Como (não) ser Aerith Gainsborough

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Chega um momento da nossa vida que dar de cara, literalmente, no chão se transforma em uma forma bem ridícula de morrer em vez de um acidente comum do cotidiano, sobretudo para quem não possuía o meu carma para catástrofes. E tinha certeza absoluta que a pancada que recebi direto na testa me nocauteou a ponto de, à princípio, deduzir que estava delirando e que me prenderam no purgatório pelas atrocidades que cometi em vida, uma lista extensa de maldades: como comer doces escondidos e acordar meu irmão com um balde de água quando era uma criança travessa e criativa e que as entidades divinas que teciam a trama do destino humano resolveram que minha hora chegou. A decepção me socou direto no estômago ao me dar conta que minha vida não passava de uma piada de mal gosto de algum comediante decadente.

Claro que acordar e ser recebida pelo protagonista fofo, forte e com uma carinha linda sempre fechada, do jogo Final Fantasy VII parecia um ponto positivo a considerar no mar de azar, porém, não podia me dar ao luxo de uma folga quando meu destino que guiava à um caminho cruel de morte e solidão, uma realidade triste que não permitirei que se cumpra.

Não sabia como bolar um plano infalível para voltar pra casa antes de me ferrar, precisava estudar profundamente minhas opções e avaliar minhas condições atuais. Primeiro: minha queda magicamente me trouxe ao universo de um jogo, o que seria, em vários âmbitos, impossível. Segundo: sou a personagem que vai ter que morrer pra salvar o mundo. Pelo que recordava do jogo clássico, Aerith é morta pelo Sephiroth ao convocar a magia Holy para evitar o impacto do meteoro que devastaria o Planeta à um nível que ele não conseguiria se recuperar. E dependendo de onde me encontrava agora, tinha pouco tempo para fazer algo a respeito desse final terrível.

Cloud ainda aguardava uma reação minha para se certificar que estava bem. Como uma pessoa discreta que sou, encarei ele com a típica expressão de tranquilidade e sorri, na verdade, comecei a rir de nervoso, aquelas gargalhadas induzidas pela mistura de ansiedade e medo que te faz parecer mais surtada do que você pretendia demonstrar.

– Aerith, tem algo errado? – Cloud indagou com cautela.

– Claro que não, Cloud – os espasmos ocasionados pelos risos ainda marcava presença, oscilando em minha voz como se estivesse soluçando. – Acho que vi uma barata e me assustei.

– Uma barata? – ele repetiu não muito convencido com minha desculpa esfarrapada. – Quer que eu procure?

– Oh, você é um doce, Cloud – abracei ele com toda força que tinha, até aspirando um pouco o cheirinho dele, embora fosse uma mistura de couro e terra. – Muito fofo – cantarolei, aproveitando cada segundo do contato para que quando voltasse, pelo menos, vivesse com a memória fresca desse momento.

Um pigarreio me arrancou da minha fantasia, fazendo com que a ficha caísse: estava no corpo da Aerith e agir assim tão estranhamente não era do feitio da personagem. Ainda que, no jogo, ela flerte e brinque bastante com o ex-SOLDIER, não ultrapassava a linga tênue de invadir direto seu espaço pessoal sem motivo. Prontamente me afastei de Cloud, sentindo a perda de calor me afetar mais do que deveria.  

– Desculpe, desculpe! – gesticulei exasperada.

Cloud inclinou um pouco o rosto como se não quisesse me olhar, o que me deixou meio desanimada e arrependida pela minha ação impetuosa. Ele me fitou apenas para avançar na averiguação dos limites do quarto em busca da tal barata.

– Talvez ela tenha ido embora – comentou, dando uma última verificação debaixo da cama. – Não se preocupe.

– Obrigada, Cloud! – troquei de roupa e segui para fora, encontrando os demais personagens da trama: Tifa, a peituda lutadora, e Barret, o pai mais bacana que uma garotinha de quatro anos gostaria de ter.

– Aconteceu alguma lá em cima, Aerith? – Tifa perguntou com preocupação bastante evidente. – Ouvimos um grito seu.

– Ah, não foi nada – dei uma risadinha para disfarçar minha falta de argumentos para explicar meu ataque minutos antes.

– Tem certeza?

– Sim, sim! – forcei meu melhor e mais convincente sorriso.

– Ah, então tudo bem, preparei algo se quiser comer – mostrou um amontoado de biscoitos que pareciam apetitosos, o que acionou meu estômago com um ruído alto e embaraçoso.

O silêncio sepulcral me paralisou no lugar, mesmo com o olhar doce da Tifa, não consegui me mover sem me sentir constrangida. Cloud estava comendo algo que não identifiquei e Barret estava bebendo algo sem se importar muito com o ocorrido.

– Fique a vontade, Aerith – ainda precisava me acostumar que nesse mundo meu nome é Aerith Gainsborough e que, até arrumar uma forma de retornar ao meu original, não posso sair desse papel. Por sorte, em termos de personalidade, eu e ela somos quase identificas, mesmo que eu não seja graciosa e doce assim. De todo modo, deveria traçar um plano para escapar ilesa da minha morte e, ao mesmo tempo, impedir a destruição causada pelo Sephiroth e talvez, com meu conhecimento prévio, tenha uma vantagem para passar em determinados lugares e alternar alguns fatos.

Sentei perto de Cloud que parou de comer com minha aproximação, mas logo retomou quando percebeu que só me uni a ele para também encher a barriga.

O chato é que eu não tinha como perguntar diretamente sobre onde estávamos sem que ninguém estranhasse e por não ter nenhuma lembrança anterior da Aerith para me nortear, estar perdida seria, certamente, o menor dos meus problemas. Provavelmente saímos de Midgar e estamos em uma cidade cujo nome não recordava, ou seja, no começo do segundo disco. Se minha suposição estiver correta, não desfrutaria de um período muito longo para desfazer essa morte programada.

Bati a cara na mesa sem querer ao apoiar meu braço na beirada da mesa, trazendo a dorzinha de volta como uma velha e inconveniente companhia.

– Aerith, você está bem mesmo? Você tem agido estranho – Cloud mantinha aquela atmosfera de cautela, contudo, dava para ver sua preocupação comigo.

– Não se preocupe, só não sei o que fazer agora.

– Eu entendo. Você se acostuma.

– Claro que sim, afinal tenho meu guarda costas comigo, certo? – arrisquei uma frase que Aerith diria e o soldado corou levemente, desviando o olhar.

– Certo – confirmou austero.

Com o pouco que deu para notar, vou montar um esquema indireto para resolver o impasse com Sephiroth e salvar geral, só precisava saber como fazer isso funcionar.

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⏰ Last updated: Aug 15, 2020 ⏰

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A Menina da Fita RosaWhere stories live. Discover now