Capítulo 6 Feridas e Promessas

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Lucy acordou subitamente, com o peito angustiado. Precisou de um tempo para compreender que não estava mais em seu quarto. Estava numa cama de dossel de tamanho assustador, que comportaria pelo menos dez pessoas ao seu lado. A madeira era escura e polida, e as cortinas de veludo vermelho e fios dourados. Além da cama, o cômodo era maior do que seis casas, suas paredes de pedra, seus adornos do século XVI.

Ela esforçou-se para lembrar da noite anterior. Tudo parecia um sonho febril. Ela recordava-se do desejo fervoroso que apossara-se de seu corpo, incapacitando seus pensamentos racionais. Lembrava-se de ter feito o convite em voz alta. O Conde! Depois disso, tudo era escuridão.

Lucy saiu da cama e correu até as portas de madeira. Tentou abri-las, sem êxito.

— Por favor! — Berrou, sua preocupação com a família crescendo a cada segundo. — Abra a porta!

Não houve som como resposta.

Lucy sentiu frio e voltou para a cama, cobrindo-se com as peles macias. O que eu fiz? O pensamento fez seu estômago contrair. Tudo era culpa dela. Havia sido fraca, sabia daquilo agora. Mesmo assim, suas bochechas coraram de raiva pelos pais, por terem contribuído tanto para que ela fosse alvo do Conde. Sentia falta deles, e sabia que em seu lugar teria feito a mesma coisa. Mesmo assim, saber que havia sido moeda de barganha ainda no ventre da mãe era dolorido.

Lucy procurou ódio pelo Conde em seu coração, mas também não encontrou. Em nenhum momento ela sentiu que ele tinha intenções de machucá-la. Em nenhum momento ele a tocou sem que ela tivesse deixado claro que o desejava. Recuperou, ao olhar para as pinturas enormes penduradas nas paredes daquele quarto, uma memória da noite anterior. Assim que dissera "entre, Conde", percebeu o homem materializado ao pé de sua cama. Ela antecipara seus beijos e seus toques, mas ele apenas fez um gesto de mão. Enquanto as pálpebras de Lucy começavam a pesar, ela notou o brilho da chama da vela nos lábios sensuais do Conde quando ele disse:

— Durma, minha bela. Ospróximos dias serão interessantes.

***

Rosamund embrulhava pão e mel numa trouxinha quando Drake entrou na cozinha. O marido não havia dormido na noite anterior, mas ela também não. Apesar de tudo, Rosamund, que já conhecia a realidade das mulheres, levantou-se e em vez de se entregar ao pranto e desesperança como os homens da casa, decidira continuar vivendo, já que tinha dois filhos que precisavam dela. Homens são fracos, pensou, lutando contra as lágrimas, e é por isso que as mulheres sofrem tanto.

— Vais levar comida àquele imbecil?

— Sim. Aquele imbecil era até há pouco seu amigo, e é o noivo da nossa filha. Se ele errou ontem à noite, foi por amá-la, e não o julgarei por isso.

Drake resmungou algo e saiu da cozinha. Ela o ouvir arrastar os pés até o quarto e fechar-se lá. Também ouvia Adam e Fernand brincando com os animais do lado de fora. Rosamund engoliu as saudades da filha e o medo do que viria a acontecer com ela, e saiu de casa.

***

Mia Venketa a cumprimentou com um abraço demorado e perfumado. Rosamund chorou no ombro da velha amiga, que depois de um tempo secou suas lágrimas com a barra da manga e a guiou gentilmente para dentro da casa.

Rosamund tinha boas lembranças dos cheiros das ervas daquele lugar. Havia parido os três filhos na tenda vermelha de Mia Venketa, ao som dos cânticos e tambores das outras mulheres nielenses. Sim, ela se lembrava das dores. Mas elas haviam sido passageiras. O ritual do parto fora, em muitos aspectos, agradável para ela.

Mia não falou nada ao abrir uma cortina e revelar Asper, deitado em peles e com o torso enfaixado. Ele suava, efeito dos remédios de Mia.

— Não, Rosamund — ele falou entre dentes — Não mereço sua bondade. Não fui capaz de-

— Por favor, cale-se, Dr. Harper.

Ela sorriu, triste, e ajoelhou-se ao lado dele no chão. As ataduras eram novas, sinal de que Mia já havia trocado o curativo naquela manhã. Rosamund pegou uma mão dele com ambas as suas.

Asper virou o rosto, cheio de vergonha.

— Drake me contou tudo. Você tem sorte por estar vivo, Dr. Harper. Me ouça, todos somos culpados pelo que aconteceu a Lucy. Eu, por ter sido fraca na minha juventude. Drake pela escolha que fez. E a própria Lucy, que foi tão suscetível aos encantos do Conde quanto eu. Mas não você. Você não fez nada de errado.

— Eu quero Lucy de volta, Rosamund. — Ele sussurrou para as sombras. Finalmente encarou a mulher.

— Ninguém que isso mais do que eu. O que sugere que façamos?

Os dois olharam para Mia, de pé diante deles. A mulher corpulenta suspirou ao falar:

— Eu não sei se há chances de Lucy voltar. Não sabemos o suficiente sobre o Conde e o que mora naquele castelo.

— Se ele tivesse um exército, já saberíamos. Seus soldados teriam que sair do castelo para colher e caçar. Já teríamos visto alguém. Certamente o Conde mora só.

Mia assentiu.

— Mas olhe seu ferimento. Você viu que ele tem poderes de comunhão com a natureza. Controla lobos e árvores. E se é capaz disso, quem dirá que não tem poder sobre as tempestades, os mares, e bestas ainda maiores e mais ferozes?

Rosamund falou:

— Nenhum soldado ousaria enfrentar um oponente sem conhecer a extensão de suas forças, Dr. Harper.

— Eu não sou um soldado, Rosamund. Sou um médico e um noivo. — Ele fez força com o abdome para poder levantar-se, mas logo trincou os dentes e gemeu de dor. Mia correu para seu lado e o forçou a deitar-se.

— Você precisa de alguns dias para a ferida fechar. — Ela insistiu.

O homem estava claramente angustiado.

E então olhou para Rosamund. — Prometo-lhe, mãe da minha noiva. Eu vou usar minha cabeça durante esses dias de recuperação. Eu vou usar a ciência. Vou encontrar uma maneira de resgatar nossa Lucy.

Prometida para o CondeOnde histórias criam vida. Descubra agora