Conto 4 - Presente de Natal - Rô Mierling

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Presente de Natal

Rô Mierling

 Ela saiu tarde do consultório. Estava triste, cabisbaixa e com frio. Ela sempre gostou do frio, do inverno, mas naquele inverno especifico ela estava triste. A cidade cheia de luzes não era suficiente para deixá-la animada.

- Você precisa entender que não se pode fazer muito, infelizmente não deu certo – disse o ginecologista.

E Isabel chorou.

Era um choro sentido, doloroso que mostrava a quem visse, o quanto ela sofria. Ela caminhava pelas ruas sem rumo. Seus olhos estavam inchados e ela se abraçava por causa do frio. As pessoas passavam apressadas por ela e ninguém sentia sua dor. Ela pensou em ligar para John, seu marido americano que havia trazido ela para os EUA há cinco anos. Mas ele não poderia entender a profundidade da dor que ela sentia.

Eles se conheceram no Brasil, em um final de ano. Apaixonaram-se e como ele estava de férias, não tiveram muito tempo para se conhecer. O restante do namoro foi via internet e telefone. Cinco meses depois de se conhecerem, ele voltou ao Brasil e a pediu em casamento. Ela largou a faculdade de Direito e disse SIM.

Ele era um médico conceituado nos EUA e comprou para eles uma linda casa. Mobiliaram com detalhes exóticos nas terras tropicais e receberam os amigos em uma linda festa. O casamento foi um evento memorável e hoje a casa deles guardava lindas fotos emolduradas pelas paredes de instantes especiais daquela noite.

Isabel é feliz, no entanto em algum lugar dentro de si existe um espaço não preenchido que pede por algo mais. Isabel quer ter um filho. John também quer, mas não com tanto afinco quanto Isabel.

Eles fizeram todos os exames necessários, todo tipo de análises, mas depois de muito tempo, foi diagnosticado de forma concreta que ela não poderia ter filhos. Tentaram inseminação artificial, em vão. E naquela tarde o médico tinha jogado por terra a última esperança de Isabel. Não foi possível a tentativa de realizar o sonho de Isabel e ela se sentia oca, vazia, inútil.

Muitas pessoas tinham filhos, muitas os jogavam até fora, mas parecia que Deus tinha negado a ela o direito de ser mãe. E a tarde caia, fria e solitária. Pessoas correndo apressadas rumo a suas casas, querendo comprar mais presentes, impressionar, causar efeitos e fazer feliz. Mas não Isabel. Ela não estava sendo feliz.

E caminhando sem rumo, ela percebeu que estava no parque. Onde algumas mães balançavam seus bebês em carinhos de múltiplas cores. Mesmo sendo frio e ameaçando nevar, por falta de opções ou de espaço nos apertados apartamentos, muitas mães ainda se destinavam ao parque como alternativa para uma nova opção de lazer para seus filhos.

E ali Isabel sentou e pensou em sua vida. Era feliz no casamento, não trabalhava fora, cuidava apenas da casa, fazia ioga, inglês e dava muito amor a John, que por sua vez retribuía com muito carinho. Para Isabel era o “ninho” perfeito para uma nova vida nascer e crescer. Mas o destino não pensava assim, ou ao menos Isabel achava que não.

Ela ficou sentada naquele banco durante horas, sentindo frio por dentro e por fora, e não percebeu que o dia se foi e a noite chegou. John, em casa, já preocupado, ligava para o celular de Isabel, que por sua vez, ignorava o toque, sendo consumida por sua dor.

Quando Isabel deu por si, a noite já era adiantada e não havia muitas pessoas por ali. Ela ciente do perigo de estar ali isolada, levantou-se e caminhou rumo ao portão principal de saída do parque.

Mas antes de chegar lá, ela sentiu uma sensação estranha, como que um toque de alguém. Ela parou, olhou para trás, para os lados, mas não viu nada significante. Continuando a caminhar, de novo ela sentiu como se uma mão a retivesse. Ela parou e olhou de novo em volta e dessa vez algo chamou sua atenção atrás de uma arvore mais afastada. O frio era cada vez mais cortante e assolador. Ventada um pouco e a neve se insinuava em pequenos flocos.

Isabel se dirigiu para perto da árvore e tentou ver o que era que estava chamando sua atenção. Ela viu um pequeno pacote. Era feito de panos e jornais. Ela deduziu que era apenas lixo e que o tremor dos panos era devido ao vento que ficava cada vez mais forte soltando assovios por entre as árvores.

Ela decidiu ir embora, mas antes que virasse as costas para a árvore e seu estranho embrulho, ela escutou um ruído e não contendo sua curiosidade aproximou-se mais do pacote e se abaixando tentou abri-lo, mas antes que o fizesse, ela escutou um choro agudo e lastimoso.

Isabel deu um pulo para trás e quase saiu correndo. Mas a mesma mão ilusória que a conteve evitando que fosse para casa, segurou-a novamente e ela, contendo seu medo, dirigiu-se de vez ao pacote e o pegou no colo. A surpresa de Isabel foi ainda maior que antes.

Era um bebê. Ele estava quase roxo e gritava sem parar.

Isabel o segurou perto do peito e o cobriu com as abas de seu casaco. Ela olhava para ele, sorria e chorava, simultaneamente. Andando apressada, ela correu para casa.

John a recebeu preocupado e ficou apavorado quando viu aquele frágil bebê. Uma ligação dele para alguns amigos e ele recebeu autorização para ficar com a custódia do bebê até depois do feriado de Natal quando então deveria levá-lo para uma instituição pertinente que decidiria o destino final do bebê.

Foram os dias mais felizes da vida de Isabel. Um Natal lindo, maravilhoso, o bebê se acalmou, foi alimentado, aquecido e logo estava de colo em colo soltando risadinhas de alegria como que sentisse o amor que estava naquela família. Os parentes de John estavam nas festas natalinas e até mesmo a mãe e irmã de Isabel vieram do Brasil para comemorar o Natal.

E todos tinham no coração uma única certeza: Isabel recebera um lindo presente de Natal e John sendo um medico conceituado, faria de tudo para que o pequeno bebê ficasse nos braços dela para sempre.

Eu, Você e o Natal - Contos inesquecíveisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora