Treze - Rorschach de papel

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— É inadmissível que policiais e civis se digladiem, enquanto a prefeita se esconde atrás de seus assessores – falava o doutor Mesquita, vulgo Garrote, para as câmeras em frente ao hospital, utilizando seu melhor penteado com seu terno mais caro. – Não falei com o soldado Batti, ou melhor, o companheiro Natan, já que estamos falando de uma vida humana – disse respondendo à pergunta de um repórter.  – A câmara de vereadores está prestando toda a assistência possível. Aproveito também para anunciar, que apesar das objeções da nossa omissa prefeitura, estou enviando um pedido formal solicitando apoio do BOPE para a nossa cidade – outra pergunta é feita para o político. – Sim, estamos montando uma comissão para investigar as responsabilidades políticas do DCE, mas nesse momento estamos aguardando a polícia formalizar as acusações contra o ativista conhecido pela alcunha de Start…

Batti desligou a TV. Ele estava de saco cheio das macaquices da imprensa. Seu telefone contabilizava mais de sessenta ligações perdidas, e já não havia mais espaço para mensagens. Grande parte, senão todas, eram tentativas de contato de todo o tipo de imprensa, seja ela escrita, digital ou televisionada. Já faziam três dias que Natan estava em coma. As visitas eram restritas, devido a condição delicada dele. Os médicos estavam evitando a qualquer custo que o quadro do policial piorasse, especialmente se tratando de risco de infecção hospitalar.

Melissa passava praticamente o dia inteiro com o sargento, ela temia que sozinho, o homem fizesse uma besteira. Por precaução, ela convenceu o policial a retirar as balas de sua arma pessoal. O argumento que ela utilizou foi que ela confiava nele, mas não no momento que ele estava passando. Ela acabou concordando sem resistência. Batti agora possuía muito apreço pela garota que não o abandonou, mesmo vendo o quão baixo ele chegou.

— Acho que as mangas estragaram – disse a garota arrebatando Batti de seus pensamentos. – Olha só como elas estão – segurou uma das frutas, cujo as manchas e o bolor estavam visíveis – Murilo olhou a garota dos pés à cabeça… Deus, como ele estava apaixonado. Se as circunstâncias fossem melhores.

— Para mim as mangas parecem ótimas… Firmes, eu diria. Na verdade a arvore inteira parece magnifica – ele disse revelando um discreto sorriso. Melissa, logicamente, não entendeu nada.

— Quando vocês falam de mangas, vocês nunca parecem estar falando de mangas – Melissa estava pronta para formular uma pergunta, mas seu raciocínio foi interrompido por um beijo do sargento.

Eles se abraçaram e curtiram um breve momento. O sargento queria sair dali, leva-la para comer fora, em um restaurante decente, caro, romântico. Porém, bastava olhar pela janela para ver que haviam jornalistas estacionados em carros muito suspeitos, isso quando eles não ficavam apertando o botão do interfone na esperança de uma exclusiva. Felizmente o aparelho foi desligado, por conta das insistências. Melissa sabia que o Murilo precisava se animar, como sair não estava sendo uma opção, ela resolveu criar sua própria festa.

— Espere ai, eu lembrei de uma coisa – ela disse, quase que saltando dos braços do namorado. Ela foi correndo de um jeito engraçado em direção a sua bolsa. Dentro dela, Melissa retirou um CD. – Olha o que eu trouxe – revelou, exibindo sua cópia dos grandes sucessos do Roupa Nova – A nossa música está aqui.

“Nossa música?” pensou Murilo… Foi então que ele lembrou que na noite que tudo mudou, pouco antes da terrível noticia, ele a estava pedindo em namoro. Ao fundo tocava “Linda Demais”. Ela estendeu a mão. Ele a segurou. Seus corpos se uniram, e em um ritmo lento começaram a se mover ao som da melodia. Era um acústico, com o arranjo bem lento… Ela deitou sua cabeça no peito do sargento. Melissa sentia a respiração do sargento… Ele a sentia. Eram um só, ao som da música cuja a letra dizia: “te desejo muito além do prazer”.

Cordão Negro - (completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora