c a p í t u l o 2 2

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—E como você pretende lidar com toda essa situação? — Meu psicólogo pergunta quando termino de contar tudo o que estou sentindo em relação à Harry. 

— Eu não faço a mínima ideia, achei que você pudesse me dar uma saída. Eu me sinto ameaçada, como se estivesse prestes a perder tudo o que eu construí com tanto zelo e carinho. — Falo secando meus olhos com um lenço de papel. — Só que enquanto meu coração sente tudo isso, na minha cabeça eu tenho total consciência de que eu não construí nada. 

— Você ter essa noção básica é um ótimo começo, Melanie. — Ele diz voltando a se sentar na minha frente. — Não posso te falar o que fazer, meu papel aqui é te ajudar a enxergar os problemas e te auxiliar a encontrar uma solução.

— E como eu vou sair dessa situação se tenho a impressão de que ultimamente tudo tem me levado até ele? Sinto como se estivesse nadando pra morrer na praia, perdendo meu tempo com algo que não vai me levar a nada. 

— Tem levado você até ele ou é você quem usa tudo como subterfúgio para ir até ele? — Dr. Mason pergunta e faço careta, em outras palavras, ele me questionou a mesma coisa que minha avó uns dias atrás. — Defina morrer na praia, você acha  que esse esforço tem sido em vão?

— Não sei. — Respondo com sinceridade. — Parece que meu mundo agora gira ao redor dele e isso é ridículo e completamente absurdo.

— Não pare ridículo ou absurdo para mim. Me arrisco a dizer que toda essa situação é compreensível. — Ele diz com calma e tenho a sensação que fui sacodida pelos ombros.

— Como? 

— Inconscientemente você o colocou como sua maior válvula de escape, você disse que o conheceu no meio de  um estágio para um curso. Estágio esse que acabou por conta de problemas com a sua mãe, certo?— Assinto e ele continua sua linha de raciocínio. —  Você já parou para pensar que em meio a tudo que acontecia dentro de casa, Harry e sua família que até então eram desconhecidos, se tornaram uma rota de fuga para tudo o que acontecia dentro da sua própria casa? 

— Já pensei nisso e até certo tempo achei que fosse esse o motivo da minha aproximação, mas já me afastei de tudo o que me fazia mal. Hoje eu estou morando com meus avós, tenho Tio John e Gleene por perto e estou cercada de amigos maravilhosos. Acho que acabei me apegando em Harry pelo o que eu conheci através dos olhos de quem convivia com ele.  — Falo e ele fica em silêncio com a expressão completamente neutra. — Eu só quero aprender a separar esse sentimento confuso do carinho que eu sinto pela mãe e irmã dele.

— Vamos por partes? —  Ele pergunta e eu assinto. —  Você viveu a sua vida inteira sob um teto  de acusações, críticas e abuso psicológico; acha que alguns meses longe disso é capaz de apagar todos esse anos? A resposta é não. Você ainda está visivelmente abalada e sensibilizada por tudo o que já passou.  

—  Nunca pensei por esse lado. —  Confesso com a voz falhando.

—  Então passe a se enxergar como vítima em recuperação, não culpada cumprindo sua pena. — Dr. Mason fala com tranquilidade e forço meus pés no chão para não sair correndo. — E sobre Harry e esse turbilhão de coisas que você sente em relação a ele, pensa comigo: você está há meses se dedicando a ele, convive com a família e amigos dele, só escuta coisas positivas sobre ele; qualquer um ficaria confuso com tudo isso.  E como eu já disse, esse seu apego à Harry é completamente compreensível, ao meu ver, esse carinho que você tem por ele beira ao sentimento de uma fã para com o seu ídolo e claro, na ideia de salvar alguém para redimir essa culpa que, mesmo inconscientemente, você ainda carrega pelo o que aconteceu com seu pai. — Meu psicólogo fala e preciso fechar a boca para não ficar parecendo uma idiota. — Toda essa situação que você foi e continua sendo exposta explicam a sua insegurança e medo de perdê-lo mesmo que ele nunca tenha visto o seu rosto.

— Mas e o ciúme e raiva que eu sinto desde que soube que ele tem uma namorada? Fico me sentindo suja e errada por não gostar dela. — Questiono ignorando a menção ao meu pai e recebo um sorriso quase paternal. 

— Todos nós tememos o desconhecido, e pelo o que você já me contou, essa namorada sugeriu que os aparelhos que mantinham Harry vivo fossem desligados, certo? — Balanço a cabeça confirmando e ele dá ombros. — Então está explicado, ela foi uma ameaça direta à existência dele e você tomou essa mágoa por ele, é completamente normal. Você está experimentando novas experiências e sentimentos, permita-se errar e, acima de tudo, sentir. Um dos primeiros passos para a auto aceitação que você tanto precisa é esse, não se cobre exaustivamente por situações corriqueiras.

