-se um grande obstáculo. Louis continua a rir, ganhando um olhae furioso do esposo.

— Não esquenta. garoto. — Ele tenta conter as gargalhadas. — Você não é tão relevante assim. As pessoaa irão esquecer, acredite! Principalmente se você fizer algo mais notório ainda.

— Não faça nada de errado! — Atropelando as palavras do outro, Harry diz em tom de desespero, temendo que Tyler interprete a frase como um passe livre.

— Anna...— Louis continua, ele assiste o semblante chateado da filha pelo retrovisor. — Não se preocupe, isso é apenas falta de adaptação. Também foi difícil quando nós viajamos, mas você era criança e não entendia ainda. Agora, está mais crescida, é normal que haja mais preocupações. Lembram da nossa conversa sobre resiliência? Vocês terão total capacidade de se adaptarem ao que estamos vivendo nesse momento, logo isso vai ser tornar uma parte de vocês. Não quero que fiquem tristes ou chateados com algo momentâneo, não vale a pena.

— O dia de amanhã será melhor. — Harry finaliza. Não há o que completar após as belas palavras de Louis, o castanho passou a dar ótimos conselhos aos filhos. Louis sempre possuiu em mãos o poder de escutar e acalmar um coração aflito. Olhando pelos cantos dos olhos, é possível ver Alicia adormecida na cadeira de segurança, as madeixas onduladas cobrem o rosto sereno da menina.— Também está sendo difícil para nós, até para Alicia. Imagine trocar de rotina nessa idade, ir para um lugar totalmente diferente, se comunicar em outra língua... Não será fácil, mas vamos superar.

— E francês também é uma ótima língua para atrair amantes, é charmoso! — Louis continua a tentar consolar o filho. — Vai por mim, amanhã você terá vários adolescentes pedindo o seu número. E Anna, caso não queira, não precisa fazer parte do time da escola, você entrará em uma academia própria para o futebol.

Após o silêncio dominar o ambiente, eles voltam para o trânsito. Afinal, quem cala consente.

-x-

A semana passa tão rápido que Harry só notou ser segunda-feira novamente quando percebeu que os filhos acordaram antes das onze horas. O dia foi consideravelmente bom para todos, já abrindo as portas para uma semana pacífica, o que será o suficiente para as crianças acalmarem os nervos. Viver na França adicionou excelentes dotes culinários em Louis, o interesse pela cozinha surgiu logo após mudarem para outro país, talvez ele tenha sido pego pela a inspiração do ar francês... Ou então, ele decidiu agradar mais Harry. A facilidade na cozinha não apaga seu gênio desastroso, tornando a tarefa ainda mais difícil pelo caos que passa a reinar na cozinha quando ele decide cozinhar. Sabendo disso, Harry adianta a limpeza do que é usado no processo, ele tenta ao máximo ficar calado para não distrair o esposo.

No entanto a voz de Tyler ecoa por toda a casa, o rapaz conversa animada com o avô, ambos estão na mesa de jantar, esperando pela comida.

— Dá para acreditar que ele me reconheceu? Ele perguntou se eu era o Tyler que vomitou no sexto ano porquê tinha alergia a pimenta. E infelizmente, era eu. — Desmond parecia realmente interessado em ouvir o dia do neto, rindo para toda baboseira que o rapaz fala. — Eai ele me convidou para almoçar com ele, finalmente terei alguma companhia naquela escola! E também tem algumas meninas bem bonitas que ficou olhando a gente...

— Bom, namorar exige muitas responsabilidades. — Desmond interrompe o neto, atropelando-se com as próprias palavras.

— Elas só olharam e deram uma risadinha, não precisa ficar desesperado. — Tyler se defende, há uma feição de espanto em seu rosto.

— Uma hora seu pai entende que você adolescente e o Tyler são pessoas diferentes. — Enquanto cozinha, as orelhas ágeis de Louis capitam tudo ao redor, a conversa entre o sogro e o filho logicamente não lhe passou despercebido. Ele acotovela as costelas de Harry, atraindo a atenção do esposo.

— Deixe ele aproveitar o garoto. — Harry concorda enquanto corta tomates para a salada. — Sabe, nós éramos proximos antes da minha mãe decidir largar ele e me trazer para Doncaster, ele ficou perdido durante um bom tempo... Quando se recuperou do divórcio, nós já estávamos juntos e dentro de algumas semanas eu contei a sobre a gravidez. A partir disso, ele decidiu que eu deveria agir como um adulto e começou a me tratar como um.

— Você acha que ele está tentando compensar alguma coisa? — Em resposta a pergunta feita por Louis, Harry acena de forma negativa.

— Ele sempre nos ajudou, apenas quer ter esse momento de volta.

— Faça isso com você, então. — Louis diz em tom de reprovação, praticamente cospe as palavras. Dito isso, ele volta a atenção para as panelas.

— Você teria ciúmes de qualquer maneira...— Após despejar o tomate em rodelas na bandeja, Harry a leva para a mesa, oferecendo a salada para Desmond e Tyler. — Então, filho... Conte-nos como está sendo a escola.

— Eu já conversei com o vovô. — Ele distribui as folhas no prato. — Desculpe, estou cansado.

— Tyler é popular. — Desmond sussura para o filho. — Você não sabe como é isso.

— Isso é bom, caras populares atraem pessoas bonitas. Foi assim com o Louis... — Harry incentiva a brincadeira do pai.

O celular de Tyler vibra insistente, para atender a videochamada sem ter a privacidade invadida, ele caminha em passos apressado até a escada, tropeçando nos degrais para chegar ao segundo andar o mais rápido possível. Assistindo o filho caminhando para longe, Harry franze as sobrancelhas para o pai.

— O Tyler não é uma caricatura minha. Não fique depositando sua dose paterna nele, ele já tem dois pais. — O tom diverto serve como camuflagem para a verdade. — Todavia, se você quiser um programa real de pai e filho, podemos fazer alguma coisa. Vou estar livre pelo resto da semana.

— Isso é excelente! — O mais velho demonstra a animação. — Poderíamos ir ao teatro, como antigamente... E eu não estava tentando tirar a autoridade de vocês como pais, me desculpem.

— Eu sei. — Harry sorri minimamente, terminando de servir o jantae. — Eu só estou avisando previamente para você não perder seu garotinho para o Louis, novamente. O garoto idolatra o pai, você não teria a menor chance.

-x-

— Hoje o dia foi consideravelmente melhor. — Enquanto arruma os cabelos presos em um rabo de cavalo, Annalise divide sua rotina com os pais. Estão chegando em casa após ter buscado a menina da academia de futebol. Como Louis havia dito anteriormente, o esporte acalmou os hormônios fervorosos de Anna. — As meninas são legais e excelentes jogadoras, eu já conhecia algumas... A escola continua chata, mas os treinos durante a tarde valerão a pena.

— O que eu disse? O papai sempre acerta. — Louis balança os ombros da filha, jogando as chaves do carro no primeiro móvel que encontrou.

Antes que ela fosse para o segundo andar, Harry para a filha no pé da escada. A garota dá meia volta em passos arrastados, perguntando por que o pai havia chamado seu nome.

— Eu quero saber das suas aulas, você só fala do futebol! — Ele arregala os olhos. — Digo, se ainda estiver ruim para você, eu posso tentar fazer alguma coisa para melhor.

— Você é professor, sabe como funciona as escolas. Há apenas bullying e hormônios, é desastroso em todas as fórmulas. — Parada com as mãos apoiadas na cintura, ela diz como se fosse óbvio. Ao notar o olhar semicerrado do pai, ela decide reformular as palavras. — Pode ficar tranquilo, é chato mas é assim que deve ser... Bom, hoje algumas meninas sentaram comigo durante o intervalo, o que foi bem legal. Só que no último período tivemos uma de ciências sobre reprodução, então todo mundo começou a falar de peitos. Eu não tenho peitos, então fiquei sem assunto.

— Vai chegar a sua hora. — É tudo o que Louis diz enquanto está entretido em seu celular.

Annalise concorda em meio aos risos, ainda sim demonstrou estar indignada com a situação. Harry estranha ao ver a filha remexendo a mochila, aparentemente procurando por algo específico.

— Ganhamos isso na aula de ciências. — Ela revela uma embalagem de preservativo. — Eu não sei porquê, nem tenho peitos.

— É importante para a educação sexual, Annalise. — Harry corrige a filha, capturando o preservativo em mãos após Anna o arremessar  em sua direção. — Excelente, vou deixar isso com o seu irmão, ele vai a uma festa hoje à noite.

— Eu iria usar para fazer bexigas. — A menina parece frustrada, recuperando a camisinha em mãos.

— O seu irmão vai fazer melhor uso, acredite. — O comentário de Louis faz Harry franzir o cenho.

— Então, devo entregar antes ou depois de fazer as bexigas? — É uma pergunta sincera , ela aperta a embalagem inúmeras vezes ao decorrer  de sua fala.

— Você não prestou atenção na aula, não é? — É o que Louis diz após um suspiro cansado. — Você é inteligente Annalise, trabalhe isso! Não me faça dar um discurso sobre prestar atenção nas suas aulas.

— Está bem! — A menina bufa. — Eu ainda vou usá-lo para fazer uma bexiga, não ligo para o Tyler.

— Você está fedendo grama e suor. — Por coincidência, Tyler surge assim que a irmã cita seu nome, não podendo deixar em vão a oportunidade de irritar a menina.

O corpo esguio do garoto revela o tronco desnudo de Tyler, o menino não costuma andar sem camisas pela casa, no entanto quando faz exercícios isso se torna uma exceção.

— Você não precisa fazer abdominais para ir em uma festa, Tyler! — Louis cantarola.

— Dá um desconto, é a primeira festa dele. — Harry sussura para o esposo, pelo canto dos olhos ele consegue ver Annalise subindo os degraus da escada. — Aliás, Anna... Temos que conferir se está tudo certo para essa noite.

A menina dá meia volta novamente, cruzando os braços em frente ao peito, esperando o pai continuar.

— Vamos sair as sete. — Harry aponta para o relógio. — Vamos deixar pizza para vocês duas, Alicia tem que estar dormindo antes das nove horas, então não a deixe ver televisão até esse horário. Pretendemos chegar depois das onze, no máximo até meia-noite, você também deve estar dormindo até lá.

— O quê? — Em passos apressados, Tyler caminha até o pai. — Vocês não vão apenas me deixar na festa? Quando acabar eu ligo para me buscarem!

— Não. — Louis assiste a feição do filho mudar drasticamente. — Nós ficaremos fora de casa, vamos jantar fora. Não se preocupe, não ficaremos rondando a casa do seu amigo, porém vamos ficar por perto!

— Eu não acredito nisso...— O menino diz antes de bufar, arrastando o olhar para Harry. Seus olhos clamam por piedade, ele encara o pai tal como um cachorro pidão faria.

— Desculpe, seu pai quer ficar fora caso algo aconteça... Assim estaremos por perto. — Harry estapeia levemente os ombros do filho.

— Eu tenho hora para chegar e voltar, quero dizer... Todas as festas acabam depois da meia-noite, não faz sentido ir para a casa tão cedo! E vocês ainda querem fazer um ronda, isso não é justo. — Tyler exclama em gestos desesperados. Afinal, na sua visão conturbada de adolescente, ter os pais por perto é sinal de constrangimento. — Eu quero vocês longe da casa do Andrew.

— Relaxa, não vamos atrapalhar a festa do Andy... — Louis cantarola.

— Ele não é amigo de vocês. — Tyler completa, encarando as costas do pai enquanto o mesmo se afasta. — Não o chame assim.

— Espero que você se divirta mais tarde. — Annalise provoca o irmão uma última vez antes de entrar no banho.

Tyler revira os olhos, ao perceber que resta apenas Harry para fazer companhia, ele lança um olhar semicerrado para o pai.

— Valeu.

— Se você reclamar demais, vai ficar em casa cuidando das suas irmãs enquanto eu e o seu pai iremos para a festa. — Ele retribui com um olhar desafiador.

O menino sobe a escada praguejando, seus murmúrios insatisfeitos são totalmente ignorado por ambos os pais. Após Alicia acordar de sua soneca, Harry decide voltar toda a atenção para a menina, tendo em vista que ficaria longe da filha durante horas. Alicia possui um cabelo castanho com longas madeixas ondulas, muito similar ao da irmã, no entanto a garota sempre esbanjou de um cabelo liso, enquanto Alicia puxou os fios ondulados de Harry. É engraçado quando ela acorda após horas de sonos pois seu cabelo fica amarrotado, caindo nos olhos e cobrindo o rosto da menina. Tentando prender os fios em um rabo de cavalo, Harry distraí a menina com cereais, deixando-a comer em uma tigela com leite perto do horário de jantar. Ao perceber que a luz do sol está aos poucos indo embora, ele se apressa para deixado tudo organizado, dessa forma Annalise não precisaria de tanto esforço.

— Qual é a melhor roupa para uma festa... — Ainda sem camisa, Tyler divaga enquanto segue os passos de Harry pela casa. O menino está realmente animado, mas o pai não pode lhe dar toda a atenção no momento. — Vou com uma roupa mais esportiva, o que acha?

— O seu pai vai te dar ótimas dicas. — Harry atropela as palavras, fazendo o possível para despistar o garoto sem soar grosso ou cortar sua animação. — Ele está cuidando da Lilie, vá falar com ele...

— Ele usa camisetas de bandas antigas em qualquer ocasião, como posso confiar nele?

Harry suspira, há algo especial em Tyler que o faz ter sempre uma resposta pronta para tudo o que pai diz.

— Coloque uma calça jeans e qualquer blusa! Se for igual a mim, ficará sem a camisa após alguns copos.

Tyler arregala os olhos, a animação transparece em sua feição.
— Então eu posso beber?

— O quê? — Interrompendo a conversa entre o esposo e o filho, Louis surge com uma carranca. — Você não tem uma autorização para isso, Tyler.

— Eu meio que insinuei, eu sei. — Harry sussura para Louis.

O castanho desliza a palma da mão pelo rosto, pensando seriamente no que diria para o filho.

— Vá tomar banho, conversaremos sobre isso mais tarde.

Após notar que está a sós com o esposo, Harry percebe o cenário atual.

— Há algo muito estranho aqui.

