Pereça

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PARTE 5

Pobre, casto, obediente.

"A pobreza evangélica significa a maturidade em adequar os bens materiais em prol da missão evangelizadora.

A obediência visa a maturidade plena do religioso, tornando dócil à inspiração do Espírito e capaz de renunciar às suas vontades personalíssimas.

A castidade, significa oferecer ao todo poderoso o holocausto de nossos desejos corpóreos."

— Tem como finalidade proporcionar ao religioso a liberdade de afetos, possibilitando-lhe o estabelecimento de relações maduras centradas para além do desejo puramente sexual.

Taehyung repetia aquelas palavras hipocritamente. A centelha de vergonha rebobinando a assombrá-lo como o demônio em tentações. Sentia-se um completo mentiroso enquanto punha o crucifixo envolta do pescoço, martirizando seu cerne com questionamentos infindos sobre o que estava fazendo.

Deteve-se na efígie presa no espelho, em papel fotográfico preto e branco. Fixou as elucubrações na moradia das razões. Gregori Hoseok.

Fazia poucos dias que o clérigo chegara e já estava de saída. A vida de Padre apropinquou-os em espírito, mas afastou-os em distância.

Hoseok quase sempre estava ocupado em sua igreja, pregando com um mantra decorado ao longo dos anos, sem emoções, sem verdades. Apenas a ilusão de um saber velado nas entranhas de sua falsidade. Ele não era santo, nem queria ser.

Taehyung coordenava sua edícula quilometricamente distante daquele que abençoou seus lábios com singularidade outrora. Acanhava-se sempre que surgia aquele sentimento de traição, culpa, raiva pelas coisas não serem como queria.

Não era preciso ter dois olhos para enxergar que vivia um pecado. E Hoseok sabia que ele não estava bem, no entanto não inquiria. Deixava que o tempo resolvesse, que Taehyung falasse. Aproveitava enquanto dava.

Gregori saiu do banheiro vestido com a batina. Seus cabelos negros recaíam sobre os ombros em pequenas ondas consumados em cachos. Beirando a gola do colarinho, ainda se via um vislumbre roxo do estigma realizado pela boca de Taehyung quando transaram na noite anterior.

As marcas estavam lá, exprobrando a pouca vergonha e demasiado tesão dos dois. Fora uma noite incrível, mas Taehyung não estava feliz.

Desistiu de sua imagem, sentia vergonha de si mesmo e pensava que Deus também. Sentou-se na ponta da cama, de frente para o outro. Seu garoto terminava de se aprontar para ir embora, tinha ofício. Ele também. Entretanto, havia tanto entalado em sua garganta que precisava falar, mas não conseguia sequer pensar sem se sentir um impudico.

— Ainda me resta algum tempo até que me arrebatem — Hoseok disse-lhe, o olhar pairando no ser taciturno — Quer conversar enquanto isso?

O mais velho negou. Precisava, mas não queria conversar. Esticou os braços até abraçá-lo, trazendo seu corpo para perto. Instintivamente Gregori lhe acariciou os cabelos castanhos, suspirando em consternação.

— O que houve, Tete? Fala comigo. — Insistiu, mais por preocupação que vontade de uma salvação. Notou a tristeza nele desde que viera da outra vez.

— Não houve nada.

— Você vai mentir para mim? — sua voz soou magoada, conquanto não parasse o carinho ao analisá-lo.

Taehyung mordeu os lábios, a pele começando a suar frio em nervosismo. Seu coração, ao contrário do sangue correndo pelas veias, estava fraco. Fraco e triste. Ele não sabia qual dos problemas lhe afetava mais, se era a falta que Hoseok fazia quando ia embora e passava meses sem poder vê-lo, se era esse tempo dando-lhe brechas para a escuridão ou se era apenas todos os dogmas impregnados nele o julgando por amar um homem e ser Padre ao mesmo tempo.

CelibatoWhere stories live. Discover now