c a p í t u l o 1 8

Depuis le début
                                    

— Aquela desgraçada. — Minha avó resmunga e dou meio sorriso.

— Vivi mais anos do que posso contar sendo jogada de um lado pro outro e quando cheguei aqui, vi uma realidade completamente diferente. Me senti sufocada por tudo isso.

— Você ainda se sente assim? — Gleene pergunta e dou ombros.

— Tem dias que não quero sair do quarto por medo de não conseguir suprir a expectativa de ser a única filha do Alex e acabar deixando vocês magoados a ponto de me colocarem pra fora daqui. Também tem os dias em que só quero ouvir minha avó cantarolar fazendo o almoço ou sentar em silêncio vendo vovô ler algum livro, de rir até a barriga doer com Gleene e tio John. E como eu já disse, só consigo me sentir a pior pessoa do mundo por não saber lidar com isso tudo. — Confesso e diferente do que eu imaginava, sou embrulhada num abraço coletivo.

— Sabe qual a única expectativa que nos magoaria se você não cumprisse? — Vovô pergunta sério e nego secando as lágrimas dos meus olhos. — A expectativa que temos pra sua felicidade. Não queremos que você sofra mais do que já sofreu nessa vida, borboleta.

— Não queremos que você se force a ser uma continuação do seu pai porque você não é. A morte de Alex é irreparável e ninguém nunca vai ocupar o vazio que ele deixou; nem mesmo você será capaz disso e não tem problema, porque não é seu dever se tornar uma versão 2.0 do seu pai.  Você é uma pessoa com suas próprias ambições, desejos e sentimentos individuais que devem ser respeitados. — Minha avó fala e todos assentem em concordância. — Nos desculpe se agimos de forma demasiada confortável em relação a isso tudo, é que esperamos você por tanto tempo, Melanie. Foram aniversários, dias e noites, natais e passagens de ano sonhando com você aqui. Perdemos você por tanto tempo e agora queremos que você fique aqui pra sempre.

— Ou até quando se sentir confortável. — Gleene acrescenta e todos confirmam novamente.

— Eu tenho medo de não conseguir me adaptar com essa nova realidade. E se eu acordar amanhã e tudo isso não passar de um sonho ou um devaneio? Não quero mais me sentir desse jeito.

— Um sonho ou devaneio já teria acabado com os roncos do seu avô. — Tio John brinca e Gleene belisca a mão dele.

— Você precisa de tempo e espaço para assimilar tudo, não queremos te pressionar a nada. Tome o seu tempo e, acima de tudo, saiba que estamos aqui por você. Sempre.

— E se eu demorar uma vida inteira pra isso? — Pergunto me sentindo uma criança.

— Então temos uma vida inteira pra te esperar de braços abertos. — Meu avô diz com a voz embargada e me escondo em seu abraço chorando feito uma criança assustada.

Solto o ar como se tivesse prendido a respiração por dez anos quando vovó me abraça e mais uma vez estou embrulhada num mar de mãos e braços cheios de apoio, carinho e atenção; coisas que nunca me senti digna de receber. Aos poucos os choros diminuem e o abraço se desfaz deixando lugar para soluços, olhos vermelhos e a promessa de um recomeço regado a compreensão e acima de tudo, amor.  Quando anoitece o clima parece um pouco mais tranquilo após a sessão Tio John de piadas sem graça acompanhadas com suas risadas tossidas. Após o jantar com conversas aleatórias, Gleene se despede me dando um abraço sufocante e tio John aperta meu nariz antes de ir embora.

Meus avós estão na cozinha cochichando e vejo quando ele seca uma lágrima do rosto dela. Ela percebe minha presença e dá um sorriso triste, caminho até eles e ela passa a mão no meu cabelo.

— Estávamos conversando e acho que seria válido procurarmos um psicólogo, o que você acha? — Vovô pergunta e suspiro aliviada por não precisar tomar a iniciativa pra tocar nesse assunto.

— Acho ótimo. — Respondo sem pensar duas vezes e minha avó fica aparentemente menos tensa. — Estava conversando sobre isso com Iris há algumas semanas atrás, só não sabia como tocar nesse assunto.

— Vou pedir a John o número de algum psicólogo de confiança dele para fazermos terapia juntos e separados também, se isso não for problema pra você. — Vovô fala e decido interferir.

— Não seria melhor procurarmos por um psicólogo juntos? — Questiono e eles me olham com expectativa.

— É uma ideia válida. — Vovó fala e meu avô pondera a possibilidade.

— Posso pedir o número de alguns mas a escolha final vai ser tomada em família, tudo bem? — Vovô pergunta alternando seus olhares entre vovó e eu.

— Tudo. — Confirmo com um sorriso e quando termino de ajudá-los com a bagunça do jantar, dou boa noite e vou para o meu quarto tomar banho.


Não são nem 22h e já sinto meu corpo inteiro pedindo um bom banho e cama. Saio do banheiro enrolada numa toalha e mando uma verdadeira coletânea de áudios pra Iris contando tudo o que aconteceu essa noite. Ela responde com um emoji com cara de sono e dou risada. Niara me manda boa noite com flores e corações, respondo dizendo que estou com saudade e ela me responde de volta com mais flores e corações. Fiquei preocupada quando ela me disse que saiu da casa de Renée após tomar as dores de Geoff durante uma discussão. Quando termino de pentear meu cabelo vejo que Anne me mandou mensagem perguntando se podemos nos encontrar para almoçar amanhã. Confirmo e me sentindo cansada demais pra responder de volta a coletânea de áudios e emojis que Iris me mandou, me deito após colocar o celular no carregador e programar a tv pra desligar.

Como faz todas as noites desde que cheguei, vovó entra no quarto com passos de formiga de tão leves. Ela faz carinho no meu cabelo a antes de sair do meu quarto, ela me abraça mais uma vez dizendo o quanto me ama. Não demoro a dormir quando a sensação de alívio se instala por todo lugar ao perceber que pela primeira vez desde que cheguei, não sinto tanto medo ou confusão.

The Only Reason - HSOù les histoires vivent. Découvrez maintenant