— O quê? — Louis brinca com uma maçã, jogando a fruta para cima inúmeras vezes antes de mordê-la.

— Você está sendo o pai superprotetor enquanto eu sou aquele que manda você parar de ser chato. — Ao morder a fruta, um fio de saliva em conjunto ao suco da maçã escorre na mandíbula de Louis, Harry assiste atento enquanto tenta manter-se na conversa. — Então... Porquê está sendo tão chato?

O castanho abandona a fruta de lado, olhando para os arredores para assegurar que os filhos não estivesse por perto, ele desliza a língua entre os lábios antes de começar, não é fácil dizer suas inseguranças em voz alta.

— Nós íamos nessas festas, você sabe como é. — Ele diz com a mão pousada na cintura, enquanto encara a porta do quarto de Tyler. — Muita coisa acontece nesse tipo de ambiente, e eu sei que a maioria são coisas erradas. Como bebidas, maconha e sexo. Eu sei que nós criamos o garoto muito bem! Mas essa idade, Harry... É complicada. Uma noite pode parecer pouco, mas essa não será a última festa dele, haverá outras e cada vez mais ele estará nesse mundo de ilusão que faz parte da adolescência, isso é perigoso.

Um vislumbre de quando era jovem passa pelos olhos de Harry, a conversa o fez lembrar vagamente de quando frequentava festas de adolescente. De fato, acontecia muita coisa errada... E ele sempre estava no meio mais errado o possível. Sua mãe nunca descobriu, ele sempre dizia que era apenas uma reunião com os amigos, omitindo a parte da maconha e embriaguez.

— Você está certo. — Harry concorda com os olhos arregalados. — Caramba, por um instante foi como se eu estivesse nessa festa... Havia muita fumaça e sutiãs espalhados pelo chão.

— Então, você concorda que ele ainda não deveria ir para lugares como esse?

— Nós já deixamos, Louis!

— Não. — Ele diz rapidamente, interrompendo o outro. — Você deixou enquanto eu apenas concordei com a sua posição.

Harry suspira incrédulo.
— Não! Não seja teimoso. O nosso filho vai fumar maconha e encher a cara hoje e você também terá a sua parcela de culpa.

— Não. — Louis retorna. — Eu não permitirei que ele faça isso.

— Ele vai fazer. — Harry caminha em direção ao esposo. — E o que fará sobre isso? Colocar de castigo e proibi-lo de ir em festas? Isso não é funcionou comigo.

Louis enruga o nariz, assimilando as palavras do esposo.

— O proibido é mais gostoso, não é? — A fala de Louis faz o cacheado sorri, ele se aproxima alguns centímetros para beijar levemente os lábios de Louis. — Então iremos conversar com ele antes da festa, certo? No entanto, não farei isso sozinho! Nada de autorizar o menino a usar drogas, entrar em coma alcoólico ou engravidar alguém.

— Por que eu faria isso? — Harry entrelaça os braços no pescoço do esposo, beijando os lábios macios novamente.

— Eu te conheço, sei o que fazia nessas festas...

— Nunca fiz nada sozinho.

Tyler desce os degraus assobiando, uma camisa simples cobre seu torso, a roupa é consideravelmente maior do que seu corpo, Harry evita fazer qualquer comentário sobre a moda jovem atual.

-x-

Louis estaciona em frente a casa iluminada, havia luzes de festas por todo o parâmetro da residência e muitos jovens espalhados no jardim. A música é divertida e como se suas preces fossem ouvidas, nenhum adolescente parece estar bebado ou cambaleando, há apenas jovens socializando em risos acanhados e conversas escândalosas. Tyler fica visivelmente animado no banco transeiro, ele nem ao menos pensa em despedir dos pais quando abre umas das portas do veículo, sua euforia é cortada pelo tom de voz rígido de Louis.

— Volte, agora. Precisamos conversar.

O garoto tornar a fechar a porta, o vislumbre de felicidade passa rapidamente. Em seu olhar há apenas dúvida e confusão.

— Vocês não vão apenas... Voltar com a palavra, não é?

— Relaxe um pouco. — Louis ainda observa a quantidade de adolescente que adentra na casa, seus olhos logo localizam o primeiro copo vermelho.

— Eu não vou beber! — Ainda sem entender, o garoto se atropela com as palavras.

Louis não consegue conter o riso nasalado.

— Okay, já entendemos. — Ele respira fundo antes de continuar. — Se quiser beber, tudo bem.

— Yeah, apenas o suficiente para experimentar... Certo? — Harry completa, assistindo pelo retrovisor o semblante do filho mudar drasticamente.

— E vocês decidiram isso agora? Qual é a pegadinha?

— Nenhuma. — Louis balança os ombros. — Isso iria acontecer, não é mesmo? Sempre vai ter esses caras que vão te oferecer uma bebida e passar o copo... Mas não aceite muito ou irá acabar com a cara dentro de uma privada no meio da festa, quando se é novo nisso a tolerância de álcool é muito baixa, você simplesmente gorfa se exagera.

— É bem ruim. — Harry enruga o nariz, ele apenas está na conversa para apoiar as falas do esposo.

— E sempre há alguns baseados, não importa qual festa seja... Isso é com você, se quiser fumar, faça. Caso contrário, apenas peça para te pularem e mande para o inferno aquele que insistir que você experimente. Muita maconha também irá te afetar, você vai ficar lesado e provavelmente irá cair no sono, confie em mim. — Enquanto aconselha o filho, um filme passa pela mente de Louis, ele está tentando oferecer o seu melhor.

— Vocês estão realmente me deixando fumar maconha e beber? — Para Tyler, não parece certo ouvir tudo isso.

— Não é sobre permissão, Ty. São suas escolhas, qual controle eu terei sobre isso? Faça o que achar melhor para você. — Louis responde dá forma mais singela possível.

Harry pigarreia, afinal o menino ainda precisa de um freio.
— Ainda sim, lembre-se que esse é um bilhete único. Se exagerar hoje, você irá ficar de castigo e aprender na prática o que é ter pais rígidos e chatos, estou depositando minha confiança em você, faça valer a pena.

— Certo. — O menino assente. — Retomando, eu posso beber mas apenas o suficiente para experimentar! E tudo bem fumar um pouco de maconha, desde que isso não queime meus neurônios. Entendi, posso ir?

— Claro. — Louis prede um cigarro nos lábios, é o que precisa após uma conversa como essa.

— E se conhecer alguma garota legal, o máximo que deve fazer é tocar em alguns peitos, nada além disso! — Antes que Tyler suma de vista, Harry exaspera, dizendo alto o suficiente para o garoto ouvir enquanto caminha.

É possível ouvir alguns risos adolescentes ao redor, aproveitando a deixa, Louis aciona a buzina, fazendo o filho puxar de susto. O som atrai os olhares dos jovens, fazendo o garoto ser encarado pelos adolescentes da casa. Louis ri para a própria artimanha, notando em como Tyler apressou o passo para se afastar dos pais o mais rápido o possível.

— Louis. — Harry o repreende.

— Qual é. — O castanho diz em meio aos sorrisos. — A gente precisava fazer ele passar pelo menos essa vergonha.

Harry coça a sobrancelha com o mindinho, incomodado com a situação.
— Espero que ele saiba o que está fazendo.

— Yeah. — Louis desliza as mãos pelo volante, dando partida no carro. — Agora, vamos ter a nossa noite.

O destino é um restaurante de alta classe, o que é um exagero para uma ocasião simples. Bom, o fato é que no outro país tudo era diferente, até mesmo os restaurantes e bares. Harry odiava sair quando estavam na França, os lugares eram apertos e fechados, fora que a comunicação também era um problema. Afinal, ambas aprenderam apenas o básico da língua estrangeira, apenas as crianças ganharam fluência. Principalmente a Alicia, mesmo que os pais tenham ensinado a língua nativa, ela ainda se expressa em francês e mistura ambas as línguas ocasionalmente. De qualquer forma, é um graça assistir a menina franzindo os lábios para pronunciar as palavras em outra língua. Sendo assim, estar na sua terra natal torna tudo mágico outra vez. Harry suspirou aliviado após fazer uma brincadeira com um garçom do bistrô, tudo parece voltar ao normal aos poucos. Louis também pareceu contente em ter pratos familiares no cardápio, havia apenas o barulho da música clássica ecoando pelo lugar, é um ambiente acolhedor.

Ainda que ambos estejam entretidos em conversar sem ter as crianças por perto, os celulares e relógios são checados a todo momento. Assim que seus pratos chegaram, Alicia ligou por videochamada através do celular deixado com a irmã, ela parecia ter feito escondido de Annalise, que gritava o nome da irmã mais nova pelos corredores. Foram apenas dois minutos de Alicia mostrando a própria testa enquanto dizia aos pais que está com saudades, assim que Anna recuperou o celular, ela desligou. Harry franziu o cenho por não ter escutado nenhuma frase vindo da menina, ele nem sequer teve chances de dizê-la que Alicia já deveria estar na cama. Ainda sim, ele teve auto controle o suficiente para abandonar o celular na mesa, preferindo manter o foco no marido para impedir sua mente de criar hipóteses preocupantes.

— Elas estão bem... Anna teria ligado, você sabe. — Louis percebe a preocupação do outro, ele diz enquanto acaricia a mão do esposo.

— Eu não estou preocupado, apenas estou checando as horas. — De fato, ele apertou somente o botão da tela incial para checar o quão tarde já está.

— Vou mandar uma mensagem para o Tyler, perguntar sobre como ta indo a festa. — Louis diz enquanto digita no celular, assim que ganha uma resposta do garoto, ele lê em voz alta. — Está muito cedo para ir embora. Bom, ele parece bem.

— É um saco sair e só pensar neles, não é? — Harry desliza a palma da mão pelo pescoço, apertando a pele do local. Ele divide os pensamentos com o marido, sabendo que o mesmo também havia notado seu nervosismo. — Será que isso é saudável?

A pergunta faz Louis sorrir genuinamente.
— É assim desde sempre, amor.

O cacheado rola os olhos, voltando a atenção para a comida.
— Eles estão grandes, deveria ser diferente. Acho que nós precisamos nos desligar um pouco, não quero ser um pai invasivo.

— Estamos dando um espaço seguro, não quero relaxar além disso. — Louis também cutuca a comida com o garfo, franzindo o cenho para a quantidade de massa em seu prato. — Por que em restaurantes mais caros vem menos comida?

— Eu estou falando sério! — Harry bate as palmas das mãos contra a mesa, fazendo mais barulho do que pretendia. Ele arregala os olhos, encolhendo o corpo na cadeira em seguida. — Vamos conversar isso mais tarde.

— Eu também quero conversar sobre algo, é mesmo assunto... Enfim, coisa para quando chegarmos em casa.

O restaurante fecha antes que o relógio marque onze horas, Harry insiste brevemente para irem embora, ele poderia voltar assim que Tyler ligasse. No entanto Louis nega, ocasionando uma pequena discussão entre ambos. Há uma grande perca de tempo com o carro estacionado uma quadra abaixo da festa onde Tyler está, eles ficam em silêncio enquanto aguardam o horário combinado. Estar irritado faz Louis. se sentir ainda mais insatisfeito, ele aperta os dedos contra o volante, pressionando os dedos para travar a mandíbula. Deveria ter sido uma noite boa, afinal. Ele havia planejado um jantar romântico, que poderia ter ocasionado em um sexo incrível ao fim da noite.  O que ganhou com seu esforço foi um enorme incômodo crescendo em sua laringe, ele estapeia o volante antes de esbravejar.

— Eu não estou aqui por que quero. — Louis quebra o silêncio, arrancando um suspiro cansado do outro. — Nós temos que estar por perto, entende? Caso aconteça alguma coisa.

— Estamos exagerando. — Harry diz rígido, voltando no que haviam conversando anteriormente.

— Não deveríamos ter discutido por conta disso, não precisava. — Nos últimos anos, Louis trabalhou arduamente para controlar seus problemas com raiva. Antigamente, era impulsivo e esbraveja suas emoções durante brigas, um de seus defeitos que Harry mais odiava. No entanto, após uma experiência de autoconhecimento que o divórcio lhe rendeu, ele está sendo mais prudente, sabendo o peso de cada palavra dita. — Isso é uma situação nova! Ele é o nosso primeiro filho, não sabemos como lidar com festas até então.

— Eu sei. — Harry gesticula, querendo terminar o assunto. Ele vê a razão nos atos de Louis, parcialmente compartilha da mesma preocupação, mas faria diferente. E esse é o ponto. — Vamos conversar sobre isso em outro momento, fazer um acordo com o garoto... Eu não quero ficar aflito todas as vezes que ele sair, teremos que arrumar um meio para controlar isso.

— Fodase a paternidade. — O comentário cansado de Louis arranca um riso nasalado de Harry.

— Não fique tão desanimado. — Harry acaricia os ombros do esposo. — Ainda teremos que limpar toda casa pela manhã, você sabe que Anna não deixará nada organizado.

— Espero que o Tyler não tenha exagero. — O castanho diz enquanto coça as sobrancelhas, imaginando um cenário onde teria que limpar vômitos do filho.

— Olhe. — O cacheado mostra a tela bloqueada do celular, pedindo para que o marido note o horário. — Já podemos ligar para ele?

— Muito pontual? — Louis pergunta enquanto tecla o número do filho. — Que seja, quero ir para casa e dormir em paz.

— Nossa. — Harry arqueia a sobrancelha assim que houve a fala do outro, estampando uma feição surpresa. — A gente realmente precisa compensar essa noite.

— Vamos beber em algum bar amanhã. — O tom da voz de Louis muda assim que o garoto atende o telefone, assumindo um timbre mais rígido, o suficiente para evitar contestações do filho sobre o horário. — Não, você não vai esperar até chegarmos! Já estamos na frente da casa.

Harry deduz que o filho estava contando com alguns minutos a mais, rindo descrente ao imaginar a cara descontente do menino. Ele semicerra os olhos para o horizonte assim que percebe a fisionomia de Tyler, o garoto caminha de forma arrastado até o carro dos pais. Assim que está próximo o suficiente, Harry pode observar o cabelo bagunçado e aparência suada do filho. Louis analisa cada passo do garoto, checando pelo retrovisor assim que Tyler senta no banco traseiro.

