Capítulo 2

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Eric acabou sendo meu guia pelo túnel e logo chegamos ao seu final. Uma portinhola de metal aparecia sobre as nossas cabeças, enquanto ouvíamos pessoas falando e andando de um lado a outro.

-Onde estamos? –perguntei baixinho para Eric que já se precipitava em se apoiar na parede para abrir a porta.

-Não tenho certeza, mas acho que bem embaixo do comércio. –ele fez força e a porta desemperrou com um barulho forte, que me deixou com muito medo de que fossemos descobertos. Depois ele desceu e se aproximou de mim. Olhou com certa dúvida e então pareceu ter decidido o que fazer em seguida. –Você precisa esconder os olhos e os cabelos. –ele me disse, finalmente.

Sim, pessoas da realeza de Althea tinham cabelos ondulados, o que era praticamente uma característica só existente na nobreza, assim como os olhos dos descendentes de Selene, primeira rainha de Althea, que eram de um verde tão brilhante, que quase se tornavam azuis e até mesmo brancos em algumas luzes. Já a maior parte do povo de Althea tinha cabelos lisos e loiros, e olhos azuis. Eric, por exemplo, era o perfeito filho de Althea se olhássemos apenas para a sua aparência, eu, em contrapartida tinha meus cabelos em ondas e de cor castanha, emoldurando meus olhos cintilantes.

Eric me passou um par de óculos escuros e da bolsa que eu levava, tirei uma echarpe roxa que enrolei ao redor da cabeça. –Hum...você não trouxe outros sapatos? –ele me perguntou me vendo calçar novamente os saltos.

-Acho que não, quem organizou esta sacola foi Marie. –falei procurando por outros sapatos na bolsa.

-Claro, não poderia ser diferente...

Encarei-o com desprezo que parecia quase infantil, juro que até considerei mandar língua para ele, mas me apressei em agradecer mentalmente a Marie por ter colocado um par de sapatilhas entre as coisas que empacotou. –Pronto! Mas você sobe primeiro! –disse parando ao lado da parede que possuía vigas estrategicamente organizadas para que pudéssemos subir.

-Sim, vossa alteza. –o tom dele me incomodou profundamente. Ele, afinal das contas, não tinha dito que me manteria a salvo porque acreditava em mim?! Por que diabos ele precisava usar aquele tom comigo?

Sua mão pairou sobre a minha cabeça, enquanto me apoiava nas vigas e subia-as uma a uma até alcançar a mão dele. –Força! –ele exclamou me puxando levemente pela fenda. Segurei firme na beirada do buraco e me empurrei para fora dele, tentando, bobamente, provar a Eric que eu conseguia fazer isso sozinha. Depois que estávamos fora, fechamos a entrada, que poderia servir de saída algum dia e partimos para o centro da cidade.

A verdade era que fazia muito tempo desde que eu tinha visto a cidade pela última vez. Ela parecia bem diferente da lembrança que eu mantinha na mente, uma vez que a que me lembrava era bem mais iluminada e cheia de vida, que a que eu contemplava ali.

-Há quanto tempo você não sai do castelo? –Eric me perguntou, percebendo meu olhar embasbacado.

-Anos...acho que uns dez. –disse ajeitando os óculos. –É muito tempo, não?!

-Mais do que uma princesa deveria passar sem ver seu povo. –ele suspirou. –As coisas estão muito diferentes de quando seu avô governava. Seu avô era sábio. Estrategista. Sabia governar com o dinheiro que entrava no Estado e sabia como distribuir para todos. Sabia como atender as pessoas e como ajudar. Seu avô era um verdadeiro líder! –Eric disse com entusiasmo.

-Minha avó não era má rainha, também!

-Não, mas ela não tinha a força do seu avô. Ela não sabia tomar decisões como ele e nem mesmo parecia ter se preparado para se tornar rainha. Até aparentava nunca ter pensado no assunto, tanto é que abdicou e sua irmã foi coroada.

-Você acha que foi isso que levou os Revoltos a fazerem esse golpe? –perguntei incerta se queria saber a resposta.

-Não sei exatamente, mas penso que foi um dos motivos. Enquanto seu avô era vivo eles não tinham sobre o que reclamar, que não fosse o fato de Althea ser uma monarquia. Como todos os bens públicos eram distribuídos de modo igualitário e não faltava nada do essencial para a população, eles ficaram anos calados e sem qualquer menção em destroná-lo. Com a morte do seu avô, a péssima administração da sua avó, as pessoas começaram a trabalhar por muito pouco, comer muito pouco, viver com muito pouco. Tirando aqueles que trabalhavam diretamente no palácio, como eu, o seu povo não tem grandes perspectivas de ter uma qualidade de vida.

Fiquei chocada. Sabia que nos últimos anos tínhamos passado por algumas crises, especialmente depois que meus pais morreram e meu avô caiu tanto em desgosto que logo deixou sua doença lhe tirar a vida; mas não imaginava, em nenhum momento, que essas pessoas estavam desta maneira. As lembranças que tinha do meu povo, ao sair naquelas ruas era de alegria, contentamento e sonhos. Não era exatamente um cenário de contos de fada, como pintados nos livros que as babás liam para mim e Soleil, mas tinha um charme próprio e as pessoas pareciam bem mais animadas, do que a sombra de descrença que parecia pairar sobre as cabeças deles.

Estava tão envolta no meu próprio susto que nem percebi quando Eric colocou um casaco sobre meus ombros. –Olhe Luna, sei que você está assustada com tudo que aconteceu, mas preciso saber uma coisa. –ele fez uma pausa, até ter certeza que tinha a minha atenção. –Você não vai desistir, não é?

-Não entendi muito bem a pergunta, Eric.

-Quero dizer que: se sua irmã for morta, ou os revoltos tentarem tomar o poder por meio da força e violência, você não vai se acovardar e fugir, certo?

-Eu não sou covarde! Sou uma princesa!

-Mas você talvez tenha que ser uma rainha! Está preparada para isso?

Olhei ao meu redor, inalando cada centímetro daquela cidade com aspecto imundo, mas com pessoas tão queridas a mim. Aquelas pessoas fétidas, desconhecidas e com cabelos que mais pareciam espigas de milho eram o meu povo. Elas eram o significado de se ter um sistema político. Eram o significado de fazermos ações e temos medidas. E, Selene que me abençoasse, porque elas pareciam precisar de mim!

-Eu não sou covarde! –disse novamente. –Se for necessário serei capaz de matar para devolver ao povo o que é dele.

-Vamos torcer para que não chegue a este ponto. –Eric deu um risinho, mas eu percebi que com a minha resposta algo no fundo dos olhos dele ganharam um novo brilho. Ele implicava comigo, mas realmente parecia acreditar em mim e naquele momento era tudo que eu precisava.

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