— Eu tento não me cobrar o tempo todo mas parece que a voz dela me persegue. — Falo baixinho e me sinto envergonhada.

— Você está aprendendo a caminhar sem o peso de um passado que nunca que foi seu, é comum que alguns fantasmas surjam no meio do trajeto tentando te arrastar. — O silêncio é quebrado quando batem na porta, a nova recepcionista entra na sala e avisa que excedemos o tempo e o próximo paciente está esperando. 

Me despeço do meu psicólogo com o rosto vermelho de tanta vergonha e saio da sala. Me sento numa cadeira de espera e fico pensando nas palavras de Dr. Mason, suspiro aliviada quando me dou conta de que a cada sessão tem sido mais fácil externar a confusão que eu sinto. Espero a recepcionista desligar o telefone para agendar minha próxima sessão que será com meus avós e aguardo enquanto ela dá informações para alguém do outro lado da linha. Após marcar a próxima sessão, peço um carro de aplicativo e vou para casa. O céu parece ter ficado chateado com alguma coisa e tento não pensar em Anne na estrada com Gemma debaixo dessas nuvens pesadas. Converso com meus avós sobre o meu dia enquanto ajudo minha avó a descascar as batatas para o jantar. Aviso que já deixei marcada nossa próxima sessão juntos e após o jantar e um banho quase escaldante, me jogo na cama me sentindo psicologicamente cansada. Após o já rotineiro beijo de boa noite dos meus avós, me ajeito no meio dos meus travesseiros e dou o dia por encerrado.

Abro os olhos e acordo no susto quando meu celular toca bem debaixo da minha cabeça, desesperto em segundos quando percebo que é o som de emergência das mensagens de Anne. Em um compilado de mensagens por fim ela resume avisando que não vai conseguir voltar para cidade com Gemma por conta da chuva torrencial que não dá trégua em Londres, por suas mensagens quase consigo sentir a tristeza em suas palavras e dou graças aos céus por não ter ninguém no meu quarto. Não consigo controlar minhas emoções quando ela me pede para passar a noite com Harry porque amanhã é seu aniversário e ela não quer que ele fique sozinho. Respondo sua mensagem e contrariando tudo o que eu coloquei na minha cabeça mais cedo, me visto com pressa e desço a escada chamando um carro de aplicativo em direção ao KSH. Meus avós estão dormindo então deixo um bilhete na geladeira avisando que precisei sair e que estou bem e o celular está ligado.

Vanessa está na recepção mastigando chiclete quando chego para pegar meu adesivo de acompanhante. Mesmo que seja absolutamente errado, ser sobrinha do amigo de faculdade do diretor do hospital me dá algumas regalias e prefiro fingir que isso não me incomoda enquanto não afete ninguém. Entro no quarto de Harry e me aproximo da cama devagar, puxo minha quase inseparável cadeira de plástico desconfortável e me sento. Fico em silêncio observando sua respiração e sorrio ao ver substituíram a máscara de oxigênio por uma cânula nasal. Seguro sua mão e como tenho feito há alguns meses, começo a contar como todos estão sem poupar detalhes. 

Me sentindo à vontade, encosto minha cabeça em minhas mãos próximas ao seu tronco e começo a falar sobre a última conversa que tive com meu avô sobre o meu futuro. Confesso que não tenho a mínima ideia do que fazer em relação aos restaurantes e as ações que meu pai deixou. Meu celular vibra com uma mensagem de Liam e vejo que faltam apenas alguns minutos para dar meia noite, me ajeito na cadeira e começo a traçar seu rosto com a ponta dos meus dedos e me esforço para cantar entre lágrimas e notas desafinadas "parabéns para você". Seguro sua mão com cuidado e mesmo que o aniversário não seja meu, faço um pedido.

Acordo no meio da madrugada com a coluna doendo por ter dormido sentada e fico apreensiva quando reparo que os batimentos cardíacos de Harry mudaram. Estou prestes a chamar a enfermeira de plantão quando tudo ao meu redor fica em câmera lenta e depois parece acontecer rápido demais, sinto um leve aperto em meus dedos seguido de um aperto de aço. Fico sem reação nenhuma quando um grito angustiado, daqueles de cortar a alma, toma conta do quarto em que até segundos atrás eu era a única pessoa acordada. 

The Only Reason - HSWhere stories live. Discover now