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Jaden

Meu pai entra no meu quarto em silêncio. Não quero o ver agora, não quero ver ninguém agora, ninguém a não ser a S/n, mas isso não é mais uma opção. 

"Jaden," ele chama, mas não respondo. Continuo com o rosto enterrado no travesseiro e com meu corpo que não tem forças nem para me virar agora. "Ele me contou o que aconteceu." 

Continuo em silêncio, agora quase perdendo o ar por ficar tanto tempo com a cabeça no travesseiro. Mas mesmo assim, por algum motivo, sinto uma momentânea pontada de felicidade dentro de mim. 

"O pai da sua... da S/n."

Então, mais por falta de ar do que por qualquer outra coisa, me viro e encaro o teto. Sinto como se meus músculos e meus ossos estivessem derretendo. Está acontecendo coisas demais para eu senti-los firmes como um dia senti. 

"Ele tem um nome, não precisa sentir vergonha em pronunciar o nome dele." 

"Não é vergonha." 

"Me pergunto o que seja, então." 

"Você não entenderia." 

Sorrio para o nada. "No seu ponto de vista, tem muita coisa que eu entendo, pai."

Meu pai se aproxima mais de mim e fica em pé me observando. Sinto uma gota de água — ou lágrima — caindo pelas minhas bochechas. Talvez seja porque eu não pisquei nenhuma vez até agora, ou porque eu sinta que está tudo me atingindo. 

"Então... vocês terminaram?" Ele pergunta, como se estivesse com medo. 

"Não era isso que vocês queriam?" 

"Não achei que fosse conseguir." 

"Então porque tentou?" Desta vez eu olho para ele, não para o teto, não para o nada.

"Já te expliquei isso. Você sabe que o amor é perigoso em vários sentidos."

"Faz a gente desmoronar... mas de um jeito bom, como se fosse um escorredor, um brinquedo que você sempre quer experimentar de novo." Penso por um instante. "Era assim que você se sentia quando conheceu a mamãe?" 

Meu pai se senta no canto da cama, e desta vez é ele que olha para o nada. Ele também não fala nada. 

"Você nem me perguntou como ela estava, quando eu voltei," digo, me virando de costas para ele. 

"Não sei se estaria preparado para ouvir dela. E não sei se estou agora." 

"Eu também não estava," digo, e sinto minhas mãos começarem a formigarem. "Nunca estive." 

Meu pai olha para mim surpreso, assustado.

"Tem uma coisa que eu não te contei, pai." 

"O que é?" 

"E eu, eu vou te contar agora, não em importo se você está preparado para ouvir dela ou não." 

"Filho, quando se trata da sua mãe, eu sinto que nunca vou estar preparado para nada, mas quando a vejo, é como se a tivesse visto ontem." 

"Não deveria ter deixado ela ir." 

"Eu não era um bom marido, e infelizmente não posso voltar atrás." 

"Ela nunca te superou, pai, o buraco dentro dela só foi crescendo," sinto que vou começar a chorar, sinto meus olhos ardendo. Mas do mesmo jeito, conto toda a história para ele, algo que eu deveria ter contado há muito tempo atrás.

Quando termino, ele fica boquiaberto. Meu pai não se mexe ou fala nada, ele vira praticamente um estátua. Mas acho que nós dois estamos propensos a nos sentir desse jeito hoje. 

"Mas ela está bem?" Ele pergunta, depois de alguns minutos. 

"Ela," eu então começo a me sentir ainda mais fraco, mais vulnerável, como se eu fosse um grão de areia no mar, jogado para todas as direções e sentidos, chacoalhado e completamente incapaz de me controlar. "Ela me ligou há cinco dia atrás." 

"O quê?" 

Faço que sim com a cabeça. "Ela estava bêbada de novo, acho que foi um recaída. Me disse que ainda me odiava e que a fez sofrer novamente, quando, a este ponto, não era pra ela sentir mais nada."

"Há cinco dias atrás?" Confirmo.

"Por quê?" 

"Era nosso aniversário de casamento." 

E pela primeira vez em séculos, abraço o meu pai, que chora como um bebê ao meu lado. 

"Pai, eu..." tento limpar meu rosto e me ajeitar na cama, depois de alguns minutos. "Eu não te contei sobre nada disso porque estava com medo. Pensei que estava ajudando vocês dois, achei que precisava te poupar dessas coisas, mas eu estava errado. Você tinha que saber, e talvez tudo que vocês dois precisem é se ver." 

"Filho," meu pai chama. "Por que você terminou com a S/n?"

A expressão do meu pai era de puro arrependimento, como se ele se arrependesse não apenas de proibir eu e a S/n de namorar, mas também se arrependesse da pessoa que ele tinha sido anos atrás ou da pessoa que ele estava sendo agora.

"Eu terminei com ela porque... porque eu não queria que ela ficasse igual a minha mãe, não queria que ela ficasse tão triste e destruída a aquele ponto. Ela não merecia aquilo e vi que era pro aquele caminho que tudo estava indo se continuássemos. Eu achei que estava fazendo a coisa certa, que eu estava a ajudando, mas talvez eu tenha acabado de fazer a mesma coisa que aconteceu com a mamãe, talvez eu tenha cavado o resto do poço para ela quando estava tentando ajudar."

Suspiro e sinto minha garganta secar.

"Eu amo ela, pai, mas eu odeio a ver sofrer, odeio que eu estava fazendo aquilo com ela todos os dias quando insistia em ficar, quando eu era simplesmente egoísta em achar que estava tudo bem quando não estava."

"Eu poderia te dizer que, as vezes, o melhor que podemos fazer é deixar uma pessoa ir. Mas eu já fiz isso uma vez, filho, e o resultado não foi bom. Se você quer deixá-la ir, se acha que isso é melhor, primeiro se certifique de que ela estará feliz longe de você, e que, um dia, ela poderá se recuperar." 

"Eu acho que quebrei ela, pai." 

"Tudo pode ser consertado." 

"Não sei se isso pode." 

"Me desculpa por não te entender antes, filho, mas agora eu sei, porque vivi uma coisa parecida com a sua mãe." 

Meu pai, então, me dá um último abraço e diz:

"Tenha certeza dos seus sentimentos, dos sentimentos dela. Não tire conclusões precipitadas igual eu fiz." 

"Acho que isso é de família." 
"Com certeza." 

Ele dá um sorriso fraco e sai do quarto, e já sei que pra onde ele está indo agora. Para a minha mãe.

☘︎

esqueci de postar ontem, desculpa ✋🏼

𝗗𝗜𝗚𝗔 𝗠𝗘𝗨 𝗡𝗢𝗠𝗘  𝙓  𝗝.𝗛 ✓Onde as histórias ganham vida. Descobre agora