Com isso ele sai rindo do quarto, deixando Gustavo atordoado com o celular ainda na mão e seu pai esperando do outro lado da linha. Criando coragem, o menino leva o aparelho à orelha, consciente do brutamonte que agora tentava entreouvir pela porta que ele acabara de fechar. Gustavo só esperava que o nervosismo não estivesse explícito em sua voz, quando ele falou:

-Alô, pai, é você?

-Olá, filho. Sentiu saudades? –O nervosismo foi substituído rapidamente por nojo ao ouvir a voz ligeiramente arrogante e maliciosa do outro lado. Felizmente ele poderia revirar os olhos à vontade ali. –E então? Ainda estou esperando a resposta.

-Acho que você sabe muito bem a resposta.

-Hum... é verdade, mas ainda me restava alguma esperança, sabe. É triste ouvir de seu amado filho que depois de tanto tempo separados ele nem deve ter lembrado da sua existência.

-Vá direto ao assunto, por favor.

-Ora, e se eu tiver apenas ligado para conversar com meu filho?

-Nós dois sabemos muito bem que você não faria isso. Além de muito provavelmente nem ter tempo para isso. Agora vá direto ao ponto: por que queria falar comigo?

-Bem, eu fui sincero anteriormente: eu quero apenas conversar com você. Fiquei sabendo que fez novos amigos aí.

-Como poderia fazer novos amigos se fico o dia inteiro nesse fim de mundo que é a casa de Cassian e Gideon? –Ele sabia muito bem a quem o pai se referia, mas não custava tentar. –Além do mais, isso não são assuntos de meus relatórios? Ou você nem se dá ao trabalho de ler o que venho escrevendo?

-É claro que eu os leio, apenas queria poder ouvir sua voz e falar diretamente com você –A esse ponto, Gustavo já perdera a noção de quantas vezes revirara os olhos- Pensei que talvez dessa forma fosse mais fácil de identificar quando está mentindo ou não, filho.

Ah, lá estava o Diego que ele conhecia. Então ele realmente estava desconfiando dos relatórios. E o maldito sabia o quão ruim Gustavo mentia. E estava se aproveitando disso.

-Desligou na minha cara ou apenas se assustou? Certamente é a segunda alternativa, não é? Mas agora vamos ao que interessa, como vai sua amiguinha Mirabela Blake?

-E por que você se importa com ela? –Gustavo sabia que era perigoso contrariar o pai, mas se ele não conseguiria mentir, talvez omitir a verdade ou desviar do assunto ainda fosse uma boa opção.

-Não aprendeu que quando eu faço perguntas, exijo que sejam respondidas e de preferência que não com outras perguntas?

-Bem, quem vai me impedir de fazê-lo? Além disso, você mesmo me respondeu com uma pergunta, acho que estamos quites. –Ele sabia que atravessava um limite muito perigoso, mas se seu pai faria joguinhos, ele também faria os dele.

Uma risada que fez um arrepio percorrer o corpo do garoto soou do outro lado antes de vir a resposta:

-Eu poderia ficar feliz com sua demonstração de coragem, porém não passa de idiotice então estou apenas decepcionado, meu filho. É, talvez você tenha puxado para sua mãe quanto à inteligência.

-Não fale assim da minha mãe! Pelo menos ela não era um monstro como você e seus capangas! Pelo menos ela ligava para a vida das outras pessoas! Ela ligava para mim! E, ao contrário de você, ela me amava. –Assim que as palavras há tanto tempo guardadas jorraram de sua boca, Gustavo se arrependeu por ter perdido o controle. Em poucas frases ele quase entregara seu plano e demonstrara o quanto seu pai era capaz de afetá-lo. O quanto era um garotinho fraco e medroso.–Espero que não consiga mais dormir depois do que fez a ela.

Novamente uma risada soou do outro lado, dessa vez um pouco mais exagerada e, diferentemente de antes, o som fez com que uma vontade absurda de quebrar algo surgisse dentro de Gustavo.

-E a cada dia você me prova que não passa de uma criança. Acha mesmo que, caso eu tivesse relação com a morte de sua mãe, eu me importaria? Que isso tiraria meu sono?

-Como eu disse: Você é um monstro.

-Me chame do que quiser, garoto, mas é bom que saiba que tenho você na palma da minha mão e qualquer movimento em falso terá uma consequência...

-E o que você vai fazer se eu "sair da linha"? A única coisa que me importava era minha mãe e você já a matou, então acho que não me resta nada para que me chantageie.

-Mais uma vez, Gustavo, eu não matei sua mãe.

-Me poupe de suas mentiras, Diego, elas não são mais necessárias.

-Se você não quer acreditar, o problema não é meu. E quanto à sua outra pergunta, acho que você gostaria que sua nova amiguinha e sua família se mantivessem à salvo, não é? Assim como as vidas inocêntes que podem estar em risco.

-Eu mal conheço aquela família, não há como você usá-la contra mim. E quanto às pessoas inocêntes, bem, achei que esse sempre fosse o seu plano. Ou será que ainda não se entregou totalmente à maldade?

Então, antes que ele pudesse ouvir a resposta, a luz caiu, levando junto o sinal e desligando a ligação. Gustavo xingou, mas no fundo estava aliviado pelo fim daquela conversa. Falar com o pai não era uma coisa que poderia ser considerada agradável por ele. Rapidamente a luz voltou, acompanhada por um trovão que rugiu do lado de fora da casa. Gustavo nem notara que começara a chover.

Não demorou para que Cassian invadisse seu quarto e pegasse o telefone de suas mãos, curiosidade brilhando nos olhos escuros e detestáveis.

-O que seu pai queria?

-Acho que você ouviu muito bem a conversa.

-Apenas a sua parte.

-Então você confirma que estava bisbilhotando?

-Bem, você estava gritando, era impossível não ouvir.

Gustavo apenas ignorou as perguntas que Cassian seguia fazendo e o fez sair do quarto, trancando a porta logo em seguida. O menino se atirou sobre os lençóis e ficou encarando o teto, um tanto mofado, pensando sobre a conversa que tivra com o pai e a que tivera com os gêmeos e sobre o próximo dia: quando as aulas finalmente começariam. E assim, a chuva e o cansaço o embalaram para um sono conturbado, onde ele ainda ouvia seu pai falar "eu não matei sua mãe".

(sobre)vivaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora