Ele saiu primeiro, com uma de nossas mochilas, fui logo em seguida carregando a outra. Desmanchei a barraca, entregando a ele que logo tratou de tirar todo o seu ar, comprimindo-a o máximo que podia, tanto para não pesar quanto para ocupar menos espaço dentro de sua mochila. Suas habilidades vinham a calhar com esse tipo de coisa.

Apanhei os objetos que havia deixado perto da árvore rapidamente, guardando-os comigo.

Olhei ao redor, certificando-me de não ter nenhum rastro de que alguém esteve por aqui.

— Vamos — digo e começamos a andar em direção a boca da floresta, para darmos o fora o quanto antes.

Como ainda estava escuro, ligamos nossas lanternas, Miles se mantinha ao meu lado e eu não o deixaria ir tão longe, mesmo se quisesse.

Após seus pesadelos, ele fica inquieto e se assusta facilmente, por mais que não demonstre. Bom, confesso que ele sabe mascarar isso muito bem, nem eu saberia se o mesmo não tivesse me contado sobre esse detalhe.

Depois de um longo tempo de uma caminhada em silêncio, apenas ouvindo o som de nossos passos batendo contra a terra ou vez em outra quebrando pequenos galhos sobre nossos pés, ele coça a garganta:

— Sabe... — começou e eu fiquei atenta as suas palavras, não o interromperia para que não perdesse a coragem do que estava prestes a me dizer.

— Um dia meu pai havia saído por dois dias e acho que foram os únicos em que tive paz por tanto tempo no lugar em que chamava de casa.
Senti um arrepio percorrer pela minha espinha e por instinto peguei a sua mão, entrelaçando nossos dedos, para lhe transmitir forças, se é que era possível. Então, continuou:

— E quando ele chegou, estava com um cheiro muito forte de bebida impregnado em seu corpo e lembro-me bem até hoje a marca do vinho em que carregava nas mãos, porque... — sua voz vacilou e eu apertei ainda mais sua mão contra a minha. Ele apertou seus olhos e quando os abriu novamente, estava distante, voltando ao passado, para aquela cena que o atormentava até os dias de hoje.

Engulo o seco, tentando me estabilizar para ouvir o resto.

— Porque ele... ele a quebrou na minha cabeça por eu simplesmente estar na sua frente, poderia ter morrido naquela noite, se minha mãe não tivesse cuidado de mim. — soltou uma risada sem graça. — Mas não pense que foi porque ela sentiu pena.
Ela simplesmente não queria responder perguntas de como, misteriosamente, eu apareci morto na sala de casa e também porque me consideravam bem útil ao roubar as pessoas na cidade-grande, eles simplesmente não poderiam perder esse privilégio. É, ela deixou bem claro isso enquanto fazia o curativo — respirou fundo, parecendo cansado, mas ao mesmo tempo aliviado de não estar mais sob a custódia deles.

— Sinto muito mesmo, Miles.

É a única coisa que consigo pensar para se dizer.

Ele me lançou um sorriso amarelo.

— Hoje sonhei que ele tinha conseguido me matar de verdade... com o meu sangue impregnado naquele chão sujo e nas mãos dele, os seus olhos vibravam de emoção ao me ver caído, sem vida... Foi horrível — parei de caminhar subitamente vendo a entrada da floresta, Miles se virou para mim com o cenho franzido.

Me agachei para ficar de sua altura e o fitei no fundo dos seus olhos castanhos claros, quase como mel.

— Eu prometo que o seu pai nunca mais encostará um dedo sequer em um fio de cabelo seu — ergui meu mindinho para ele, que piscou algumas vezes, tentando se recompor, então enlaçou o seu no meu.

Demos um sorriso cúmplice um para o outro e beijei-lhe a testa.

— O que você quer para o café da manhã? — perguntei, para descontrair.

Prisão Elementarius Where stories live. Discover now