IV

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Demorei, mas cheguei com um capítulo ótimo hehe. Espero que gostem! <3

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                Depois de retirar a tala, fiquei duas semanas em casa, sozinho. Evitava beber muito – e, consequentemente, sair para comprar bebida – porque havia decidido implementar hábitos um pouco mais saudáveis, já que vi que o isolamento social não passaria rapidamente. Eu realmente gostava de ficar sozinho e dei uma leve risada ao pensar nos meus receios de quando era mais novo... Tinha medo de desgrudar da família, medo do mundo, da solidão, dos eventuais problemas que fossem aparecer e que eu não me achava capaz de lidar com. Entretanto, a partir do momento que fiquei mais independente, tudo isso foi substituído por autoconhecimento e saber apreciar o silêncio, a quietude de viver só.

Apesar disso tudo, a insegurança ainda vivia, incessantemente, no meu âmago. Uns dias mais presente e em outros – raros – quase ausente, o medo de não corresponder às expectativas tanto minhas quanto dos outros era algo que me atormentava. Obviamente, sei que com terapia tudo isso seria muito mais fácil de lidar, mas eu ainda era um pouco fechado para esse tipo de coisa, meu orgulho falava mais alto e afirmar para mim mesmo que estava conseguindo lidar era muito mais fácil do que realmente enfrentar o problema... Tudo isso em nome de uma falsa autoafirmação de que estava tudo bem, a fim de suprir meu pequeno ego, meio fragilizado pelas intempéries da vida.

Enfim, deixando de divagar, tudo começou no dia em que eu botava um pouco de água nas minhas plantinhas – de clima semiárido, pois as resistentes eram as únicas que sobreviviam aos meus precários cuidados – calmamente, até escutar meu telefone tocar. Interrompi minha tarefa, já suspeitando de que seria algo urgente, porque ninguém mais faz ligações nos dias atuais... É só mandar uma mensagem no WhatsApp e esperar o outro responder. De fato, minha teoria foi comprovada assim que botei o aparelho e ouvi a voz de meu chefe, que pedia minha ajuda para achar uma papelada importante na empresa.

Prontamente coloquei as roupas necessárias, peguei minha máscara e saí do apartamento. O dia estava meio calmo e tinha poucas pessoas na rua, e em poucos minutos eu já estava no meu escritório, buscando os papéis. Enquanto buscava, percebi o motivo do meu chefe abdicar da tarefa e mandar outro alguém fazer, porque acabei levando mais tempo que o esperado para achar. Assim que terminei, olhei meu relógio e notei o atraso. Decidi passar pelo McDonalds, porque minha vontade de fazer o almoço já não era tão grande quanto no início da manhã.

Assim que fiz meu pedido e entrei na fila – agradecendo por não precisar reclamar mentalmente de alguém que não estivesse mantendo a distância necessária -, aguardando meu lanche ficar pronto. Para mim, o conceito de fast food havia se perdido em algum momento na trajetória de todos os estabelecimentos, porque o que demorava ali simplesmente não era pouco.

Meus pés de sedentário já doíam, a barriga roncava e a vontade de sentar em alguma cadeira era gigante, mas me contive. O máximo que poderia fazer para mudar a situação era olhar para os funcionários levemente atrapalhados com cara de bunda e tentar sinalizar na minha expressão o quanto eu precisava daquele lanche. Além disso, a máscara me atrapalhava e meu nariz coçava. Tinha que ser muito forte para conter os instintos involuntários de mexer no olho ou a boca o dia inteiro. Ao pensar nisso, lembrei de Frank e sua carreira na medicina, sentindo uma – leve – admiração pelo que ele fazia, e supus que um pouco da sua habitual carranca fosse por ter que aguentar isso diariamente.

- Eu juro que se voltar a falar com ela, Ray, eu dou um soco na sua cara. – Eu ajeito minha postura enquanto tento me focar na conversa ao lado e em como a voz arrastada e grossa parecia ser justamente a de quem eu estava pensando ser. – Não tenho paciência pra esse tipo de coisa. Você foi trouxa, aceite.

quarantine • frerardWhere stories live. Discover now