Visitas no Mar

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A essa altura, eu já estava desesperada. Andei por vários minutos e nem sinal da trilha que me levaria à casa-da-caverna. Ficar com medo não adiantaria, então tudo que eu podia fazer era me concentrar no caminho. Era impossível fazer isso, já que eu estava ouvindo ruídos.

Não podem ser os meninos perdidos, eles ficaram no acampamento. Quem mais poderia estar na ilha além deles?

Outro graveto estalou atrás de mim.

— Quem está aí?

Era uma coisa bem idiota de se dizer. Obviamente nenhum perseguidor em potencial responderia àquilo.

Cheguei próxima de uma árvore e me apoiei de costas. Olhei em volta, tentando conseguir algo semelhante a uma visão 360°, porém ainda havia muitos pontos cegos ali - era uma mata fechada e escura.

Ouvi mais um galho quebrar.

Misericórdia.

O silêncio agora me preocupava mais que os sons de grama pisada e madeira rachando que ouvira antes. Sem barulho, não dava para saber quão perto de mim estava o que quer que fosse, e caso estivesse se aproximando eu preferia saber sua posição. A tensão cresceu.

— Por favor, não se assusta.

O aviso não adiantou, e dei um pulo, quase entrando em pânico. Quando me virei, Ethan estava agachado em cima de uma pedra tão grande que mesmo abaixado ele estava na altura dos meus olhos, rindo.

— Que jeito de se aproximar é esse?! — apesar de aliviada, não pude evitar minha irritação.

— Devia ter visto sua cara! — o garoto se pôs de pé na rocha. — Garota, como vai viver numa ilha assim se não se acostumar a ficar sozinha?

Ele pulou da pedra e continuou:

— Espero que Pan não se importe. Pensei que não seria legal você ficar sozinha na casa-da-caverna hoje. Tem espaço para você lá no acampamento, não estamos usando a cama suspensa hoje.

— Cama suspensa?

— Não esquenta, você vai ver. Vamos logo, antes que eu leve uma bronca por estar aqui sem avisar.

Ethan indicou com a cabeça para começarmos a caminhar. Eu estava mais tranquila agora, na companhia de alguém.

— Podemos não caminhar em silêncio? — ele perguntou. — Você deve estar com sono, mas eu queria conversar. Tem tanta coisa pra descobrir sobre a "menina perdida", você chegou faz só dois dias e sai o tempo todo com Pan. Os outros também querem te conhecer melhor.

— Não tem muito pra saber de mim.

— Ah, não? Nunca vi ninguém absorver fogo por aqui, sabe?

— Nem eu sabia que era capaz disso até ontem. — lembrar daquilo me atingiu em cheio. Eu não fazia aquilo antes, fui um experimento de Pan.

— Viu? Já é algo sobre você que não sabíamos.

A conversa seguiu. Falamos sobre as coisas da Terra que Ethan sentia falta, e aquelas que só existem na Terra do Nunca; e sobre músicas que ele lembrava - poucas - e cores e comidas favoritas de cada um. Ensinei sobre a Netflix e o Spotify e ele me contou como funcionavam os walkmans e a Blockbuster. Assuntos tão simples que me deixaram extremamente confortável ali, depois de horas tão estranhas conhecendo o desconhecido. Eu me senti em casa. Pouquíssimo tempo depois estávamos de volta ao acampamento, num cenário totalmente diferente de quando o deixei, menos de uma hora atrás.

Tudo ainda estava iluminado pelos últimos resquícios do que tinha sido uma fogueira, junto a algumas tochas e lampiões. Barris estavam no chão junto aos meninos que já dormiam, enrolados em mantas. À minha direita estava uma cabana de madeira que, pelo que contou Ethan, sempre esteve lá, entretanto eles costumam cobrir com uma capa durante as atividades do dia e por isso eu não tinha visto ainda. Baús, velas, caixotes e outros vários objetos aleatórios, tudo estava espalhado pela clareira.

NefastoWhere stories live. Discover now