— Eai, como foi? — Harry pergunta animado, inclinando o corpo no banco do passageiro de forma desajeitada para conseguir encarar o filho.

O garoto apenas acena lentamente com a cabeça, engolindo seco em sinal de nervosismo.

— Tyler. — O chamado de Louis faz o corpo do menino sobressair, ele pisca milhares de vezes em um único minuto. — Nos conte, como foi a sua primeira festa?

Ele concorda em silêncio novamente, pigarreiando após perceber o olhar fixo dos pais.

— Eu não quero dizer nada errado. — Tyler finalmente diz algo.

A fala desajeitada do garoto faz ambos os pais gargalharem, eles dão um tempo para o menino respirar, o suficiente para dar partida no carro e andar algumas quadras. Olhando pelo retrovisor, Louis percebeu o semblante cansado do filho, também havia manchas de bebibas por toda a camiseta do rapaz.

— Então... — O castanho diz cuidadosamente. — Você bebeu?

O menino concorda, bocejando em seguida.
— Sim, mas não estou me sentindo bem... Tudo está tão devagar.

— Então bebeu bastante. — Harry finaliza. — Fez alguma coisa além disso?

Tyler destrava o cinto de segurança para ficar mais desconfortável, deixando o corpo cair no banco.
— Conversei com o pessoal da minha sala, eles são legais. Também tinha uma garota loira e aquele garoto, alguém me ofereceu um baseado.

As palavras estão saindo confusas e fora de ordem por conta do álcool no sangue, conforme os segundos passam, a fala de Tyler se torna mais lenta e arrastada. A última frase desperta o interesse de Harry, fazendo-o olhar para o menino pelo canto dos olhos.

— É muito ruim. — Tyler completa. — Eu fiquei tossindo e eles riram de mim, cuzões.

— Pois é, isso sempre acontece. — Louis sibila, trocando olhares entreolhados com o esposo. — Tente não dormir até chegarmos em caso, nenhum de nós irá conseguir te carregar até sua cama.

O menino concorda, encolhendo o corpo ainda mais. Tyler tropeça nos próprios pés ao sair do carro, conseguindo manter-se de pé até a escadaria. Quando estava prestes a subir degrau por degrau, a voz de Harry chamou sua atenção.

— Nem pense em deitar na sua cama assim, tome um banho antes.

Tyler apoia o corpo no corrimão, assumindo uma feição pedinte.
— Pai, eu estou morrendo. Poderia dormir aqui mesmo, agora.

— Direto para o chuveiro. — Harry é rígido com as palavras, fazendo o menino grunhir enquanto sobe as escadas. Ele assiste os olhos alarmantes de Louis observar a cena, antes que Tyler tropeçasse mais uma vez, Louis corre até a escada para auxiliar o filho. — Ele deveria fazer isso sozinho.

— Vamos, olhe somente para o seus pés. — Louis ignora o comentário do esposo, passando um braço do filho pelo ombros, conseguindo então sustentar o peso de seu corpo.

Harry nega descrente, preferindo ignorar a ousadia de Louis para não se irritar ainda mais. Ele aguardar poucos segundos até o esposo voltar para o quarto, ao percebe que está demorando demais, Harry desiste de ter uma conversa. Por mais que tenha ordenado o filho ir tomar banho, ele é hipocrita para não fazer o mesmo, substituindo a calça por outra de moletom e deitando com o tronco desnudo. Antes que possa pegar no sono, o som dos passos de Louis é nítido, lhe fazendo abrir um dos olhos para analisar a figura do esposo. O castanho adentra o quarto com a camiseta molhada por respingos de água, as mangas compridas agora estão dobradas em seu cotovelo, sua aparência está ainda mais cansada. Assim que percebe o que havia acontecido, Harry leva rapidamente da cama.

— Você precisar para de mimar o Tyler. — Ele confronta Louis com os braços cruzados em frente ao corpo.

Louis solta um suspiro cansado, ele tem uma toalha em mãos para secar os braços molhados.
— Ele não iria conseguir tomar um banho sozinho, Harry. E Você iria brigar com o garoto se ele dormisse do jeito que chegou, estou apenas evitando situações desagradáveis em nossa família.

— É claro! — Harry gesticula com os braços abertos. — Nós fomos gentis e compreensíveis, demos ao Tyler um passe livre e ele de fato aproveitou bastante. Eu realmente não queria estar incomodado com isso, até porquê eu concordei de certa forma... Mas ele nem sequer conseguia se manter nos próprios pés. Eu não consigo fechar os olhos para isso.

— Foi a primeira vez dele bebendo! — Louis retruca como se estivesse dizendo o óbvio.

— Ele poderia ter ouvido a gente, custava ter apenas experimentado um copo? — Não é de fato uma discussão, em razão do horário, ambos mantêm um tom de voz baixo para não acordarem os filhos, sussurando suas afirmações. — Eu sei que o Tyler é seu preferido, mas precisa ser mais rígido com ele.

Louis solta um riso indignado, amassando a toalha com as mãos.
— Como assim?

— Não o mime tanto. — A pergunta é respondida com uma afirmação de Harry. Assim que sibila as palavras, o cacheado deita novamente, apagando a única luz que ilumina o quarto.

A lâmpada é acesa imediatamente por Louis, que encara o marido com um olhar ofendido.
— Eu sou pai, não tenho filho preferido. Estou sendo paciente com ele, achei que estivesse disposto a fazer isso também, nós demos um pote de ouro para o garoto quando demos a autorização para ele fazer um monte de merda. Não podemos ficar bravos agora, você sabe.

Harry bufa, virando-se de lado para esconder o rosto da luz, sabendo que desperdiçaria energias ao tentar apagá-la novamente. Pela movimentação que acontece no quarto, ele prezume que Louis está deixando as roupas de lado.

— E contestando a sua afirmação, eu amo os três igualmente, assim como me irrito na mesma medida com certas atitudes. Quando por exemplo, amo os momentos em que a Annalise conversa comigo, mas detesto quando ela questiona cada palavra que dizemos, como se quisesse nos confrontar. Amo quando a Alicia é carinhosa, mas não gosto quando ela joga as coisas no chão por birra, mesmo que tenhamos ensinado que isso é errado. É assim que acontece, gosto quando o Tyler nos escuta e ele fez isso hoje.

— Apenas diga para ele não exagerar na próxima vez. — Harry somente deseja ter seu sono respeitado. O silêncio instaura por alguns segundos, por mais que esteja tudo quieto, ele sabe que o companheiro ainda não adormeceu. — Você é o preferido dele.

— É bom que seja mesmo, eu nunca ajudei a dar banho em nenhum bebado antes. — Dito isso, Louis cai no sono.

...

Após o episódio, eles estabelecem regras com Tyler, dessa vez sendo mais rígidos. Ainda sim, mesmo com algums restrições, o garoto continuou saindo com os amigos, entretanto não houve outro episódio parecido. Para os pais, é um sinal que ele está aprendendo a controlar seus atos ou então a reduzindo a bebida para zero. O primeiro mês depois da viagem seguiu nesse mesmo ritmo, nada além do normal. Desmond aparecia na casa periodicamente, o que lembrava Harry em alguns momentos de que eles precisam procurar por outra casa, fora que ele não aguenta mais as discussões matinais entre Tyler e Annalise, as crianças dividem um único banheiro, o que o faz acordar toda as manhãs com Annalise batendo fortemente na porta para que o irmão libere o cômodo. Não há brinquedos espalhados pela casa, mas Alicia está chateada em não ter um quarto enfeitado como os dos irmãos, o que a fez dormir com os pais nos últimos dias.

Como faziam antigamente, Harry repassa toda a rotina durante o café da manhã.

— Louis, eu conversei com a corretora, ela tem horário para visitação hoje. — Harry diz o suficientemente alto para Louis ouvir, ele precisa gritar para que sua voz supere o som do ventilador.

O castanho retribui com um sinal positivo, ele caminha até a pia, retirando o liquidificador da tomada.

— Com licença? — Tyler ironiza, indginado pelo pai ter-lhe interrompido. — Eu estou fazendo o meu shake de proteínas.

— É sete da manhã! Não precisamos de todo esse barulho. Além do mais, isso é apenas pó e água, você poderia ter misturado apenas balançando. — Louis simbola o processo com as mãos. Tyler está na fase de frequentar academias e ingerir líquidos suspeitos que prometem um rápido ganho de massa.

— Ele já faz isso o dia inteiro. — Annalise sussura provocativa enquanto cutuca o cereal com a colher, a provocação pode ter passado despercida pelo irmão, mas Harry a escutou perfeitamente. Ele repreende a menina com um olhar alarmante, fazendo a filha bufar.

— Certo. — Harry diz enquanto serve os ovos mexidos para Alicia. — Prestem atenção em como faremos hoje. Após a escola, Tyler irá treinar com a escola para competir no final do semestre.

O garoto revira os olhos, ele participar do time da escola foi um pedido excepcional dos pais, Tyler aceitou após concordarem em lhe dar um celular novo. Sendo assim, ele tem treino quase todos os dias.

— Anna, assim que as aulas acabarem, nós vamos te deixar na escola de futebol.

A menina arregala os olhos, soltando murmúrios para impedir que o pai continue.

— Na verdade... Posso faltar hoje no futebol? — O pedido faz Harry enrugar o nariz, antes que ele desse uma resposta concreta, a menina continua. — Fui escalada para a peça de teatro da escola e os ensaios serão todas as segundas-feiras.

— Isso é ótimo. — Louis vibra, indo abraçar a filha. — Qual é a história?

A menina morde os lábios, ansiosa em anunciar a resposta.
— O mágico de Oz, papai! E eu ganhei o melhor papel.

Os olhos de Harry brilham, ele lê essa história para a filha desde antes dela nascer. Após muitos elogios, ele deposita um beijo no topo da cabeça de Anna.

— Não poderia ter sido outra escolha para o papel principal! — Ele diz enquanto encara a menina, apertando seu corpo pequeno em um abraço.

— Eu não vou ser a Dorothy. — Anna sibila.

— Você disse que tinha pego o melhor papel. — Harry franze o cenho, tentando falhamente encontrar sentido nas palavras da filha.

— A bruxa malvada do leste. — Ela diz como se fosse o óbvio, fazendo o silêncio tomar conta do ambiente.

Harry troca olhares com Louis, ambos estão surpreendidos ao ponto de perderem a fala. Após piscar em resposta e notar onolhar perdido do esposo, Louis decide quebrar a tensão.

— Que também é um ótimo papel! Meus parabéns, Anna! — Ele soa otimista.

Tyler senta ao lado da irmã, segurando em mãos seu shake. Ele encara a mistura, notando a cor predominante.

— Mas a bruxa malvada do leste é verde. — Ele diz enquanto enruga o nariz.

— Eca! — Alicia diz enojada, os contos de O mágico de Oz não foram tão presentes em sua infância como foi com os irmãos. — Igual ao hulk?

— Sim, mas ela não tem músculos! — Após dar uma típica revirada de olhos, Anna tenta ser paciente com a irmã. — Igual ao Tyler.

— Eu ainda vou crescer, 'ta legal? — A provocação da menina não passa impune, Tyler inicia um discussão com a irmã, a qual rende por alguns segundos, até serem interrompidos pelos murmúrios enfurecidos de Harry.

— Vocês dois, apenas comam o café da manhã! Como eu estava dizendo... — O cacheado volta a atenção para a caçula, sorrindo para a forma em que ela leva a colher até os lábios. — Alicia vai para a escolinha e quando acabar, vamos deixá-la em sua primeira aula de ballet.

— Eba! — A menina sorri animada. — Ballet.

— Boa sorte, Lilie! — Tyler pisca para a menina. — O seu coque está muito bonito, espero que as crianças não o amasse durante a aula...

— E então estaremos todos em casa até as cinco horas. — Harry finaliza, orgulhoso de todo o seu discurso.

— As aulas de teatros acabam as três. — A frase dita por Anna faz o murchar o sorriso estampado no rosto do pai.

— Então você será uma boa menina e irá até o ginásio da escola para ver o seu irmão treinando. — Louis diz calmamente, garantindo que a menina entenda a instruções. — E aguarde pacientemente até buscarmos vocês dois.

— Eu não quero! — Annalise dramatiza, assumindo uma feição enojada. — Eu não gosto do ginásio da escola, lá cheira a suor!

— Filha, estaremos ocupados a tarde inteira... É o único lugar que você pode ficar. — Harry diz com um olhar empático.

— Posso acompanhar a Lilie na aula de ballet? — A pergunta espontânea de Annalise surge como uma luz nos planos nebulosos de Harry.

Ela fica mais aliviada quando o pai concorda.

— Anna vai fazer ballet comigo! — Alicia comemora.

— Nem pensar... Eu tenho pernas de jogadora, não sirvo para o ballet.

A fala convencida de Annalise faz Harry arquear as sobrancelhas, a menina está muito certa de seu dom para o futebol.

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Louis rodopeia nos próprios pés, analisando o interior da casa enquanto segura o panfleto de visitação em mãos. Seu descontentamento o impede de disfarçar o incômodo que o ambiente lhe traz, ele franze o cenho para o branco das paredes.

— Essa claridade não incomoda seus olhos? — Ele pergunta para o esposo.

A pergunta é ignorada, Harry apressa os passos para alcançar a corretora.

— Alicia vai usar todos os marca textos da Anna para pintar nesses paredes! — A voz de Louis ecoa pelos corredores. — Que desperdício de tempo.

O engraçado é que Louis nunca teve problemas com mudanças, ele decidiu em muito pouco tempo que iria para outro país, nunca foi apegado em rotina. No entanto, há algo sobre mudar de casa, que faz seu coração estremecer. Para Louis, ainda podem ficar na casa antiga, há espaço. Não há necessidade de procurar um novo lugar, ele sente que estão jogando memórias boas no lixo. Após andar lentamente com os braços cruzados em frete ao corpo, ele alcança Harry, que está folheando alguns papéis. O cacheado lhe observa pelo o canto dos olhos, notando a inquietação.

— Você nao gostou de nenhuma casa? — A resposta de Louis é negativa.

A corretora surge, recolhendo a prancheta das mãos de Harry.

— Não faz mal, ainda teremos a semana inteira para visitação! — Ela sorri.

