•CATORZE•

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Enquanto se perdia nos pensamentos, Noah queria acreditar que estava tudo bem com Safira. Que ela estava só a brincar ao esconde-esconde ou que, por ventura de curiosidade, fora à aldeia de novo.

Não se recordava de nenhuma mudança radical na sua personalidade e tampouco sentia que isso teria acontecido. Mas no seu coração pairava a tristeza que sentia quando Yuki desapareceu da sua vida, da noite para o dia. Mesmo com a sua partida, Noah sabia que não podia ficar sem o seu rebento. Seria uma perda demasiado grande para conseguir suportar em vida.

— Onde estás tu, Safira? — soluçou Noah.

A sensação de que a morte estava perto dela assombrava-a. Porém sentia-se mais assombrada por não poder dar um último adeus e expressar um último amo-te para Safira.

As realidades chocaram-se novamente e Noah encolhia-se cada vez mais e não aguentando o peso do seu corpo, dera por si a encostar-se à parede gelada do corredor, descendo as costas pela mesma até chegar ao chão.

— Noah? A senhora está bem? Noah? — perguntou Soraya num aperto. — CHAMEM UMA AMBULÂNCIA!

~♡~

Sakura encontrava-se nos campos de arroz quando Tatsuo chegou ao pé de si com a notícia de que Noah tinha sido levada para o hospital mais próximo.

— O que aconteceu? — perguntou.

— A Soraya disse que a encontrou sentada no chão sem reação.

Sakura abaixou a cabeça e de seguida olhou para o arroz.

Na sua mente tudo passava em looping. Tudo o que sofrera há onze anos voltara com mais força. Primeiro Yuki, depois Safira e agora Noah.

— Eu vou procurar a Safira. Fica aqui e certifica-te de cuidar da Noah quando ela regressar.

— Não sabe se ela voltará para nós, Sakura.

— Deixa-me ao menos acreditar que sim! Não posso perder tudo agora, Tatsuo. Não agora, caramba!

No seu caminho à aldeia, Sakura tinha noção do que ia encontrar. Só não sabia se alguém lhe poderia dizer onde Safira estava, onde diabos se tinha metido.

Lá no fundo, mesmo que fosse extremamente proibido, Sakura tinha consciência de que Safira tirava dias específicos para ir à aldeia tomar um ar e ver como eram as coisas por lá. Não a podia proibir de todo. Sabia perfeitamente como eram as crianças. Gostavam de se aventurar por caminhos que jamais exploravam se não se dessem à curiosidade.

Safira e Noah eram as únicas pessoas que sobravam da família de Yuki. Sakura como mãe galinha, no entanto atenta, sabia que o amor que Noah e Yuki sentiam um pelo outro era forte e indestrutível. Noah ainda amava Yuki, mesmo depois de onze anos.

— Olá? Desculpe o incomodo, mas viu esta menina por aqui? Não? Obrigada.

Sakura não era só proprietária da maior herdade produtora de arroz daquela terra. Apesar de muitos a verem como a chefe incapaz de amar, ela não era assim. A sua personalidade forte também tinha fragilidades implacáveis.

Aprendeu com o seu avô imensas coisas. Uma delas foi a mais importante para que se mantivesse de pé durante estes anos todos. Sabes Sakura? O Dente de Leão também sente falta dos filhos quando eles partem para bem longe dele. A vida é assim. Um dia mais tarde também eu partirei para bem longe daqui. E os teus futuros filhos também. A vida não se faz apenas com bons momentos. São os maus momentos que nos tornam fortes. Não te deixes abalar por nada, sim?

— Desculpe senhor? Por acaso não viu esta menina por aqui? Não? Muito bem, obrigada.

O alcance que nós temos na vida de outras pessoas é diferente daquele que tu sentes. Nem sempre vais fazer tudo bem, mas os erros são sempre uma mais valia para nos mentalizarmos de que não somos sempre os melhores no que fazemos. A expectativa que crias em ti vai te magoar sempre. Não somos feitos de aço. Mas por vezes, a dor que crias acaba por te ajudar a batalhares mais para conseguires o que realmente queres.

