Betina: Parte V

4 0 0
                                    


— Nicolas... — Chamo. Ele me olha apreensivo, porque nunca o chamo pelo nome inteiro desse jeito.

— Quê? Tá tudo bem?

— Tá. — Dou um sorriso pra confirmar. — Só estava pensando. Quando a gente se conheceu... Você pensou que eu era uma vadia?

— Não. Achei que eu estava num sonho.

— A maioria das pessoas não ia aparecer pelada na frente de qualquer um...

— Eu não sou qualquer um.

— Eu sei. Bom, agora eu sei. Mas naquele dia não sabia.

— Betina, falando sério, onde você quer chegar com isso? O que tá acontecendo?

— Antes... Tudo parecia uma brincadeira pra mim. Naquele dia do clube, achei que você ia sair correndo. — Digo, e ele começa a rir. — É sério! Em minha experiência com garotos, eles se assustam fácil. Eu achava divertido assustar os meninos desse jeito. Costumava achar que eles só tinham papo. Mas aí você respondeu à minha investida... Fui pega de surpresa, mas queria que acontecesse. Gostei de você logo de cara. Sabia que éramos iguais.

— Eu também, ué.

— Agora não parece mais tão engraçado. — Concluo, com pesar.

— Por quê? — Ele quer saber.

— Não sei. No início achei que ter transado de verdade não tinha mudado nada pra mim. Tudo parecia igual. Agora... Acho que estou começando a enxergar a seriedade da coisa.

— Alguém te fez alguma coisa? — Ele pergunta, mais sério do que nunca.

— Por que a pergunta? — Devolvo.

— Você está começando a acreditar no que as pessoas dizem sobre você, não está?

— Talvez. Eu não... É só que... — Não aguento e começo a chorar.

— Amor — ele diz. É a primeira vez que me chama assim. Levanto o olhar e enxergo um Nicolas desfocado. — O que aconteceu?

— Eu só estava me divertindo... Nunca machuquei ninguém. — Digo, enrolando as sílabas que nem uma criança confessando pra mãe quando aprontou.

Nicolas não pergunta de novo. Só fica ali, esperando eu me acalmar. Um pouco mais controlada, conto:

— Eu já te contei que nunca tive medo de sexo. Acho que por isso, quando encontrava alguém de quem gostava, não tinha medo de provocar. E percebi que quase sempre não dava em nada, tanto é que perdi a virgindade só agora, com quase dezoito anos. Mas eu nunca brinquei com os sentimentos de ninguém, Nic. Nunca fiz joguinhos, tipo, quando a pessoa gostava de mim e eu não gostava dela de volta, sabe? — Começo a falar e não consigo mais parar. — O jogo pra mim era o flerte, a expectativa de não saber o que ia acontecer em seguida, o quão intensas as coisas iam se tornar, afinal...

— E o que mudou, então? Foi a gente ter ficado? Tipo, quando fomos até o fim, deu game over pra você?

— Não! Muito pelo contrário, eu subi pra um novo nível muito louco, cheio de novos desafios e coisas pra descobrir! Mas aí apareceram novos vilões. Eu já fiquei com muitas pessoas, você sabe, não é nenhum segredo. Já tive experiências ruins também, tipo, achar que a pessoa gostava de mim, e que tínhamos algo legal, e no fim das contas ela ter ficado comigo só porque "eu era fácil". — Faço o gesto de aspas no ar, e continuo:

— Era um pouco decepcionante, mas, em geral, eu não sentia grande coisa pela pessoa também. Era mais um lance do momento, sabe? Rolava um momento legal, por menor que fosse, a gente ficava, e pronto. Eu achava que por causa desse momento havia um contrato implícito de parceria. Achava que quando você compartilha algo assim, por mais que você não ame a pessoa e tudo o mais, você tem, pelo menos, que criar um respeito especial por ela... Dá pra entender?

— Perfeitamente.

— Então. E aí é ruim quando você vê que a outra pessoa não está cumprindo essa regra, e não demonstra nenhum respeito especial por você, só indiferença. Como se o momento que vocês compartilharam não tivesse valido de nada. Quando isso acontece, é chato. Mas a gente finge que não dá importância e segue em frente até não dar mesmo.

Ele assente. Sigo falando:

— Agora, tudo mudou pra mim, Nic. Não sei mais como agir diante das situações.

— Porque transamos?

— Não, porque eu me apaixonei por você.

Nic não levanta e faz uma dancinha comemorativa ao ouvir isso. E eu nem esperava que ele fizesse. Mas vejo um lampejo diferente em seu olhar, algo que nunca vi antes. Sua expressão super séria se suaviza. Conheço o Nicolas, sei que ele não vai me rodopiar no ar e me jurar amor eterno em troca. Mas também sei que ele sente exatamente o mesmo. Como ele não responde, continuo explicando aonde quero chegar com isso tudo:

— Sei que você nunca vai me magoar. Pelo menos não intencionalmente. E não é isso que estou querendo dizer. Mas sim que eu me sinto muito mais vulnerável agora, porque, foda-se a minha fama! Mas o que eu vou fazer se alguma coisa, qualquer uma, arruinar o que a gente tem?

— Você vai fingir que não dá importância, Betina, e seguir em frente. — Ele ecoa. — Até não dar mesmo.

— É aí que mora o problema, Nicolas. Dessa vez eu não vou conseguir.

Nic passa o cabelo atrás da orelha, se inclina, e me beija. Não um beijo consolador, condescendente. Mas sim um devorador, avassalador. Tremo na base um pouco, mas correspondo à altura, pois não sou menina de recuar. Em dois segundos estamos engalfinhados como gatos no telhado à meia-noite. Quando tudo termina, continuo deitada, imóvel. Ele pega o violão e toca para mim. 

ImagemWhere stories live. Discover now