Para a satisfação de Louis, eles retornam para a casa. O treino de Tyler havia terminado mais cedo, sendo assim levaram apenas as meninas para a casa. Alicia está bastante contente com suas aulas de ballet, mostrando os movimentos para os país antes de ir dormir. Louis precisa ler uma história inteira de conto de fadas para a garota pegar no sono, até mesmo suas pálpebras estão pesadas quando ele deixa o quarto da menina. Harry ignora seu bocejo, confrontando o esposo sobre sua falta de interesse durante a tarde em que passaram juntos.

— Nós temos muito espaço aqui, Harry! — Ele insiste novamente. — Só precisamos de uma reforma.

— O meu pai quer ficar com a casa! — Não há nenhuma pressão vindo de Desmond, mas ainda sim, Harry pretende deixar a casa livre o quanto antes.

— Que se foda o seu pai, mande ele comprar um trailer e sair viajando pelo mundo, como os velhotes fazem!

Harry leva a mão até as têmporas, massageando o local antes de responder o esposo.

— Não vamos discutir por causa disso.

Louis retira a camiseta do corpo, caminhando em direção ao banheiro.

— Era sobre isso que queria conversar no outro dia, sobre a ficarmos na casa? — Harry questiona.

A voz intimidante do esposo faz Louis brecar os passos, parando no batente da porta.

— Não. — Ele enrola a camiseta em mãos, querendo focar em algo. — Mas não é um bom momento para conversarmos sobre o que eu quero.

— Se assunto for divórcio novamente, ao menos me dê a chance de pedir primeiro. — Apesar não passar de uma brincadeira de mau gosto feita por Harry, o castanho arremasa a camiseta em seu rosto, bufando descrente em seguida. — Ah, Louis! Agora eu estou curioso, o que é tão importante?

— Eu não, talvez... — O castanho leva a mão até o pescoço, arranhando a pele dali. Ele rodopeia nos próprios pés, caminhando até a cama, onde o esposo está sentado. — Eu posso considerar uma mudança, se você considerar temos outro filho.

O cacheado pisca atônito, olhando os lados para dar tempo o suficiente ao seu cérebro para raciocinar o que havia escutado.

— Está brincando?

— Não! — Louis arregala os olhos azulados. — Eu acho que seria conveniente termos outro filho agora, estamos na melhor fase de nossas vidas!

— Nós já temos três. — Harry sibila. — O limite era um e nós fizemos três.

— Amor, deixe-me explicar. — Louis agarra as mãos do esposo, entrelaçando os dedos. — Eu quero ter outro filho, os nossos já estão crescendo. Lilie é a única que ainda aprecia estar com a gente, Tyler e Anna já estão crescidos. E a nossa vida está tão boa, seria tão bom ter uma gravidez tranquila, ao menos uma vez... Não acha que merecemos isso?

Harry torce os lábios, ele tenta não ceder para as belas palavras de Louis. Seu marido sempre foi bom em lhe convencer com apenas uma boa lábia, sabendo exatamente o que o cacheado precisa ouvir para dizer um sim. Está longe de ser manipulação, ele apenas diz o que agrada o esposo.

— Ainda temos tempo para aproveitar o que temos. — Ele franze o cenho de forma pedinte, implorando para que o marido não estenda a conversa.

— O Tyler está indo para a faculdade. — A frase é dita com rispidez, como uma estaca perfurando o peito de Harry. — E a Annalise prefere quando a deixamos em paz, ela está em uma dessas fases de odiar carinho. A alicia... Está okay, mas logo ela vai crescer também e toda essa atenção que temos dela vai acabar logo.

— Ela ainda tem quatro anos.

— A idade que o Tyler tinha quando a Anna nasceu. — Louis reivindica. — E o Tyler tem a mesma idade que tinhamos quando ele nasceu, e a Anna já fez doze, o Ty tinha quase isso quando tivemos nosso último bebê. Todos nós já passamos por isso uma vez.

— Louis. — Harry estamo um sorriso desacreditado nos lábios. — É sério que está pensando nisso?

— Meu amor, pense com mais carinho. — O castanho beija repetidas vezes a mão do esposo, implorando por mais uma chance. — Nós teremos templo para planejar. E se nascer outro menino? Teremos dois de cada.

— Um filho planejado? Nós nem sabemos como fazer isso... Acho que vou engravidar mais fácil se fingirmos estar despreparados. — O cacheado ironiza, arrancando um suspiro cansado do esposo. Ele espreme aos lábios ao notar a feição frustrado do outro, parece que Louis havia criado muito expectativa antes de conversarem.

— Então vamos ficar aqui, não tem porque irmos para uma casa maior! Podemos reformar o quarto para a Alicia. — A fala de Louis é cuidadosa, ele não a diria em voz alta se não estivesse frustrado.

No fim, Harry vê verdade em seus palavras. O único motivo pelo qual quer mudar para outra casa, é para recomeçarem de outra maneira. O que fez sentido de início, quando estavam voltando da França. No entanto, após um mês vivendo em sua antiga casa, relembrando de todas as memórias boas e observando como os filhos ficam confortáveis nela, sua vontade de sair está morrendo aos poucos. Pensamentos como esses fazem Harry deslizar a mão pelo pescoço, ponderando o que iria dizer ao esposo.

— Nós podemos ficar aqui. — O olhar de Louis muda gradativamente conforme escuta as palavras ditas por Harry, um pequeno sorriso brota em seus lábios. Antes que pudesse comemorar, é interrompido. — Mas se quiser, de fato, outro filho... Nesse caso, iremos nos mudar. Não vai ter espaço, entende?

— Então o bebê não vai crescer onde os irmãos cresceram! Isso é injusto. O Tyler vai para a faculdade, estou certo disso.

— Ele não vai morar em nenhuma irmandade ou nos alojamentos da faculdade, é claro que não!

— Eu sei. — Louis solta um longo suspiro, buscando por outro caminho. — Tudo bem, você está certo. Aqui não tem espaço para outra criança, o Ty e a Anna brigam todos os dias pelo banheiro... E a pobre Alicia mal tem um quarto para ela.

— Então... Nós ainda iremos conversar bastante sobre isso. Em outro momento, para decidir. — Harry acena sugestivamente com a cabeça.

— Certo. — Louis segura as bochechas do esposo, inclinando o corpo para lhe depositar um beijo na testa. — Obrigado.

-x-

A conversa não foi boa para o sono de Harry, que passou a noite piscando pensativo encarando teto. Seus pensamentos eram altos, houve momentos em que deu razão ao que foi dito por Louis, outros em que ele discordou completamente do marido. Eles precisam mudar de casa, não de outro filho... No entanto, a casa ainda está boa e suas crianças estão crescendo. Foi tudo muito rápido, Tyler já está em seu último ano de escola e Annalise está uma pilha de hormônios femininos. Apesar de ser pequena, Alicia já é muito indepente, mesmo que tenha muita atenção dos pais, há uma certa carência em relação às outras crianças, um irmão de idade próxima seria bom para ela, a menina está muito sozinha ultimamente. A indecisão o fez ficar acordado parte de madrugada, mordendo a ponta da língua enquanro refletia. Harry repreendeu amargamente sua mente turbulenta assim que ouviu os despertador, seu corpo não parecia ter descansado nem ao menos um par de horas. Não há outra escapatória além de levantar, mesmo que tenha adormecido por mais quinze minutos, logo acordou com a discussão matinal dos filhos.

Ele desce as escadas em silêncio, mantendo uma feição fechada enquanto serve café em sua xícara, apenas o suficiente para lhe manter desperto pelo resto da manhã. Um mero sorriso abre em seus lábios ao notar Alicia descendo as escadas lentamente, passo por passo, como os pais haviam lhe ensinado. Seu cabelo ondulado está preso em um coque firme, diferente das outras manhãs em que ela acorda com as madeixas bagunçadas. Ao descer do último de dregau em um pulo, a menina corre até Harry, que a pega no colo.

— Ei, quem fez esse penteado bonito em você? — Ele questiona, afinal pentear os cabelos da filha é uma de suas tarefas matinais.

— Eu! — Alicia abre os braços entusiasmada. — Vi no youtube.

— Você seguiu um daqueles tutoriais? Que menina esperta! — Louis surge, beijando as bochechas da filha.

Harry nota o acúmulo de gel no topo da cabeça de Alicia, mas a pequena havia feito um trabalho tão excepcional, que ele preferiu ficar calado.

— Lilie tem ballet hoje? — Annalise pergunta ao reparar no coque da irmã. Harry assente, colocando a caçula no chão. Ele nota a animação de Anna ao receber a resposta, a garota engole seu cereal com rapidez. — Posso ir com ela de novo? Os meus treinos vão ser amanhã, estou livre hoje!

— Tudo bem. — Harry sibila, encarando a menina com o canto dos olhos, achando sua animação suspeita. Como não está em dia bom para conversar, ele continua em silêncio pelo resto do café da manhã.

Após horas, sua mente ainda flutua pelos pensa recorrentes da madrugada, ponderando seriamente sobre cada escolha. De fato, as crianças já estão crescidas e responsáveis, ele pensa estar gastando suas preocupações atoa. Mais tarde, quando estão no trânsito, há uma conversa sobre isso com Louis.

— Você está muito em cima das crianças, eles já sabem o que fazer. — O castanho conclui. — Tire um dia de folga, sem dar ordens ou fazer rotina e tudo vai continuar o mesmo, você vai ver.

— Você está certo. — Harry diz enquanto encara a janela, franzindo o cenho para o congestionamento do trânsito, algo que não havia em sua antiga cidade. — Estou sentindo falta de Marselha.

— Eu comprei croissant. — Após o comentário do esposo, Louis aponta para uma embalagem abandonada no banco traseiro do carro. — Espero que sirva.

O cacheado sorri, retirando o celular do bolso para mandar uma mensagem para Tyler, iria checar se o garoto havia chegado bem em casa, com o transporte escolar. No entanto, lembranças do Louis lhe disse recorreram em sua mente, fazendo-o excluir o que havia digitado e abandonar o aparelho no painel do carro.

— Amanhã tenho uma entrevista com o reitor daquela faculdade... — Ele recorda brevemente, avisando o esposo, que acena enquanto escuta atentamente. — Vou tirar o resto do dia para descansar, fazer o que você me disse... Deixar as crianças respirarem. Espero que tudo corra bem.

De fato, está tudo tranquilo quando chegam em casa. Houve apenas alguns murmúrios de Annalise, pedindo para Alicia não correr em direção à porta, tal como a garota sempre faz para recepcionar os pais. Inclusive, está quieto demais. Não houve surpresa quando Tyler surgiu, contando uma longa história para convencer os pais a deixarem ele sair com um colega. Aproveitando a oportunidade, Annalise avisou ter comprado algumas coisas para a peça da escola, o que foi feito sem aviso prévio. Harry semicerra os olhos para cada feição fragilizada que os filhos fazem, tal como Louis ouve atentamemte com os braços cruzados em frente ao corpo, checando a expressão pedinte dos filhos.

— Então, eu vou poder ir? O Jason vem me buscar as seis. Isso é, se vocês deixarem.

— Quem é Jason? — Louis pergunta, zombando brevemente do nome dito pelo filho.

— O meu amigo... Aquele cara, o da festa. — O menino responde, ele enrola o cordão da blusa entre os dedos, em sinal de nervosismo. — Aquele que me ofereceu o baseado.

— Somente boas companhias. — Louis ironiza. — Ele dirige? Você disse que ele viria te buscar, então...

Tyler concorda exasperadamente.
— Ele tem uma moto!

Louis estala a língua no céu da boca, ponderando sobre qual seria seu parecer. Pelo cantos dos olhos, ele vê o esposo com uma expressão serena no rosto, quase indiferente para o que o filho havia lhe dito. O que faz o castanho praguejar mentalmente, afinal Harry só está calmo em razão da conversa que tiveram anteriormente, onde Louis pediu claramente para que ele o fizesse. A lembrança o faz espremer os olhos culposamente, arrependendo-se de cada sentença que havia dito. Afinal, não está disposto a deixar o filho sair pelos arredores da cidade com um adolescente maconheira em uma moto.

— Se quiser ir, tudo bem. — Harry estapeia os ombros do filho, caminhando sem culpa alguma até o quarto.

Louis suspira, acenando para Tyler, iria gerar uma briga se fosse contra a palavra do marido. Ainda sim, ele não pode deixar passar em branco.

— Papai, eu juro que não uso mais o seu cartão! — Anna surge em sua frente, os olhos martirizando seus atos.

A sacola da menina ainda está intacta em cima da mesa de jantar, Louis checa a logo da papelaria. Ele suspira, acariciando os cabelos da filha.

— Tudo bem, foram coisas para a sua escola. O teatro é importante, não é? — A menina concorda receiosa. — O que comprou?

Anna encara a sacola, relembrando vagamente o que havia pego.

— Algumas cartolinas para fazer um chapéu de bruxa. — Ela gesticula. — E várias tintas verdes para cobrir o corpo.

Ele acena, desviando do corpo de menina para ir atrás do esposo em passos apressados, fazendo o som dos sapatos soarem mais altos ao se chocarem contra o chão. Ao procurar pelo esposo nos corredores da casa, Louis tromba com Alicia, a menina bate a cabeça em seu
joelho.

— Ouch. — Ela olha confusa para cima. Louis assusta ao perceber que quase chutou a menina, agachando imediatamente para pedir desculpas, só então ele nota que a filha está segurando uma embalagem de tinta corporal, as quais Annalise disse ter comprado.

— Isso não é para criança, filha. — Ele pega o pequeno frasco em mãos, caminhando para o quarto assim que vê o veslumbre do corpo do esposo.

— Harry. — Sua voz é alarmante, o quarto está vazio, mas há o barulho do chuveiro ligado na suíte. Louis desliza a palma da mão pelo rosto, deixando o corpo cair contra o colchão da cama de casal.

O tempo que Harry leva para sair do chuveiro foi o suficiente para ouvir a porta da sala batendo, o som faz Louis negar descrente, deduzindo que o filho já havia saído. Assim que o esposo aparece, com o corpo coberto por um roupão, o castanho começar a praguejar.

— O Tyler já saiu. — Ele levanta, cruzando os braços em frente ao corpo. — Com o garoto que ofereceu um baseado para ele naquela festa. E ele tem uma moto, só para constar.