Quando Sakura estava perto de desistir de perguntar, aleatoriamente por quem passava, pela Safira, um alguém do outro lado do riacho a chamou. Sakura reconheceu-lhe as feições e deduziu que aquele sujeito era o ancião mais velho da aldeia.

— O que faz aqui?

— Vim procurar a minha neta. — Sakura mostrou-lhe o retrato. — Viu-a por aqui?

— Hoje não, mas ainda há uns dias a vi. Ela esteve a falar com uns jovens.

— Sabe que jovens são esses?

— São meus trinetos. Fique descansada porque são bons miúdos. Não fariam mal à sua neta, Doutora.

— Não precisa de me tratar assim.

— No entanto, assim tenho. Todos temos.

— Satoru... não tinha de ser assim.

— Mas assim o foi, Doutora. Venha, está a ficar tarde. Fale-me mais sobre o desaparecimento da sua neta.

Satoru ouviu Sakura incansavelmente. A garganta já secava quando ela tentou dar uma golada de saliva.

— Beba um pouco de água. Então o que me está a dizer é que a Safira desapareceu do nada?

— Sim, isso mesmo. Eu estava em reunião quando soube do desaparecimento dela. Vim logo para aqui pois sei que, mesmo com restrições, a minha neta tende a desrespeitar as minhas ordens.

— Talvez porque tem um instinto aventureiro.

— Já sei o que vai dizer, portanto não precisa de completar.

— Ainda não superou a decisão dele? Já passaram onze anos.

— É difícil, Satoru. Estaria a mentir se dissesse que não tive de demitir trabalhadores por tocarem no nome dele. — Sakura deu um gole de água e prosseguiu. — Nem tudo o que eu fiz no passado foi bom, cometi erros que se fosse hoje não teriam acontecido.

— Porém, ficaria sem ele na mesma. Nem sempre as nossas ações impedem que algo de ruim aconteça, Doutora.

Quanto à Safira, com certeza que ela deve andar nas suas aventuras. Aqui ela não esteve.

Sakura olhou à sua volta. Foi destacando algumas bugigangas penduradas nas paredes da sala de estar. Quando se preparava para falar sobre o passado de Satoru, uma criança magra, de cabelo cor de mel, entrara a correr abraçada a um boneco de madeira.

Ao olhar para a pequena, Sakura lembrou-se de como Safira parecia um baguinho de arroz devido à sua altura quando criança.

— Quem é? — perguntou a pequena para Satoru.

Ao invés de responder à criança, Satoru levantou-se, olhou de esguia para Sakura e pegou a ínfima ao colo. Era possível ver-lhe as costas tremer por conta do pouco peso.

Quando voltou, disse a Sakura com o seu olhar implacável que era melhor ela ir embora. Sakura assentiu, levantou-se e dirigiu-se à porta.

— Desculpe, não devia ter aparecido.

— Não se preocupe, Doutora. Certifique-se que a sua neta apareça a salvo. — Satoru identificou outras expressões no rosto dela. Passava-se algo mais, algo que ela não tinha mencionado. — Aconteceu mais alguma coisa? Sabe que eu leio as cartas e a bola de cristal é minha conhecida.

— A Safira é a chave para todos os problemas que estão a ocorrer agora.

— Seja honesta consigo mesma. Nem todos os problemas conseguem ser resolvidos com o aparecimento dela.

Assim que Satoru a levou para fora de sua casa, falou-lhe da possibilidade de Safira ter ido investigar os cantos à floresta que se encontrava ao lado da aldeia.

— Mas já é tarde. Aconselho-a a voltar para a herdade e descansar. Amanhã é outro dia, Doutora. 

𝘚𝘦𝘨𝘳𝘦𝘥𝘰𝘴 𝘥𝘦 𝘚𝘢𝘧𝘪𝘳𝘢  [ 𝙀𝙢 𝘼𝙣𝙙𝙖𝙢𝙚𝙣𝙩𝙤 ]Where stories live. Discover now