•ONZE•

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Como assim os trabalhadores não aceitaram a proposta? — pensou.

— Que proposta é que ela fez? — Fuyuki fez um "encolher de ombros".

— Não ouvi a proposta. Só ouvi um homem aos berros na sala e depois disso outro homem saiu da sala.

— Como é que sabes que não era o mesmo homem?

— Eu reconheci-lhe a voz, então não era ele.

Safira não sabia se Fuyuki estava a falar a verdade. Só saberia se confrontasse um dos trabalhadores ou a avó. Mas acima de tudo queria agir pela calada e de forma cautelosa.

Assim que todos os trabalhadores abandonaram a sala, Noah ficou a encorajar-se para falar com a sogra. Queria-a reconfortar, dizer que está tudo bem, mesmo que não esteja ou pelo menos dizer que vai tudo ficar bem, mesmo que não fique.

— Sakura...

— Deixe para lá, Noah. Não podemos agradar a todos.

— O que pensa fazer?

— Acha que me importo com eles? Não querem, tudo bem... as malas estarão à porta amanhã. Não lhes custava nada aceitar aquela condição, eu ia estar a supervisioná-la com a sua ajuda... mas se eles não querem, quem sou eu para os obrigar?

— Compreendo.

Fuyuki foi com Safira até à porta da sala de reuniões. Esgueirando-se por cima da porta, Fuyuki foi direto à janela e com poucos movimentos tentou incentivar Safira a entrar. Ela tinha medo de ser repreendida por estar a cuscar atrás da porta, mas também tinha medo de ser repreendida por entrar. O melhor que tinha a fazer era criar uma desculpa, uma pequena mentira que passasse despercebida sem por, como é óbvio, Fuyuki em problemas.

— Posso? A Soraya disse-me que estaria por aqui. Ainda se vão reunir ou já acabou?

— Já acabou. — respondeu Noah. — Nada ficou resolvido por parte deles, mas a tua avó vai seguir com o plano dela em frente.

— Eu já falei o que tinha a falar. Querem, muito bem, não querem, já sabem bem qual é o fim deles. — Sakura dirigiu-se a Safira com alguns documentos no colo. — Preciso que assines estes papéis.

Safira ficou interrogada, Fuyuki franziu a testa e Noah observou o panorama. Os três estavam parvos com a ação de Sakura. A mesma sentou-se no sofá de tecido meio podre e colocou os documentos ao seu lado. Safira seguiu o seu trajeto sentando-se do lado oposto.

— Que documentos são esses?

— Assim que assinares isto... — ergueu os papéis no ar. — Toda a minha herança passará para ti. Já sei o que vais dizer! Calma! Eu não morri e ainda estarei cá por muitos anos, mas quero que estejas por dentro de tudo o que acontece nesta herdade. E se, um dia mais tarde, a morte me bater à porta tu e a tua mãe estarão encarregues de guiar esta herdade para um caminho melhor que este.

— Já tinha pensado nisto antes da reunião? — perguntou Noah. — Não acha que está a agir com muito rigidez?

— Estou cansada, Noah. Não há um único dia em que o Tatsuo não mande alguém para o olho da rua. Se nem eu, que sou a proprietária, consigo fazer com que me obedeçam... terá mesmo de ser a Safira.

— Mas por que eu?

— A alma do meu filho está em ti. Acredito seriamente que tens mais autoridade que eu para os chamares à razão. Portanto, depois de assinares estes documentos, a herdade é tua. Eu ainda irei participar de algumas reuniões e irei tratar de tudo o que não conseguires, mas, claro, de acordo ao teu pedido. Safira... — Sakura olhou nos olhos de Safira e agarrou-lhe as mãos. — Eu acredito em ti. Continuarás a estudar e eu irei ajudar-te em tudo o que puder, mas eu quero mesmo que os guies e que leves o nome desta herdade a bom porto.

~♡~

Safira entendia a avó, mas não tinha a certeza se queria mesmo, com dezasseis anos ter um negócio nas suas mãos, ainda para mais, um negócio tão importante como aquele. Já Sakura queria a todo o custo que a neta levasse a bom cabo o trabalho árduo dela e dos seus familiares já falecidos.

— Já pensaste que pode ser uma oportunidade? — perguntou Fuyuki.

— Eu sou muito nova para isto. Eu nem entendo ciência quântica e vou entender como funcionam as coisas numa empresa.

— Ela disse que te ajudava, por isso não tens de te preocupar. Acho que devias de te preocupar mais com a tua mãe.

— O que tem a minha mãe?

— Ela tem andado um pouco em baixo, não deste conta?

— Tu andas a espiá-los?

— Não. Eu ainda tenho olhos no focinho, caso não tenhas reparado. Mas ainda me deves uma explicação. Onde foste?

— Isso é importante? Só fui até à aldeia... não há mal nenhum nisso. Até gostei bastante. — Safira sentou-se na beira da cama. — A minha avó não me deixa ir à aldeia, nem sozinha nem acompanhada. Ela diz que os aldeões têm uma ideia errada da herdade e que nunca vão vê-la de outra forma.

— Então foi por isso que foste sozinha? Para contrariares a vontade da tua avó?

— Eu não quis contrariar a vontade dela, Fuyuki. Queria sentir na pele o que é ser livre sem ter um segundo respiro sob o meu ombro. Tu, por exemplo, podes sair da herdade, ir espairecer, fazer qualquer coisa e ninguém te irá dizer nada. És livre de fazer o que quer que seja. Eu não.

Como sabes que a minha mãe está mal?

— Segue-me e traz o livro.

Fuyuki levou Safira até à grande biblioteca. Aquele lugar não era desconhecido para ela. Conhecia o bem, mas talvez não tanto quanto Sakura.

Enquanto passava pelas grandes estantes de madeira empoeirada ia reparando no perambular de Fuyuki. Dava a querer que ele tivesse algo para lhe mostrar ou talvez só fosse levá-la à estante onde estivesse repousando o livro. Mas por que razão o faria? Seria mais seguro o livro estar ali?

A partir de um determinado momento os passos de Safira passam a ser audíveis e ela começa a questionar se devia estar ali.

— Para onde me estás a levar?

— Estamos quase a chegar.

Safira parou e olhou à sua volta. Não reconhecia aquela parte da biblioteca e tinha medo de alguém a apanhar na escuridão entre as estantes sombrias. Fuyuki afastava-se mais de si e isso fê-la seguir os seus passos. No silêncio umbroso qualquer movimento ia colocar Safira em altos brados, visto que ela proclamara de forma bem audível a Noah que se sentia segura, nem queria se sentir segura, na escuridão. Disse à mãe que a escuridão vive com frieza e que se algum dia para lá fosse, que o mais provável era deixar de ser doce e atenciosa. Noah compreendia o pensamento da filha. Afinal de contas quem é que gosta de viver na escuridão?

— Não consigo avançar mais. — disse Safira.

O suor escorria-lhe pela curvatura da bochecha.

— Estamos quase lá.

— Disseste isso há dez minutos. Eu fico aqui. — sentou-se no polvoroso chão que a ampara.

— Está bem. — Fuyuki seguiu o seu caminho deixando Safira para trás.

— Fuyuki? Não me deixes aqui, por favor. Fuyuki!

𝘚𝘦𝘨𝘳𝘦𝘥𝘰𝘴 𝘥𝘦 𝘚𝘢𝘧𝘪𝘳𝘢  [ 𝙀𝙢 𝘼𝙣𝙙𝙖𝙢𝙚𝙣𝙩𝙤 ]Where stories live. Discover now