Harry sorri, ajustando a corda que prende o roupão em seu corpo.
— Eu sei, estava lá quando Tyler pediu para sair. — Ele diz franzindo as sobrancelhas.

— E achou uma boa ideia? Você apenas concordou e saiu andando, como se não tivesse dado um passe livre para o seu filho. — O tom de Louis é rígido, ainda que tenha feito uma boa escolha de palavra no tempo em que ficou sozinho esperando pelo esposo, seu timbre firme mostra o quão indiganado está no momento.

— Era só ter dito 'não! — Harry gesticula, como se estivesse dizendo o óbvio. — E o que houve com todo aquele papo de deixar as crianças serem mais responsáveis? O Tyler sabe tomar as próprias decisões, se ele quer sair com esse garoto, é porquê tem seus motivos.

Louis desliza a língua pelos lábios, já esperava que o esposo mencionasse o que conversaram.
— Isso não significa permitir que ele saia no meio da semana, com um adolescente de dezesseis anos que dirige uma moto! Jesus, esse garoto nem sequer deve ter uma habilitação para isso.

— Louis, relaxe! O garoto sabe que não pode chegar tarde, amanhã ele tem aula! Você não disse que precisamos confiar mais neles, hum? Respire.

O estresse faz surgir a vontade de abandonar a conversa, isto até Louis checar a cama pelo canto dos olhos e encontrar o frasco de tinta que havia pego das mãos de Alicia.

— Por muito pouco a Alicia não jantou tinta corporal hoje! Além de Anna ter usado o nosso cartão sem permissão, ela também deixou esses frasco jogados pela casa em livre acesso para a irmã. — Ele mostra o pequeno frasco, que por sorte ainda está lacrado. — Quero dizer, Anna ao menos se certificou que essa tinta irá sair depois?

— Ela vai ficar ótima na peça. — Harry toma o frasco das mãos de Louis, checando brevemente o rótulo do produto, desejando que nenhum dos elementos cause uma queimadura na pele da filha. Ele abandona a embalagem na cômoda, voltando a atenção para o esposo. — Não vamos nos preocupar por eles, certo? Se continuar assim, os seus fios brancos vão aumentar.

A feição de Louis muda drasticamente ao notar que o esposo aproveita o diferença de altura para encarar o topo de sua cabeça, fazendo o castanho praguejar enquanto desvencilha dos toque de Harry. Ele empurra levemente o corpo do esposo, deixando-o rindo sozinho no quarto.

-x-

Há um curto resquício de arrependimento no olhar de Harry, assim que desce as escadas, devidamente vestido para a entrevista que o aguarda em duas horas. Ele percebe que algo não está certo ao notar Louis recostado na mesa, levemente inclinado enquanto encara algo. A figura de Tyler é o que ganha sua atenção de imediato, o garoto aparenta estar doente, quase não há cor em sua pele, o único tom que destaca em seu rosto é a vermelhidão de seus olhos. Seu corpo está largado na cadeira, soltando grunhidos toda vez que tenta levar uma torrada aos lábios. Quando chega ao pé da escada, lhe vem em mente que o garoto havia ido para algum lugar na noite passada. E então, Tyler acorda em uma tremenda ressaca. O que faz Harry morder fortemente o interior da bochecha, ele estava prestes a começar um longo monólogo, isto é, até seus olhos percorrerem pela cozinha e notar que a aparência de Annalise é ainda pior.

A menina tem um acúmulo de manchas verdes por todo o corpo, principalmente nas raizes de seu cabelo. A pele do rosto está avermelhada, aparentemente irritada, enquanto o resto de seu corpo está coberto pelo tom verde. A tintura está desbotada, ela provavelmente havia esfregado todo o corpo tentando se livrar da pigmentação. Anna passa diante do pai cabisbaixa, caminhando em passos rápidos até seu lugar na mesa. Louis também observa calado, coçando o cavanhaque. Ele abre meramente os lábios, procurando por palavras. No entanto, há uma queixa de dor pela parte de Tyler, o menino repousa as mãos na barriga enquanto torce o nariz.

Harry toma fôlego antes de caminhar até a cafeteira para servir uma farta xícara de café, ele para ao lado do filho, repousando a mão em seu ombro esquerdo.
— Você está de castigo, até o resto do mês.

Tyler espreme os lábios, murmurando novamente.
— Eu posso ao menos ficar em casa hoje?

Louis toma a vez, fazendo-se presente.
— Tyler, eu estou puto com você. Eu juro, você não vai querer passar a manhã preso nessa casa, junto a mim. 

Como prometido, Harry completa sua caneca preferida com café. O hábito da cafeina pelas manhãs começou na França, antes era apenas seu bom e velho chá de camomila.

— Alguém quer falar sobre o elefante na sala? — Ele levanta o olhar, notando a forma em que Annalise se encolheu na cadeira. — Anna, por que está vestida de grinch? O natal ainda está longe.

A menina deixa a colher cair no tigela, cruzando os braços na mesa para apoiar a cabeça.

— Eu quis testar a maquiagem... Mas deu tudo errado.

— Estava escrito no rótulo, era só ler o bendito rótulo. — Louis diz incrédulo.

Harry leva a caneca até o lábios, ele aponta um dedo para a filha.
— Você ainda irá para escola.

— Então eu posso ficar? — Tyler diz em tom baixo.

— Não. — Harry pega as chaves do carro em mãos, caminhando em direção à porta. Quando alcança a mesa, ele interrompe os passos para ficar ao lado do filho, inclinando o corpo para conseguir sussurar em seu ouvido. — Você acabou com todos os privilégios que tinha com a gente, espero que tenha um ressaca longa e dolorosa.

O cacheado corrige a postura, dando a falta da filha caçula.
— A Lilie ainda está dormindo?

— Ela também está verde. Vou dar outro banho nela antes de levá-los para a escola. — Louis diz casualmente, permancendo na mesma posição em que Harry lhe encontrou.

— Sinceramente... — Harry pragueja, ele agradece quando coloca os pés para fora da casa, respirando o ar puro e desfrutando de um ambiente livre do caos. 

-x-

Assim que o céu escurece, tudo parece ficar mais calmo. Annalise conseguiu livrar-se do verde em sua pele, mas ainda praguejou sobre ter sido obrigada a usar o transporte da escola mesmo estando coberta de tinta. Tyler ficou mais sadio ao decorrer das horas, após dormir um par de horas assim que chegou da escola, ele caminhou silenciosamente até a cozinha, devorando um sanduíche. Alicia ainda está na fase de dormir às nove, a pequena mal consegue sustentar os olhos durante a janta, sendo levada até seu quarto nos braços de Louis. A cena faz um sorriso brotar nos lábios de Harry, a pequena está adormecida nos ombros do pai e seus cabelos ondulados caem em seu rosto. É precisa ignorar o barulho de Annalise, ela está realmente chateada, andando pela casa pisando forte e batendo todas as portas.

Harry assiste a filha adentrar o quarto, a menina solta uma lufada de ar dramática antes de deixar o vento bater a porta, brevemente lhe ocorre o pensamento de confrotar a menina, mas a voz de Louis atrai toda a sua atenção. O castanho chama pelo esposo no quarto do casal, ele está deitado na cama, vestindo somente uma calça moletom com o corpo desnudo. Recemente, Louis mostrou ser interessado em leitura, periodicamente ele escolhe um livro para ler antes de dormir, usando um óculos como auxílio para enxergar as letras miúdas. Assim que percebe Harry adentrando no quarto, ele abandona o livro ao lado da cama, perguntando ao esposo como havia sido a entrevista na faculdade.

O cacheado solta um longo suspiro, deixando o corpo cair no colchão. Ele deita debruçado, usando os braços para apoiar a cabeça e poder encarar os olhos de Louis.

— Não sei dizer, nós conversamos por um longo período... Foi muito descontraído? Ainda sim parecia que eu estava em um campo minado, um passo em falso e acabaria com tudo.

Louis assente, deslizando as pontas dos dedos pelas costas do esposo, arranhando levemente sua pele.

— Quis passar uma boa impressão, eles são tão metidos lá, você iria dar tanta risada... — Harry relembra a forma me que foi tratado, o requinte do lugar fazia uma alusão ao século passado. — Eu não sei dizer se ele gostou de mim, quero dizer... O cara não expressava nenhuma reação, parecia uma estátua.

Um sorriso brota nos lábios de Louis.
— Tem certeza que ele não se apaixonou por você? Quero dizer, você se empenhou nessa manhã. — A idéia arranca um riso nasalado de Harry, que esconde o rosto entre os braços em constrangimento. Louis assume um tom sério novamente, ficando entretido nas próprias palavras enquanto continua a acariciar a pele macia do marido. — Não fique se martirizando, a resposta certa virá no tempo certo. Eu tenho certeza que você foi ótimo, independente de você passar ou não. Se não der certo nessa faculdade, há muitas outras na cidade... Ou estado, não limite suas escolhas apenas no interior, não iremos mudar de qualquer forma, mas se for preciso ir para outro lugar a trabalho, iremos.

Harry franze as sobrancelhas, levantando o olhar para encarar o outro nos olhos.
— Não iremos nos mudar de qualquer maneira? — Ele repete a sentença dita por Louis. — O que aconteceu com a hipótese de outro filho?

— O Tyler deve ter vomitado ela nessa manhã. — Louis tensiona a mandíbula. — Dá para acreditar?

— Nem me lembre. — Harry diz arrastado, caminhando em seus joelhos até onde o corpo do esposo está deitado, colocando as pernas lado a lado de sua cintura, sentando no colo de Louis. — Esqueça esses ingratos, estamos envelhecendo com tanto estresse.

O castanho sente as unhas de Harry arranhar levemente a pele de seu peitoral, ele divaga enquanto sente o atrito.
— Por que está tão tranquilo?

— Eles são nossos filhos, teremos tempo de sobrar para ficarmos bravos. Não agora, estamos em uma fase boa, apenas relaxe. —Harry inclina o corpo para distribuir beijos no pescoço de Louis, deixando os lábios arrastarem contra a pele quente da região. Uma leve mordida faz o castanho franzir o cenho, o que desperta um mero sorriso nos lábios de Harry.

— Acho que sei porquê você está assim. — A malícia de seu esposo já preenche todo o quarto, Louis desliza a mão até os cabelos ondulados, puxando as madeixas com força para atrair o olhar de Harry. O sorriso ladino ainda toma conta de seus lábios, que agora estão umedecidos pelos beijos espalhados na pele de Louis. Ele prende os lábios bem lubrificados do esposo em um beijo apressado, deixando a cabeça cair assim que rompe o contato. — O que você pretende fazer?

Harry movimenta o corpo em animação, seu rosto é direcionado para as clavículas bem marcadas de Louis, a quais ele deposita um beijo curto antes de responder a pergunta.
— Tirar todo o seu estresse.

De fato, o castanho sente o corpo relaxar assim a boca pertinente de Harry toca em sua barriga, o atrito dos lábios macios contra a pela lhe faz cócegas, fazendo o corpo de Louis estremecer pela surpresa. Ele também sente o nariz de Harry roça contra o pé de sua barriga, a sensação lhe causa um arrepio direto na espinha. Antes que pudesse desfrutar devidamente da sensação dos lábios descendo por sua virilha, um toque na porta desperta todos os pensamentos de Louis.

— Posso entrar? — A voz de Tyler quebra toda a atmosfera quente criada no quarto. Há uma troca de olhares com Harry, o mesmo apenas balança os ombros, deixando o corpo cair ao lado de Louis.

Percebendo que já era tarde de demais para ignorar o pedido, Louis suspira cansado antes de autorizar a entrada. Assim que adentra o quarto dos pais, Tyler anda em passos arrastados até a cama, deitando-se ao com o rosto contra o colchão.

— Ainda não estou me sentindo bem. — A voz do menino é abafada pela posição em que está, ainda sim é suficiente para que os pais lhe ouçam.

Louis rola os olhos, sentindo o queixo pontudo de Harry pousar em seu ombro.
— Espero que sirva de lição.

Tyler vira o rosto para encarar o pai, franzindo o cenho piedosamente.
— Hoje foi terrível... Fui obrigado a treinar, mesmo estando passando mal.

— Você sabia sobre as aulas e o treino... E mesmo assim preferiu beber. — O timbre marcante de Harry assume presença na conversa. — Em que merda estava pensando?

Um gemido escapa dos lábios do garoto, ele volta a esconder o rosto no estofado.
— Nunca mais faço isso! Hoje o treinador ficou tão bravo, vocês tinham que ver... Ele disse que eu sou mimado e irresponsável.

— O seu treinador fala dessa forma com você? — A informação desperta a curiosidade em Louis, fazendo-o mudar de expressão automaticamente, assumindo uma feição preocupada.

— Vocês também acham isso? — Tyler deixa parte de seu rosto amostra.

— Talvez... Bom, nós te mimamos um pouco. — Harry sibila. — E você certamente foi irresponsável bebendo em uma quarta-feira, sabendo que teria aula e futebol no outro dia.

— Isso não vai acontecer de novo. — Tyler se surpreendeu ao ver que os pais estão em concordância com o que foi dito por seu treinador, o que fez uma pontada de arrependimento atingir seu peito. — Não vou desapontar vocês novamente.

O ar preocupado do filho faz Louis deixar escapar um riso nasalado, ele reprime ao receber uma cotovelada do esposo.

— Nós não estamos desapontados, você poderia ter feito pior. — Ele conclui. — Mas ainda estou bravo, não poderá fazer nada quanto a isso.

— Eu vou mudar! — O corpo de Tyler sobressai, ele levanta o tronco rapidamente, olhando para os pais com olhos clamantes. — Eu vou me esforçar mais na escola, para conseguir a bolsa de estudos que dão para os atletas! Também vou fazer vestibulares. Assim você não vai ter que chupar ninguém para eu conseguir entrar na faculdade, papai.

A última frase dito pelo garoto cria um silêncio instantâneo no quarto, ambos adultos demoram para assimilar o que significava as palavras de Tyler. O silêncio é rompido pela risada contagiante de Louis que passa a  ecoar por todo o quarto, Harry apenas encara o filho com olhares indignados e as sobrancelhas franzidas em repulsa.

— Eu não vou chupar ninguém? — Ele retruca ofendido.

