Saudade

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É só uma anotação de que mais um dia de aula começou e estou indo, interesse à quem interessar. Além disso, aquele menino do grupo adolescente do prédio continua no meu pé.
Eu não quero ser levada à mal mas meu objetivo não é fazer vínculos. Hoje tem terapia depois da aula, acho que vou conversar sobre isso. Quer dizer, não que ela não vá ler o diário... mas enfim.

- ESPERA!!! - Rennan gritava, acenando enquanto corria seguindo Caitlyn, mas era quase impossível que fosse ouvido. Dos fones dela saia um som tão alto que dava para ouvir do outro lado da rua como se estivesse tendo uma festa à alguns km de distancia, em uma rua não muito longe.

- Rennan! Não vamos alcançar ela, talvez ela prefira ficar sozinha. Não força a barra. - Rebeca interviu com seu ar de maturidade como normalmente, mas o moreno não deu muita atenção. Ele correu e quase que em um salto, encostou no ombro da garota de cabelo rosa, preso em um rabo de cavalo, que virou para trás surpresa, abaixando seus fones o que deixou o som ainda mais alto, já que seus ouvidos estavam abafando uma parte considerável do volume. Rebeca suspirou.

- É que... você não quer companhia mesmo? - ele sorriu timidamente, levemente ofegante.

- Olha... você é um cara muito gentil e tal e eu aposto que devem cair muitas meninas aos seus pés por isso... sabe, gostam de caras gentis e bonitinhos, isso é comum. Não me leve à mal. Mas eu não estou interessada em fazer amizade - ela sorriu, voltando à encaixar os fones no ouvido e virou de costas novamente, largando um último comentário - Sua namorada não deve gostar de ver você correndo atrás de outra menina, não é? - e seguiu seu caminho, seguida pelo grupo que fazia o mesmo.

- Namorada? - ele coçou a nuca agora confuso, a menina de cabelo curto parecia orgulhosa de alguma coisa, ou apenas emocionada, mas isso só foi percebido por Taynara que sabia a grande e (quase) secreta paixão da melhor amiga pelo irmão.

- Rennan. - Rebeca chamou mais uma vez, com a voz ríspida - Ela acabou de se mudar, acho que deveria dar um tempo, sabe. Ela não conhece o país, a cidade, veio cuidar da avó então deve ser um problema sério, ela está longe das pessoas mais próximas, então dê um tempo. Se ela quiser amigos ela sabe exatamente onde procurar, você deixou isso claro.

- Tudo bem Beca... - o menino parecia mais desanimado com o comentário, e envergonhado - Acho que tem razão. Eu só não gosto de ver alguém sozinho.

- E isso é admirável! - Belinda se aproveitou da nítida fragilidade que se formava naquele momento para inflar o ego de seu amado - Você é incrível se preocupando com os outros, sabe. Por isso você deve ter bastante admiradoras mesmo, ela estava certa

- Eu não tenho admiradoras. Ainda bem. Eu tenho amigas que, eu acho pelo menos - ele lançou um olhar travesso para a cacheada - que se orgulham de mim e isso é o suficiente. Obrigado. Não preciso de meninas apaixonadas por mim, seria péssimo partir corações sabe. Eu não sei dizer não, mas eu não tenho interesse em ninguém agora, principalmente com vestibular esse ano. - A garota parecia murchar conforme ele falava, como se todas esperanças se esvaissem de seu corpo. Mais uma vez, percebido pela irmã dele, que demonstrou força colocando a mão sob seu ombro.

Os cinco seguiram caminho até a escola, seguindo a menina de cabelo rosa e passo firme. Digo, não seguindo, eles apenas faziam o mesmo caminho e ficavam na retaguarda, principalmente com uma pessoa ouvindo musica em um volume tão alto e nitidamente tão absorta que seria alvo fácil de assaltantes.

