Passado

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- Então... - Rennan ensaiou enquanto estavam sentados no sofá do salão - Como era?

- O que?

- Sua vida antes desse turbilhão pós mudança, sabe, amigos, relacionamento, família

- Ah! Você quer saber da minha história? - ela respondeu se ajeitando no sofá meio de lado de forma que ficasse de frente pra ele e apoiou a cabeça sob a mão e ele correspondeu, também se virando de lado e deitando a cabeça sob os braços cruzados

- Se não for incomodo, cada detalhe.

- Tudo bem, não vai dormir - Caitlyn riu e foi a primeira risada sincera que dera desde que se mudou, isso o impressionou. Era linda. - bom... Meu pai é canadense na verdade mas minha mãe é daqui. Ele veio estudar no Brasil, administração. Depois iria voltar pra administrar a empresa do pai. Minha mãe fez nutrição e eles frequentavam a mesma faculdade, inclusive os prédios não eram muito longe um do outro então eles se esbarravam e acabavam trocando assunto, consequentemente se apaixonando. Eu nasci aqui, no fim do mestrado deles e morei por uns 5 anos por aqui com toda a família da minha mãe, mas no fim meu pai ainda tinha a empresa pra administrar e acabamos voltando. Isso foi horrível na época porque eu era apegada aos meus parentes mas eu me adaptei rápido na cidade! Eu fiz amigos que converso até hoje e jogo junto. Nós saíamos quase todos os dias pra tomar Bubble tea depois da aula e depois passar num parque que tinha por perto. Era divertido sabe? Nos dávamos muito bem. No nono ano entrou um menino novo na sala, ele era moreno de olhos azuis tristes, o cabelo insistentemente ficava sob seu rosto, ele era alto e forte mesmo que magro. Comecei a conversar com ele porque ele parecia sozinho, mas ele evitava todos nós o tempo inteiro, não queria interagir com ninguém. Depois eu descobri que ele sofreu bullying na antiga escola e tinha medo de se envolver com outras pessoas de novo, mas acabou andando com a gente...

- Igual a ti? - Rennan lançou um sorriso calmo de canto de rosto e a menina riu um pouco, com os olhos marejados

- Acho que quase isso. No fim, eu comecei a namorar com ele no primeiro ano do médio e ficamos juntos até eu me mudar. Ele não se sentia a vontade pra um relacionamento a distância. Eu não julgo mas também é muito ruim sabe... Eu achei que ele passaria por qualquer coisa comigo. Que aquilo era mais importante. Além disso, meu pai ainda é dono da empresa então ele de qualquer forma acaba viajando a trabalho diversas vezes quando ligam por algum problema, eu teria como visitar. Mas não era o que ele queria. Jazz foi meu primeiro tudo então por isso acho que acreditei piamente na ideia de que poderíamos superar tudo. - ela sorriu tristemente - mas tudo bem, se eu voltar a morar lá quem sabe? Enfim, minha avó teve um câncer violento em estado terminal e por isso voltamos a morar aqui o que era pra inicialmente ser temporário, mas meus pais acharam que não era uma má ideia ficar de fato. Eu implorei pra voltar várias vezes e acabei sendo mandada pra terapia, agora eu tenho que ficar escrevendo em um diário sobre todas minhas questões porque ela falou que parecia o método mais eficaz de me abrir, mas isso soa tão bobo - riu encerrando a fala

- Não é bobo não, na verdade acho que é um método muito interessante!

- Ah.... Bem... Eu não sei muito como expressar ali sabe. Não é minha coisa preferida...

- Eu queria te perguntar uma coisa na verdade...

- Estou ouvindo.

- Você quer voltar para o Canadá por você ou pelo seu namorado? Quer dizer, eu não conheci a relação de vocês mas eu não acho que você deva se prender por uma pessoa que te deixou ir sem nem te fazer ficar. - A menina pareceu confusa, murmurou algo como "preciso ir para casa" e levantou caminhando rapidamente - Caitlyn - Rennan foi atrás, segurando seu braço - Me desculpa se a pergunta foi inconveniente

- Tudo bem. - ela olhou rapidamente para o braço em sinal de que a soltasse, tirou o casaco, devolveu e subiu as escadas em silêncio.

É que na verdade, ela se sentia sempre traída e deixada de lado. Ela sempre fez tudo para agradar Jazz mas não foi o suficiente para que ele estivesse com ela e ela mentiu para si mesma que era uma coisa aceitável, que era algo dele, mas ele de fato nem tentou. Seu maior desejo era que tudo voltasse a ser como era mas é impossível ignorar sentimentos negativos, é como tentar colar os caquinhos de um copo e esperar que ele continue sendo o mesmo copo eficiente de antes e que não quebre tão fácil. Seus amigos não pareciam sentir sua falta, eles pareciam mais felizes do que nunca, como se um fardo tivesse ido para longe.
A traição e o peso em seu coração iam muito além de uma relação frágil que se rompeu fácil como um fino galho. Era tudo o que englobava aquilo e além de tudo ela sentia que precisava voltar urgente para casa para não ser esquecida e abandonada para sempre. Ela sentia que se isso acontecesse ela ia perder tudo, inclusive a si mesma. Enfim, entrou no apartamento e se trancou no quarto mas mesmo assim sua mãe parecia mais aliviada.

Rennan voltou para casa igualmente transtornado e se culpando constantemente por conseguir rapidamente destruir uma relação que tinha recém começado e que parecia gerar frutos bons. Não era sua intenção. No momento em que abriu a porta de casa, deu de cara com Belinda saindo, nitidamente havia chorando. Ele tentou abrir a boca para perguntar o que tinha acontecido, mas ela já tinha sumido, correndo o mais rápido que conseguia para ficar longe. Parecia que naquele dia ele só iria destruir tudo em que tentasse tocar.

- Irmão. - Taynara estava de braços cruzados escorada na parede próxima a entrada - Como foi?

- O que?

- A menina nova. Conseguiu resgatar a princesa fujona?

- Ela já está em casa - ele riu apenas soltando o ar de forma que soava como "inacreditável" silenciosamente - O que deu na Belinda?

- Rennan... - ela coçou a cabeça e mordeu os lábios por um momento - Belinda é minha melhor amiga sabe...

- Sim, todos nós sabemos, o que tem?

- Ela gosta de você. Muito.

- Ah eu também gosto dela. É uma ótima amiga.

- Não.

- Você quer dizer... - ele sentiu como se fosse explodir e cambaleou um pouco para trás, mas conseguiu entrar e se sentar no sofá

- Ela se sentiu muito mal hoje quando você foi atrás da novata e como você fica sempre ao redor dela, insistindo como um cachorro. A Rebeca cansou das reclamações e foi extremamente direta, você sabe a opinião dela sobre a Belinda.

- Sei... - ele assentiu com a cabeça - eu não quero deixar a Caitlyn sozinha Taynara.

- Por que você segue ela?

- Eu não quero que ela passe pela mesma coisa que eu passei. - foi o suficiente para que a irmã não questionasse mas.

- Ah... E quanto a Belinda??

- O que eu posso fazer se não sinto nada por ela?

- Você já tentou?

- Esse tipo de coisa a gente não tenta. Nem força. E se for só pra deixar a pessoa feliz, do que vale uma felicidade falsa em torno de uma mentira? - encerrou e levantou, indo para o quarto se atirando na cama e levando as mãos ao rosto, junto a um profundo suspiro.

Sentia que havia estragado tudo. De novo. Tudo dava errado por sua culpa.

Caitlyn Macgiver é só uma adolescente normalWhere stories live. Discover now