— Você quem disse!

— Eu fiz a entrevista para conseguir a vaga de professor na faculdade, eles oferecem bolsas para filhos dos docentes! — Harry diz perpetuando cada sentença para defender sua integridade, o olhar confuso de Tyler consegue lhe irritar ainda mais.

— Ninguém dá bolsas de estudos assim, de graça!

— Pois é, por isso pessoas aceitam salários mediocres para conseguirem uma.  — O tom ofendido do cacheado faz a risada de Louis ficar ainda mais alta, ele ganha um golpe nas costela por isso. Harry encara os olhos confusos do filho, percebendo que sua fala havia sido uma brincadeira de mau gosto. — E não fale assim comigo!

O menino sorri, balançando a cabeça descrente, ganhando um olhar semicerrado do pai. A gargalhada de Louis desaparece aos poucos, ele raspa a garganta antes de voltar a participar na conversa, estapeiando levemente os ombros de Tyler antes de continuar.

— Você precisa impor respeito ao seu treinador, não pode deixar ele falar com você de qualquer jeito. Afinal, você é o capitão! O time não seria nada senão estivesse em campo... Não digo para você ser mau educado ou respondê-lo, a melhor resposta será mudar suas atitudes e passar segurança a ele. — Enquanto aconselha o filho, a mente de Louis divaga para quando fazia parte do time da escola. Seu gênio nunca fora fácil, inúmeras vezes discutia com os colegas da equipe e principalmente com seu instrutor... É claro, ele sempre bateu de frente. No entanto, não pode deixar que o filho faça o mesmo. — Acredite, isso deu certo comigo.

— Certo. — Tyler estala a língua no céu da boca, associando tudo o que foi dito pelo pai. — Já que não vou poder chutar a bunda dele, farei isso..

Louis acena positvamente, aproveitando a proximidade para bagunçar os cabelos ondulados do filho, tal como sempre faz com as madeixas de Harry.

— Eu não estou com sono. — Tyler abraça um dos travesseiros. — Mas vou dormir para acordar revigorado amanhã, é dia de treino.

— Finalmente seguindo nossos conselhos. — Harry pisca para o filho.

Um silêncio repentino toma conta do quarto, o menino pisca atônito, tomando coragem para o que viria a seguir.

— O meu amigo Jason... Ele é legal, okay? Não é culpa dele eu ter enchido a cara ontem. — A fala de Tyler acarreta em um suspiro cansado vindo de Louis, que rola os olhos imediatamente ao ouvir o nome do rapaz outra vez. — Ele pode vir aqui nessa sexta à noite? Garanto que irão gostar dele.

— Claro. — Harry não pensa muito em responder, ele sente o olhar crítico de Louis.

— Certo. — O menino cantarola, levantando da cama. Ele espreguiça o corpo esguio, olhando para os pais com o canto dos olhos, observando o rosto sereno de Harry — Mas se fosse preciso, você faria... Não é?

A feição do cacheado muda drasticamente, ele rapidamente captura um travesseiro em mãos parra arremessar em direção ao filho, o menino é rápido o suficiente para desviar.

— O seu pai não vai chupar ninguém! Você ainda está pensando nisso? — Louis reprime o riso, a forma em que Harry sempre é pego de surpresa é tão repentina que chega a ter graça.

— Estamos falando sobre o meu futuro, vocês deveriam fazer o que for preciso. — Tyler retruca como se fosse o óbvio, gargalhando em seguida. O som de sua risada faz ambos os pais darem uma longa revirada de olhos, o medo de ser acertado por outro travesseiro voando em sua direção, o faz caminhar para fora do quarto após desejar os pais uma boa noite.

— Nem sempre um boquete é a solução! — Harry diz em tom alto enquanto observa o filho deixando o cômodo.

Assim que a porta bate, ambos trocaram olhares, um riso divertido toma forma nos lábios de Harry.

— Só no seu caso. — Ele cantarola, sentando na cintura de Louis novamente, dessa vez, não será interrompido.

-x-

— Eu não entendo por que eu não posso ter um celular! — Annalise ronda pela cozinha, seguindo os passos do pai que está ocupado em preparar o jantar.

Os dotes culinários de Louis podem terem sido aprimorados, ainda sim, o único prato que sabe fazer sem acompanhar uma receita, é macarrão com queijo. Mesmo que o congelado seja mais fácil, Harry sempre franze o cenho quando Louis compra. Sendo assim, sobra ao castanho preparar o prato. A panela do macarrão está derramando todo a água, fazendo a fumaça preencher a cozinha. Louis desliza o fogo rapidamente, tentando concentrar em fazer o jantar com a voz estridente de Annalise no pé de seu ouvido.

— Todas as meninas da minha sala tem! A professora disse que podemos fazer pesquisas nele. — Anna não costuma fazer birra, nem sequer pede coisas aos pais além do necessário. Seus presentes ficam apenas para as datas comemorativas, ele não entende o porquê dela querer tanto um celular neste momento.

— Você já tem um notebook para isso. — Louis intereompe o que está fazendo para encarar a filha e segurar seus ombros, notando o bico aborrecido formando nos lábios da menina. — Anna, o papai precisa fazer o jantar... Mas não consigo com você aqui.

— Ah, mas por que você está cozinhando? Não temos um jantar decente desde que nos mudamos, qual é a diferença? — A fala faz ocorrer lhe o pensamento de que a filha ainda esteja frustrada por ter deixado a França, talvez ela esteja tentando distrair a mente.

— O Tyler vai trazer um amigo dele para jantar conosco. — Louis assiste a filha cruzar os braços. — Conversamos sobre isso mais tarde.

— Isso não é justo! Vocês só dão atenção para as vontades do Tyler. — Após dizer a frase em alto e bom tom, Annalise deixa o cômodo pisando firme, fazendo questão dos passos ecoarem pela casa.

Louis encara a menina caminhando para longe, ele franze o cenho para o mau comportamento de Annalise, no geral ela é a mais calma das crianças. Por mais que queira conversar com a garota para saber o que a afringe, ainda há muito o que fazer.

— Alicia está dormindo, façam silêncio! — A voz de Harry se faz presente, ele desce a escada rapidamente enquanto procura por Annalise, pronto para lhe dar uma boa bronca por ter gritado. Ele não está de bom humor, sua cabeça doeu durante todo o dia e os gritos de Anna soam como badalas em sua mente.

— Ela não vai nem ao menos jantar? — A frustração de Louis é evidente, afinal ele está se esforçando.

— Alicia ainda é afetada pelo fuso. — Harry nega, balançando os ombros. O cacheado espreita as panelas, parecendo curioso. — Não quer ajuda?

Louis nega, encarando o esposo pelo canto dos olhos.
— Irá ajudar se você conversar com a Anna, ela está obcecada com a ideia de ter um celular.

Antes que Harry possa contestar, sua atenção é ganha pelo som de chaves. Logo, Tyler adentra na casa acompanhado de outro rapz. O menino segura animado uma bola de futebol americano enquanto conversa com o amigo, este caminha de forma tímida pela casa, mantendo as mãos no bolso e a cabeça baixa. Tyler caminha para atrás, focando em conversar com o amigo a sua frente, segurando a bola em baixo do braço.

— Pai, olha o que o Jason me deu! — Assim que percebe estar na cozinha, o garoto caminha animado até Louis. — Não é como se eu fosse entrar pro time de futebol americano, mas o Jason está e eles tem várias dessas.

Harry cumprimenta o rapaz brevemente, encantado com a postura retraída do mesmo. Jason veste uma camiseta escondida pela jaqueta, seus cabelos castanho estão penteados para atrás e ele tem sobrancelhas escuras e proeminentes em seu rosto, o resto de seus traços são delicados. Assim como Tyler, também é alto e esguio. Nervoso com a situação, o rapaz morde os lábios impiedosamente. Ao notar o quão tenso o menino está, Harry assume outra postura, tentando deixar o rapaz confortável, tocando em seu ombro antes de abrir um sorriso amistoso. De longe, Louis analisa os detalhes da bola que o filho deixou em seu mão, parecia ser couro legítimo.

— Então você joga o bom e velho futebol americano... — O castanho afirma enquanto segura a peça em mãos, sentindo o relevo dos detalhes. Ele estende a bola em direção ao rapaz, avisando sobre o arremesso que está prestes a fazer.

— Touchdown. — O menino pega a bolsa no ar com a agilidade, sorrindo minimamente pela brincadeira. Ele corrige a postura, devolvendo a peça para Tyler.

— Sentem rapazes, logo o jantar estará pronto. Louis está preparando macarrão com queijo, especialidade da casa. — Harry ainda está ao lado de Jason, é o que ele queria dizer quando se aproximou do garoto. — Fique a vontade, Jason.

— Na verdade, não vamos esperar pelo jantar. — Tyler coça a nuca, sua fala é dita de forma cautelosa, já sabendo qual será a reação dos pais.

— É sério? Mas eu fiz especialmente para vocês. — A feição de Louis muda drasticamente, assumindo uma expressão desapontada. — Quero dizer, é o seu prato preferido.

— O Jason quer comer tacos, então... — Tyler rodopia nos pés, caminhando em direção à escada, parando no segundo degrau. — Eu vou apenas trocar de roupa, será rápido.

Louis concorda em silêncio, passando a mexer o molho de forma irritadiça, deixando a mistura esparramar pelas bordas.

— Já que será rápido, o seu amigo pode esperar conosco... — A voz trêmula de Harry chama a atenção de Louis.

Pelo canto dos olhos o castanho pode ver que Jason agora está parado aos pés da escada, prestes a subir para seguir Tyler. O garoto recua em silêncio, tropeçando nos próprios pés.

— Você tem uma moto, não é? — Evitando aumentar a tensão do ambienta, o cacheado tenta puxar assunto com o rapaz. Os olhos escuros de Jason arregalam em surpresa, definitivamente não estava esperando por uma pergunta. — Eu nunca tive uma.

— O meu pai comprou para mim. — Ele diz exasperado, atropelando as palavras. — Foi um presente adiantado.

Em passos delicados e cautelosos, surge Annalise. A menina tem uma postura determinada, pronta para argumentar com os pais. Ela aponta o dedo indicador, parando em frente ao pai.

— Por falar em presente... — Por mais delicada e suave que a voz da menina seja, ela diz com determinação, suas sobrancelhas até mesmo estão franzidas. — Eu quero um celular no natal... Pelo menos um Ipad.

A fala da menina passa despercebida por Louis, em razão de estar inteiramente focado em preparar o jantar. Harry analisa a postura da filha com um olhar rígido, suspirando cansado pelo comportamento da mesma. Antes que ele pudesse contestar ou dar uma bronca, a voz rouca de Jason o interrompe.

— Você quer um celular? — Annalise arregala os olhos, surpreendida em ter outra pessoa presente. Ela recua alguns passos, notando o rapaz sentado na cadeira ao redor da mesa, o mesmo lhe dá um pequeno aceno. — Legal... Na verdade eu estou vendendo o meu antigo.

— E quem é você? — Anna checa a fisionomia do rapaz, franzindo o cenho para o completo estranho em sua cozinha.

— Amigo do Tyler. — Harry sussura. — Jason.

Um sorriso espreita nos lábios de Annalise, ela caminha com interesse até o rapaz.
— Seu nome é Jason mesmo? Igual ao vilão de sexta-feira treze?

— Não fale esse tipo de coisas perto dos seus pais, eles vão pensar que eu matei pessoas. — Ele joga uma piscadela para a menina.

— Legal. — Annalise prende uma mecha atrás da orelha, encantada com o rapaz. — Você está nos esportes?

Jason solta um riso nasalado, ele procura ao redor pelo presente que deu para Tyler, murchando o sorriso ao perceber que havia sido levado.

— O seu irmão me perguntou a mesma coisa. Eu jogo futebol americano. — Ele gesticula como se estivesse arremessando.

— Você pode me ensinar? — Os olhos brilhantes de Annalise pressionam o pobre rapaz a sua frente, ela sorri animada com o próprio pensamento.

Harry observa a cena de longe, nem sequer havia notado quando cruzou os braços em frente ao corpo. O som de passos apressados o faz olhar meramente para o lado, notando Tyler descendo os degraus com velocidade, os passos apressados o faz tropeçar quando alcança o chão, fazendo seu sapato chiar contra o piso. O garoto empurra o corpo de Annalise, a menina guincha após cambalear.

— Certo, podemos ir. — Ele encara a irmã pelo canto do olhos, franzindo as sobrancelhas para a feição irritada da menina. Anna retribui o gesto, empurrando o corpo do irmão para obter passagem e conseguir fugir dali.

O menino acena brevemente ao pais antes de deixar a casa em passos saltitantes, o som da porta batendo faz os ombros de Harry estremecerem. Quando não há nenhum outro som além da televisão abandonada na sala, o cacheado usa o cotovelo para cutucar as costelas de Louis, fazendo o corpo do esposo sobressair. Pego de surpresa, o castanho acaba encostando o dedo contra a penela quente, o que lhe rende uma queimadura. Ele guincha, levando o dedo ferido até os lábios, dando um olhar mortal para o marido.

— O que achou? — Harry acena, reprimindo o sorriso ao notar a expressão tediosa que tomou forma nos traços de Louis.

— Deixe-me ver... — O castanho finge divagar. — Jaqueta de couro, cabelo banhado em gel penteado, cheirando a cigarro e com uma moto? Não preciso nem dizer o que eu achei, este garoto é uma má companhia para o nosso filho.

— Se fosse maior de idade, faria o meu tipo... Ele me deu até um certo frio na barriga. — Ignorando tudo o que foi dito pelo esposo, Harry balança os ombros. — Annalise também pareceu gostar dele.

— Tanto faz. — O castanho diz com falso desdém, voltando o foco para o fogão.

O incômodo de Louis é perceptível, seu pomo de adão subiu e desceu várias vezes em poucos segundos. Notando isso, Harry caminha até o esposo, lhe abraçando por atrás, deslizando os braços pelo tronco do esposo.

— Pare de ser tão enciumado. — O cacheado aproveita a posição para morder o lóbulo da orelha de Louis.

...

