Capítulo 1

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Raul

Eu tenho uma teoria, e já inicio falando sobre ela antes dessa história começar para que vocês possam compreender melhor como eu renasci, após 38 anos.

Penso que todo filho deve ser adotado por seus pais, ainda que ele tenha nascido do modo natural, gerado no ventre de sua mãe. Assim como todo pai e mãe precisam ser adotados como tal por seus filhos.

Vou explicar: Todo ser humano precisa se sentir amado e acolhido, para se sentir protegido e parte de alguma coisa importante.

Em um mundo onde se fala tanto sobre empatia e amor, mas que se vive tão pouco o que se diz, é válido salientar essa verdade. Então dê atenção para quem você ama. Tenha momentos valiosos e crie memórias afetivas com eles, pois a maior herança que você pode deixar é o seu legado.

Eu achava que em plenos 38 anos, já tinha construído o meu legado, afinal são poucos os que conseguem chegar até essa idade satisfeito, sendo dono do seu próprio negócio prosperando e que está em crescente expansão.

Na época era um mercado de médio porte, mas que já começava a tomar maiores proporções. Além disso, eu era um acionista de alto risco, amava comprar e vender ações dos mais diversos nichos fazendo com que o dinheiro trabalhasse para mim. Aos 35 anos havia chegado na tão sonhada marca de 1 milhão de reais em investimentos. O que me permitia ter uma vida confortável, mesmo que continuasse trabalhando com afinco.

Tinha realizado o sonho dos meus pais que doaram toda sua vida em prol dos seus 4 filhos. Apesar de minha mãe pegar no meu pé para que me casasse e construísse uma família, eu deixava bem claro que aos 40 anos começaria a pensar na possibilidade de juntar as escovas de dentes com alguém, contudo filhos não fazia parte dos meus planos. Principalmente depois de ter passado por um casamento desastroso. Que terminou em discórdia por motivos fúteis e que hoje eu percebo que foram irrelevantes.

Após longos 5 anos de tentativas, minha ex-esposa conseguiu engravidar, porém sofreu um aborto espontâneo. Ela entrou em completa depressão e negação, isolando-se e distanciando cada vez mais até o dia em que pediu o divórcio sem "mais" e nem "menos".

A partir daí meu objetivo foi ajudar minha família e todos os que estivessem ao meu alcance, eu era praticamente um altruísta mulherengo. Quase um lobo em pele de cordeiro, ou talvez o contrário.

Enfim, minha satisfação era essa: ajudar quem precisava e crescer profissionalmente.

Até que um dia meu mundo virou de pernas para o ar.

— Augusto, aquelas cestas básicas já foram separadas? — Perguntei ao gerente de um dos meus estabelecimentos após termos encerrado nossa reunião.

— Já sim, Seu Raul. Estão no depósito.

— Então levarei ainda hoje para aquele abrigo. Peço que selecione dois dos seus melhores funcionários para me ajudar a carregar a pick-up, eles irão comigo.

O homem anotou alguma coisa no bloco de notas de seu tablet que eu disponibilizava para as lojas.

— Aliás, me chame só de Raul. — Sorri para o senhor de cabelos negros e bem penteados que me olhava com estranheza. — Parece que não está acostumado com isso, mas aqui somos uma equipe e nós tratamos como iguais.

Peguei duas latinhas de refrigerante do frigobar que tinha em minha sala e entreguei para meu gerente que agradeceu surpreso.

— É, por onde passei o clima com a chefia era bem diferente.

— Eu sei como é. Mas é por isso que o sucesso deles é limitado. — Zombei convencido.

Abrimos em conjunto as latinhas fazendo com que o som do ar que havia lá dentro soasse em todo o ambiente. Ergui como se fizesse um brinde de boas-vindas ao novo gerente.

— Só porque não podemos tomar bebida alcoólica no expediente. — Rimos e dei uma golada sendo acompanhado por Augusto e completei em seguida: — Infelizmente.

Algum tempo depois nós já estávamos a caminho do local onde seriam entregues as doações de cestas básicas para a casa de acolhimento à criança e ao adolescente, de um bairro no subúrbio, longe de onde eu morava.

Conheci esse lugar através de uma amiga querida, Cecília, uma psicóloga que exercia sua especialização naquele abrigo.

Por onde passávamos a paisagem era totalmente oposta ao que eu estava acostumado, e mostrava uma realidade ainda mais extrema. A diferença social evidente, e atenuada com a chegada do meu carro, nada discreto, sobre aquela rua de asfalto barato.

O ódio me consumia por dentro quando eu pensava que nos políticos que pouco se importam com os mais necessitados. Pior ainda são os que falam da hipocrisia dos que estão no parlamento, mas nada fazem de diferente, sendo tão hipócritas quanto eles. Por isso eu busco fazer a minha parte, ainda que seja tão limitado.

Como era costume meu realizar essas doações, o pessoal da comunidade já me conhecia. Desde quando me divorciei, tomei a decisão de fazer algo que valesse a pena e que fosse deixar o meu legado no mundo.

— Boa tarde Raul, chegou na hora boa.

Uma senhora muito carismática, que me fazia lembrar de uma professora do primário, me recepcionou.

— Eu sempre chego na hora certa, boa tarde! — Cumprimentamo-nos entre risadas.

— Você está cada vez mais convencido.

— Verdade. Estou cada vez mais convencido de que amo esse lugar!

Recebi um abraço de urso, como se eu fosse o irmão mais velho da mulher baixinha que afundou o rosto contra minhas costelas. O que não era muito difícil se considerar minha altura.

— E como estão as coisas por aqui?

— Está uma loucura. Temos o Instituto que atende as crianças da comunidade, e o Lar que precisa de atenção 24 horas por dia. Além do mais, chegaram novas crianças para ele, transferidos de um outro orfanato, argh nem gosto de dizer esse termo quanto menos pensar no que faziam essas crianças passarem.

Notei a preocupação e tristeza do olhar de Ana, o que me comoveu. Na verdade, me contorci por dentro ao tentar imaginar as coisas que ela tinha se referido. Chacoalhei a cabeça para espantar a aflição.

— O que posso fazer para ajudar a vocês? — Toquei em seus ombros.

— Temos novos projetos para essas crianças poderem aprender coisas novas e que vão ajudá-las. Teremos muito trabalho daqui pra frente, precisamos principalmente de mão de obra, pessoas dispostas e compromissadas que as amam e não vão abandoná-las no meio do caminho... — Suspirou. Um ar pesado saiu de seus pulmões, como se tivesse desabafado.

— Eu topo. — Não pensei duas vezes, minha boca já respondia por mim sem que eu desse a ordem. Provavelmente sendo levada pela comoção que eu sentia naquele momento. — Diz o que preciso fazer. Quais são seus projetos. Materiais que irão utilizar?

— SÉRIO?! — Seus olhos brilharam com minha resposta.

— Sim, eu já disse que podem contar comigo. Não volto atrás de minha palavra.

Ana abriu um sorriso largo que iluminou seu rosto. Saltitou de alegria, e em seguida me abraçou de novo.

Meu coração se aquecia todas as vezes em que eu me sentia útil, e ter o prenúncio de que eu realizaria algo relevante para aquelas crianças me deu novos objetivos para conquistar.

Dizem que esse trabalho não é fácil, contudo, eu amo desafios. Amo me arriscar e me aventurar em algo novo.

Na época eu só não sabia a proporção que esse novo desafio iria me fazer tomar.

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O que acharam desse início?

Pai por Adoção (Amostra)Onde histórias criam vida. Descubra agora