Chegado na escola, Caitlyn sentou em um canto na escadaria como sempre, com os fones no volume máximo e mexendo no celular, ou lendo algum livro. Como ela mexia no celular mais para falar com os amigos que moravam longe e os horários eram diferentes, ela lia livros para o tempo passar mais rápido, ou jogava TFT mobile. De que forma melhor passaria o tempo sem precisar de interações?
Acontece que o garoto bonitinho que parecia legal apesar de irritantemente insistente, não estava disposto à deixa-la em paz. Mais uma vez.

- Desculpe - ele se posicionou em sua frente, dessa vez sozinho já que seus amigos já tinham cansado da sua insistência e de ver ele sempre sendo enxotado. Mas quem sabe a insistência não funcionava uma hora? - Eu sei que é chato e tudo, entendi que não quer amigos apesar de não fazer sentido, entendi que você é solitária e tem esse ar depressivo, mas você não quer sentar comigo hoje? Quer dizer, se você sentar hoje e se vir e voltar conosco, pode ficar de fone e calada o tempo inteiro, mas eu nunca mais vou te importunar - ele coçou a nuca timidamente ciente de que levaria uma resposta grosseira ou algo assim. Mas não foi isso. Ela sorriu e tirou os fones, com o som bem mais baixo

- Eu agradeço a sua preocupação mas eu posso garantir que tudo bem e fico mais confortável assim. - Rennan apenas encarava com um certo ar de surpresa - Mas tudo bem. Se não me chamar, não me cutucar e me deixar quieta, eu vou e volto com vocês. Se quiser pode sentar comigo, mas eu sento no fundo.

- Sério? Tudo bem, sem interação! Você tem minha palavra - ele estendeu a mão em sua direção com um sorriso largo no rosto por finalmente ter tirado ela do isolamento total

- Posso confiar na sua palavra sem contato físico. Vou pra sala - Ela levantou tocando levemente na mão do garoto estendida e andando em direção à sala, o sinal acabara de tocar.

Foram os seis períodos mais longos da vida de Caitlyn. Ela pretendia apenas ouvir musica e jogar no celular, mas o menino ao seu lado não parecia disposto a aceitar isso e frequentemente fazia perguntas como "o que ta escrito ali?", visivelmente não confortável no fundo da sala.
Saindo da aula, avisou o menino que hoje não voltaria junto, pegaria outro caminho para a psicóloga, de ônibus.

Cedi. Ele é insistente e pelo menos assim, me deixa momentaneamente em paz. Ainda assim, não parece uma pessoa chata ou ruim, suas intenções aparentam ser positivas e em qualquer outra circunstância eu teria aceito a amizade mas eu pretendo conseguir sair daqui logo e voltar para casa. Pelo menos é o que eu espero.

- Você deveria dar uma chance - a psicóloga suspirou lendo as últimas frases do diário - Se tem pessoas com quem você pode formar vínculos você deveria aproveitar, sabe. Entendo que cresceu em outro lugar e que sente falta, mas isso não vai te fazer voltar de fato. Ficar aqui e aproveitar sem sofrimento pode ser ótimo, você não está nem dando chance.

- Se eu criar vínculos vou incentivar meus pais à se mudarem definitivamente para cá

- Não é uma coisa totalmente negativa, é só um conselho e precisa decidir o que fazer com ele. Acho que esta perdendo tempo enquanto poderia aproveitar e sair com um grupo novo de amigos. Conhecer pessoas novas é sempre bom.

Caitlyn já saia melhor da terapia repensando suas ações e como o tempo que passaria no Brasil seria péssimo sem ter amigos para fazer coisas. Ficar ate o fim do ano sem ter companhia para um cinema por exemplo, era entediante.

Querido diário, acho que gosto mais de você. Acho muitas coisas agora e espero não mudar de ideia. Vou dar uma chance e fazer amizades novas, elas nunca substituirão as antigas, mas vou enlouquecer sozinha por tempo indeterminado. Quem sabe?
Eu só sinto falta de casa e de todos. Isso dói.

Caitlyn Macgiver é só uma adolescente normalWhere stories live. Discover now