O passar do dias contribui de forma negativa para a ansiedade de Harry, não houve nenhuma resposta após sua entrevista na faculdade. Todas as manhãs ele verifica o email, deslizando o dedo pela tela milhares de vezes para atualizar a caixa de entrada, após sete dias terem passado, suas esperanças foram reduzidas a pó. Seu desapontamento é evidente, conseguir a vaga significava muito. O cuidado de Louis tornou-se ainda mais importante, no café dessa manhã, ele abraçou o esposo por longos minutos, inalando o cheiro bom de seus cabelos antes de lhe dizer palavras positivas. Depois dessa sessão de afeto, um mero sorriso brotou nos lábios de Harry enquanto toma seu café de todas as manhãs. Estando devidamente acordado, ele investiu seu tempo em preparar um bom café da manhã para os filhos, há muitas caixas de cereais acumuladas em sua dispensa, o que não é um
bom hábito. Seus filhos são esperavam tanta disposição depois da suposta rejeição, levantando até mesmo uma certa suspeita.

— Não há nada que queira nos contar? — Annalise corta o omelete de forma cautelosa, encarando o pai por cima das sobrancelhas.

Harry balança os ombros.
— Apenas que eu os amo. E também não quero que cereal seja a sua primeira refeição do dia.

— O que aconteceu com o leite e o achocolatado? — Alicia deu um longo gole no suco sem notar o que havia em seu corpo, assim que sentiu o gosto azedo da fruta, uma careta tomou forma em seu rosto infantil. Ela estende a língua para fora em reflexo, espremendo os olhos. — Laranja é azedo.

— É fonte de proteína. — Harry cantarola. Enquanto a menina faz a refeição, ele aproveita do momento para colocar os fios do cabelo de Alicia dentro do penteado, há muito esforço depositado nesse coque.

— O Ty disse que se eu continuar usando coques todos os dias... Vou ficar com a cabeça achatada. — Alicia leva as mãos pequenas até a cabeça, tateando pelo couro cabeludo até achar o amontado de cabelos presos no coque.

— Tyler. — A voz de Louis soa como um aviso, ele caminha pela cozinha segurando sua caneca em mãos, servindo-lhe mas uma vez uma boa quantia de chá.  — Um garoto ocupado como você não deveria ter tempo para aterrorizar crianças.

A fala do pai faz o garoto rolar os olhos, ele está concentrado apenas em distribuir manteiga em sua fatia de pão, se frustrando ao notar que a mesma está dura como pedra.

— Que porra. — Ele deixa a faca cair no prato, o que lhe causa uma pequeno corte no dedo indicador. — Hoje não é o meu dia.

— Sem palavrões, está bem? — Louis adverte novamente, puxando uma cadeira ao lado do rapaz. O celular de seu bolso vibra, fazendo-o colocar o aparelho contra a mesa para verificar o que está acontecendo.

— Não deveríamos ter celulares na mesa também. — Annalise semicerra o olhar para o pai, ainda magoada em não ter um aparelho similar.

— Eu sei. — Louis nota a face desafiadora da filha, suspirando cansado antes de entregar o aparelho para o esposo, ainda não há forças para inciar uma discussão com a filha. Os argumentos de Anna sempre o coloca contra a parede, o que lhe requer muita paciência. — É o seu celular, peguei por engano.

O aparelho passa para as mãos de Harry, franze as sobrancelhas ao ler a mensagem mostrada na tela.

— Minha mãe está perguntando se estamos bem, que estranho... Falei com ela recentemente. — Apesar de muito amorosa, Anne não costuma trocae mensagens rotineiras com os filhos, ela alega não ter tempo para o celular, preferindo gastar energias lendo livros e fazendo crochê. Enquanto responde a mensagem, o cacheado caminha para longe, entretido na conversa.

— Sonhei com você essa noite. — Annalise acotovela o braço do irmão, fazendo o garoto derramar seu suco. Ao ver o líquido respingando em seu uniforme, Tyler resumunga para a irmã, lançando lhe um olhar mortal. A feição da menina muda drasticamente, assumindo um rosto mau humorado. — Está bem, nervosinho... Eu não te conto o que sonhei.

— Quanto mais silêncio, melhor. — O menino levanta, empurrando seu prato para frente, sequer havia tocado no omelete. — Agora tenho que trocar a camiseta.

Antes que Tyler possa prolongar seu drama, um chiado vindo do exterior da casa faz todos presentes franzirem as sobrancelhas, ficando em silêncio por alguns segundos para entederem que raios de barulho foi esse. Logo, surge Harry em passos exasperados, segurando um papel em mãos, há tanta força depositada em segurar a carata, que está amassando as bordas. Ele joga o papel contra a mesa, encarando a feição confusa do esposo.

— Eu passei! — Após as palavras fazerem sentido na mente de Louis, o castanho pega o papel em mãos, deslizando seus olhos por cada linha, fazendo um sorriso surgir em seu rosto gradativamente. Ele levanta atrapalhado, chocando os joelhos contra a mesa. — Eu estava conversando com a minha mãe, quando decidi verificar a caixa de correspondência... A faculdade enviou a resposta por carta.

— Nem fudendo. — Tyler corre em direção ao pai, tomando o papel em mãos para definir sua veracidade com os próprios olhos. — Quem ainda envia cartas? Isso foi tão antiquado, vai mesmo trabalhar em um lugar assim?

— É claro! — Louis exaspera, ignorando o fato da pergunta não ter sido direcionada a ele. — Está vendo? Eu disse! Eles te amaram, eu tenho certeza.

— O que diz na carta? — Annalise espreita, esticando o pescoço para enxergar o papel. — Você sabe o que é isso, Lilie? É uma carta.

— Eu sei. — Os dedos minúsculos de Alicia puxam a borda do papel, o arrastando para mais perto. — Lê para mim, por favor?

— Não é uma história, filha... — Harry chia, franzindo as sobrancelhas piedosamente para a garotinha.

— Nós temos que comemorar! Vamos para um desses bares onde os universitários frequentam, antes que eles virem seus alunos devidamente. — A animação de Louis é palpável.

— Caso queiram saber, o meu sonho era parar de estudar no fundamental. — Tyler retorna para a cozinha em passos arrastados, aterrorizado pela ideia de ir para a faculdade. — Vamos logo para a escola, antes que eu desista.

Harry encerra sua manhã com um sorriso no rosto e o peito espandido em felicidade, há tanta ansiedade em seu corpo pelo o que virá pela frente, que ele até mesmo se sente enjoado.

...

Não é fácil, mas também não será impossível. É o que Harry pensa quando termina sua primeira semana no serviço novo. Todos aqueles olhos curiosos lhe encarando, anotando a cada ideia que ele escrevia na lousa, lhe causa uma certa ansiedade no final do dia. Afinal, é como reviver a experiência da faculdade, ele também é um novato nisso. A sala de aula é quieta, seus ouvidos quase reclamam quando ele volta para sua casa, onde sempre há muito barulho e distintas informações acontecendo. Não há nada em seu caminho quando ele chega, no entanto, após tomar um banho e descer as escadas, a primeira pessoa que vê é Annalise, mexendo os polegares ferozmente contra uma tela de celular. Ele franze o cenho, tomando o aparelho das mãos da menina em um gesto agil, assustando a garota que tinha sua atenção presa no aparelho.

— É meu! — Ela guincha, franzindo os lábios em chateação. — O papai finalmente me dá um celular e você o toma? Isso não é justo!

Harry escova o interior da bochecha com a língua, ele não havia sido avisado sobre a decisão de dar um celular para Anna. Apesar de hesitante, ele devolve o celular para a menina, lançando lhe um olhar autoritário.

— Não pense que não irá ter supervisão.

Anna concorda com veemência, ansiosa para poder aproveitar do aparelho novamente. Ela o preende em mãos, retribuindo o olhar fechado do pai com um sorriso meigo. A cabeça de Harry está começando a doer, seu corpo até mesmo arrepiar quando a voz jovial de Tyler soa perto de seus ouvidos. O rapaz caminha pela casa enquanto conversa com alguém por ligação, suas sobrancelhas estão franzidas e sua voz mais grossa do que o normal. Como Harry não quer atrapalhar sua discussão, ele apenas segura gentilmente o corpo do filho para obter passagem. Caminhando em direção à cozinha, onde há uma caixa de primeiros socorros com os analgésicos que ele precisa.

— Você está pronunciando errado, bebê. — Aparentemente, Louis está ajudando Alicia em uma de suas lições da escola. Harry não pode deixar de notar o olhar preocupado no rosto do marido, logo soube que havia algo fora do comum.

— Tudo certo? — Ele beija a testa da filha, a menina abraça seu pescoço, se pendurando no corpo de Harry.

— A professora da Lilie conversou comigo hoje. — O castanho desliza a palma da mão pelo rosto, suspirando cansado em seguida. Harry apenas ajusta o corpo pesado da filha em seu colo, piscando atônito enquanto assiste o esposo. — Alicia não está lidando bem com as aulas, está tendo muita dificuldade em falar a língua nativa, embaralhando as palavras... Ficou de recuperação. Eu não sei, acho melhor procurarmos por uma fonoaudióloga.

Até então, Harry não via nada além de fofura quando a filha misturava os idiomas e fazia um biquinho para terminar as sentenças. Ele notou a demora de Alicia para se adaptar aos diálogos fora de casa, mas não imaginou que a escola seria um problema.

— A professora me enviou alguns materiais para treinar a pronúncia, mas ela está puxando tudo para o francês! — Louis continua, puxando um dos papéis da mesa para mostrar o conteúdo ao esposo.

— Não achei que isso seria um problema quando nos mudamos. — Harry encara as bochechas vermelhas da filha, sorrindo para a feição sonolenta da menina. — Alicia, você consegue ficar acordada até o jantar?

A menina concorda, balançando a cabeça.

— Vou procurar indicações com alguém. — Harry coloca a filha no chão novamente, o que a faz soltar murmúrios chorosos por perder o colo.

— Eu dei um celular para a Anna. — Louis sibila. — Precisava dela ocupada para ter um tempo com a Alicia.

— Notei. — Harry arregala os olhos, decidindo não tocar no assunto.

— E como foi a sua semana como calouro?

— Bom... Na verdade, é quase como ter a experiência da faculdade de novo. — Tyler adentra a cozinha, abrindo a geladeira de forma desleixada. Harry o assiste com o canto dos olhos, percebendo a breve irritação do filho. — Mas dessa vez eu não tenho que cuidar de um pirralho mau humorado.

O menino rola os olhos, notando a provocação do pai. Ele decide ignorar, pegando um sanduíche de atum para mais tarde e uma garrada de água, a qual ele leva até os lábios para dar um longo gole.

— Quem era no telefone? — Louis não consegue evitar a curiosidade.

— Um idiota. — O menino limpa o acúmulo de água nos lábios com a barra da blusa. — Você chegou agora do seu novo serviço?

Harry assente, franzindo meramente o nariz para o cheiro que o sanduiche de Tyler exala. Ele sempre gostou de peixes e iguarias marinhas, mas sempre odiou o cheiro. E nesse momento, mesmo estando longe do sanduíche de atum, ele já sente nauseado.

— Você pode dizer ao Jason que eu disse oi? — Anna também surge, provocando o irmão. A presença da menina distrai os pensamentos de Harry, afastando o aperto em sua garganta.

Antes que um dos pais pudessem repreender a atitude da filha, Tyler solta um riso sarcástico, decidino retribuir na mesma medida.

— Ei Anna, sabia que o papai não vai poder ir na sua apresentação de teatro? E também não vai ao meu jogo de sexta e nem as apresentações de balé. — Dito isso, Tyler deixa a cozinha.

— Como é? — A menina franze as sobrancelhas, caminhando até o pai em passos apressados.

Harry suspira, deslizando os dedos por sua franja. Ele encara a filha, que já mostra uma feição chateada nos rosto.
— Quando vai ser a sua apresentação?

— No final do mês, as oito.

— Eu tenho aula até esse horário, amor. — Ele gesticula.

Percebendo o que está acontecendo, Louis tenta acalmar os ânimos da filha.
— Mas o seu pai pode tentar sair alguns minutos mais cedo, hum? Ou então, chegar um pouquinho atrasado, não tem problema.

Anna sente os dedos de Louis acariciando seu antebraço, seus olhos caem na região em que o pai toca.

— Eu estou me esforçando bastante. — Ela afasta o corpo. estendendo o dedo indicador para ambos os pais. — E gostaria que vocês dois dessem a devida importância...

— Meu amor, nós sabemos. — Harry prende uma das mechas do cabelo de Anna atrás da orelha, fazendo a menina lhe encarar nos olhos.  — Não se preocupe, okay?

— É por isso que você deu o celular?

— Você estava me enchendo o saco! — Louis torce os lábios.

Annalise balança a cabeça insatisfeita, saindo de perto dos pais pisando forte. Seu braço acaba por acertar a cabeça de Alicia, não fora intencional... Ainda sim, a pequena guinchou pelo impacto, murmurando uma série de palavras francesas mau educadas para a irmã. Alicia leva uma das mãos até a testa, onde havia sido golpeada. Por mais que queira rir para a feição fechada da caçula, Louis contém o sorriso, pegando a menina no colo para acariciar o local machucado. Do fundo da casa, ecoa um grito masculino. Se tratando de Tyler, brigando com a Anna por qualquer motivo.

— Bem vindo de volta. — Louis diz antes de levantar, indo apartar a briga que ele nem ao menos sabe onde está acontecendo.

Harry pousa a mão no queixo, suspirando cansado para tudo que já havia enfrentado em um único dia. Pelo canto dos olhos, ele supervisiona Alicia, que faz esforço para subir em uma das cadeiras ao redor a mesa. Ela bate as palmas das mãos contra a mesa, feliz por ter conseguido chegar até ali sozinha. Ao perceber estar sendo encarada pelo pai, sua postura muda drasticamente.

— Annalise malvada. — Um bico toma forma em seus lábios.

— Vamos dormir, minha garota francesa. — A boca franzida da pequena quebra a carranca no rosto de Harry, ele agarra a filha pela cintura, subindo as escadas enquanto a segura nos braços. Afinal, uma boa noite de sono é tudo que precisa para afastar sua dor de cabeça.

-x-

A típica cena de todas as manhãs, onde Harry recita todos os afazares do dia em frente à mesa, enquanto todos tomam seu café da manhã, é recriada por Annalise. Hoje é o dia de sua peça e ela está animada além do que deveria, esperando sorrateiramente todos acordarem para ela dissertar sobre. Ela inspira mais uma vez antes de responder outra perguntar provocativa de Tyler, retrucando com os olhos arregalados e voz alterada. Annalise já repassou uma série de informações e ditou um monte de coisa, as quais Harry não deu atenção pelo cansaço excessivo que sente no momento. Foi preciso mais de uma xícara de café para lhe manter desperto durante o discurso da filha, tanta cafeína piorou o enjoo matinal que está sentindo desde que acordou. No final, foi bom Anna ter tomado as rédeas da situação quando Harry está tão indisposto.

— Todos devem estar lá as oito. No entanto, eu preciso de uma carona as cinco, para começar os preparativos na escola... O papai pode me levar quando for buscar a Lilie no balé. — Anna gesticula paciente, levando as mãos em frente ao corpo.

— Eu também tenho treino hoje. — Tyler diz com a boca cheia de cereal.

— Volte para a casa andando, já será um exercício! — Annalise exaspera, seu irmão já havia lhe interrom antes. — Isso não é problema meu, eu organizei o dia todo com base nos meus horários.

A garota é expressiva desde nova, sempre usando as mãos em seus gestos e maleando as sobrancelhas. Em algum momento, o olhar de Louis caiu sobre as unhas decoradas da filha, notando ser a primeira vez em que Anna usa esmaltes.

— O que houve com a sua unha? — Ele pergunta.

— É para a caracterização. — A resposta da menina faz Louis coçar a nuca, as unhas parecem grandes demais para uma menininha. — Não me olhe assim, são postiças! Vou tirar depois da peça.

Sem entender o tipo de dinâmica que está acontecendo ao seu redor, Alicia levanta a mão, como se esperasse a autorização para perguntar algo.

— Lizie, o meu soninho é nove horas... — Alicia deita a cabeça na mesa, franzindo os lábios em um bico chateado. — É quase depois das oito!

— Você pode dormir no meu colo. — Harry enrola os dedos em uma das madeixas onduladas do cabelo da filha, a menina sorri largo para a resposta.

— Você vai ser uma bruxa. — Alicia gargalha.

— Nada além do que ela já está acostumada a ser. — Tyler cantarola, a provocação lhe rende uma acotovelada discreta dada por Louis, que acerta suas costelas. Ele está provocando a irmã além do aceitável.

— É para estarem na plateia às oito horas. Nenhum minuto depois disso. — Annalise franze os lábios, formando um bico. — Se demorarem muito, o segurança da escola fecha o ginásio e não deixa vocês entrarem!

No fundo, Harry entende que a filha só está fazendo isso por temer que ele não vá. O pensamento aquece seu coração, o que o motiva para levantar e plantar um beijo no couro cabeludo de Anna.

— Eu papai vai estar lá no horário que você quiser, está bem?

A menina assente, fechando os lábios. Ela pisca por alguns segundos, assistindo a sombra do pai se afastar.

— Mais uma coisa... — Anna torce os lábios, fechando meramente um dos olhos para o pedido. — Eu demoro muito para ficar verde, acho que vou ter que fazer isso aqui... E acabei não comprando outra tinta além daquela.

— Annalise! — Louis exclama. — Eu demorei um dia para tirar toda a tinta verde do banheiro... A neném precisou tomar dois banhos para tirar a tintura do corpo! E você também ficou igual ao yoda durante um bom tempo.

— Filha... — Harry clama, já pensando em como o acento do carro irá adquirir outra coloração.

— O que há? Deixem a Anna ficar verde pelo resto da semana, depois apenas enrolamos. — Tyler diz em meio aos risos, já imaginando a bronca que levaria a seguir.

— O quê... — Anna franze as sobrancelhas.

— Certo, é hora de irem para a escola. — Harry ordena, empurrando levemente os ombros da filha para a incentivar, fazendo a menina caminhar até a porta em passos arrastados. Quando passa por Tyler, o mais velho lança um olhar semicerrado ao garoto, sussurando ao chegar perto. — É por essa e várias outras razões que você está de castigo.

— Eu não pude evitar! — O menino exclama, balançando os ombros antes de pegar a mochila e caminhar até a garagem em passos saltitantes.

Harry entreolha o esposo pelo canto dos olhos, balançando a cabeça descrente ao perceber que Louis reprime um sorriso em seus lábios enquanto ajuda Alicia a deixar a mesa.

-x-

Tal como prometido, Harry cumpriu metade de seu horário hoje para comparecer pontualmente na peça da filha. Já estava em casa antes mesmo de Annalise ir até a escola para começar os preparativos da peça. Inclusive, ele agredeceu internamente ao notar que não havia nenhuma tintura suspeita cobrindo o corpo de sua filha, suspirando aliviado quando viu de relance a menina entrar no carro de Louis. Aproveitando o silêncio de sua casa, sem três de seus moradores mais barulhentos, ele sobe para tomar um longo banho, perdendo alguns minutos nisso. Ao espreitar a porta de seu quarto, um sorriso brota nos lábios de Harry assim que nota a casa ainda está vazia. Sendo assim, não poderia perder a oportunidade de ler seu livro preferido enquanto descansa em sua confortável cama. Os poucos minutos de paz e silêncio foram interrompidos por Tyler, que surgiu em sua porta perguntando qual roupa seria adequada para uma peça de teatro infantil. Harry franze os lábios assim que escuta a voz do menino, desfazendo a carranca em seguida para dar atenção ao filho mais velho... Ao menos, ele está preocupado com sua aparência, é o que Harry pensa.

Após muita insistência da parte de Tyler, que pediu para que o pai lhe emprestasse uma de suas camisetas preferidas, Harry cede e permite com que o garoto explore suas peças de roupa. Ele aproveita o momento para continuar a leitura, lendo uma ou duas páginas enquanto o filho está focado em encontrar uma camiseta que lhe caia bem.

— Como são os universitários? — Tyler pergunta casualmente, seus dedos estão ocupados em abotoar a porção de botões da camiseta social, sua atenção está focada nisso, portanto ele sequer olha de relance para o pai.

— Pessoas comuns... — O interesse repentino do garoto na vida dentro do campus instiga Harry a abandonar o livro. Seu peito infla pensando em como Tyler seria no lugar de seus alunos, a ideia lhe traz uma série de pensamentos divertidos. — Você irá gostar, definitivamente.

— Ao menos, agora você tem uma experiência completa. — Quando termina todos os botões, o garoto estende os braços e rodopia nos próprios pés, encarando sua figura no espelho.

— Eu tive uma experiência completa, você não me atrapalhou nisso. — Harry cantarola, deixando outro bocejo escapar de seus lábios. — Como está indo com os treinos?

— Ótimo, no geral. — Tyler retira a camiseta, dobrando a peça cuidadosamente para deixá-la no pé da cama, ele senta ao lado da roupa. — O treinador está enchendo menos o meu saco, eu acho... Ele é estranho. Não se preocupe, eu ando por ai com um spray de pimenta na bolsa, não hesitarei ao menor sinal de um pedófilo.

O pai dá um sorriso fechado ao filho, Harry já está começando a se afetar pelo sono repentino. E Tyler, não para de falar um segundo sequer, ele apenas divaga sobre seus treinos e apesar de parecer o contrário, muita coisa pode acontecer dentro do futebol. Ainda que Harry goste de ouvir seu menino falar por horas e horas, seus olhos foram fechando ao pouco, não demorou até pegar no sono. Só acordou quando ouviu os passos de Louis caminhando pelo quarto, também havia os murmúrios contentes de Alicia pelos corredores.

— Vocês estão dormindo? Annalise irá matar vocês quando descobrir. — Ele pergunta espantado ao se deparar com o esposo e o filho dormindo serenamente. — Estamos atrasados!

Harry coça os olhos, sentando-se na beira do colchão. De fato, havia se passado mais de uma hora e meia, a peça de Anna começaria em breve.

— Só chegou agora? — Ele pergunta a Louis.

— Eu cheguei, preparei um lanche para Alicia e depois lhe dei banho... Ao menos, ela já está pronta. — O cacheado ergue as sobrancelhas para a fala de Louis, sequer havia escutado o carro chegando ou o som de alguém abrindo a porta. — Por que está dormindo a esse horário?

O cacheado balança os ombros, espreguiçando o corpo em seguida. Seus olhos recaem sobre Tyler, que também está adormecido na cama. Conhecendo o filho como a palma de sua mão, Harry presume que o garoto havia adormecido enquanto divagava sobre seu dia. Desde menino, ele sempre adormecia fácil quando conversava com alguém até pegar no sono. Este pensamento lhe traz lembranças boas sobre a infância do filho, o que o faz acariciar os cabelos sedosos de Tyler enquanto assiste o menino dormir por alguns segundos, sabendo que logo precisaria despertar o garoto de seu sono. Algumas lembranças intrusivas também chegam em sua mente, relembrando a si mesmo de como ele ficou enjoado e sonolento durante a gravidez de Tyler. Como era um adolescente na época, sequer percebeu do que os sintomas se tratavam.

— Está se sentindo bem? — Louis ainda estão no quarto, recolhendo a bagunça que Tyler havia feito com as camisetas espalhadas pelo chão.

— Estive um pouco enjoado durante essa semama. — A frase de Harry não é uma resposta para a pergunta do esposo, soando mais como uma afirmação para si mesmo. Ele leva uma das mãos trêmulas até o pescoço, contendo a ânsia que sobe por sua garganta. — Eu preciso de um banho frio para acordar.

Louis assiste o esposo caminhar até o banheiro do quarto, ignorando sua feição absorta e pele pálida. Como Tyler ainda estão adormecido, ele chuta os joelhos do garoto, o que o acorda em um susto. O adolescente encara o pai com olhos arregalados e peito ofegante.

— A peça de teatro da sua irmã! Vá se arrumar. — Louis sibila.

Quando o relógio beira as oitas horas, é o momento em que todos entendem estarem de fato, atrasados. Alicia corre em direção ao carro, segurando um de seus coelhos de pelúcia, ela está realmente preocupada em ser pontual. Harry desce as escadas apressado, agradecendo internamente ao notar que Louis ainda está em casa. Ele procura pela chave da garagem, mexendo em todos os ítens da decoração.

— Louis. — Harry sussura. — Você pode inventar alguma desculpa para ganhar tempo com as crianças? Precisamos conversar.

— Precisa ser agora? Estamos atrasados! — O castanho lhe lança um olhar alarmante.

O outro evita responder, cruzando os braços em frente ao corpo e inflando as narizas para a pergunta do esposo. Louis rola os olhos, decidindo fazer o que lhe foi pedido.

— Tyler. — Ele chama pelo nome do filho, que desce as escadas assobiando contente. — Você pode tirar o carro da garagem para mim? E cuidado com a sua irmã.

Como o garoto já havia feito isso outras vezes, ele aceita facilmente, roubando as chaves do pai e caminhando em passos afobados para a garagem da casa. Quando estão a sós novamente, Louis vira-se para o esposo, lhe dando abertura para dizer seja lá o quê. Harry batuca os dedos contra o antebraço, olhando para os olhos azulados do esposo, ponderando o que dizer e quais palavras usar. Louis lança um olhar impaciente, erguendo as sobrancelhas para o marido, o incentivando a falar de uma vez.

— Eu acho que posso estar grávido? — O cacheado leva uma mão até o pescoço, torcendo os lábios para dizer. — Desculpe despejar isso em você dessa forma, mas tem algo estranho acontecendo.

Louis recosta contra a parede, cruzando os braços, tal como Harry.
— E porquê acha isso?

— Eu não sei se é apenas intuição... Mas tem algo me incomodando. — Harry esbraveja, beliscando as pontas dos dedos para aliviar o nervosismo. — E estou acordando enjoado todas as manhãs! E também tem essa dor no pé da barriga, como se fosse uma cólica insistente e todo esse sono... É como nas outras vezes. Fora outros detalhes que parecem fazer sentido agora.

O castanho escuta atentaemmte, tomando um tempo em silêncio antes de responder.
— E quanto ao seus remédios e toda aquele papo de não precisar de preservativos? — Ele gesticula.

Talvez a culpa recaía sobre Harry.
— Eu não sou muito pontual com esse remédios. — Sua fala é hesitante, como se estivesse andando em pedaços de vidros. A resposta faz Louis revirar claramente os olhos, o que causa uma leve irritação nos hormônios alterados de Harry. — Não me olhe assim! Você mesmo disse há pouco tempo que gostaria de ter outro filho.

— Sim! — Louis arregala os olhos. — No entanto, agora que você diz isso, soa assustador! Nós temos um adolescente querendo dirigir um carro, uma menina que está disposta a nos matar se não estivermos na escola dela em quinze minutos e uma criança que mistura dois idiomas para falar... Já é muita coisa!

Apesar de concorda, ele ainda quer gritar com o esposo por ter essa reação.
— Talvez seja apenas o estresse do serviço novo. — Harry deduz, balançando a cabeça descrente.

O som estridente de uma buzina sendo disparada atrapalha a conversa, fazendo ambos pausarem suas falas, barulho é seguido por um grito infantil com sotaque francês. O casal estava tão entretido na conversa que esqueceram dos filhos esperando na garagem. Um suspiro escapa dos lábios de Louis, que caminha até o esposo para segurar seu belo rosto com as mãos.

— Seja lá o que for, vamos lidar com isso da melhor maneira que pudermos, hum? — Ele pousa o polegar o queixo de Harry, que assente obediente a frase dita por Louis.

— Acho que não é para tanto, deve ser apenas nervosismo... Muita coisa aconteceu desde a nossa viagem. — O cacheado pondera, relembrando todos os acontecimentos desde que voltou para sua terra natal. Outra buzina é acionado, fazendo Harry semicerrar os olhos.

Louis sorri para a expressão facial do esposo, dando um beijo casto em seus lábios.

— Veremos isso quando chegarmos em casa, está bem? — Ele entrelaça os dedos com o do esposo, o puxando levemente para a porta, caminhando juntos até a garagem.

...

Espero que tenham gostado, coloquei muito carinho e dedicação nesse capítulo! Lembrando que também tem um capítulo extra logo após esse, sobre o passado do Louis e do Harry dessa fic <3 então, não sintam saudades ainda!

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