Prólogo

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"Ele olhou dentro dos meus olhos. Sabia que não havia saída para aquilo. Em seu olhar, percebi que ele carregava culpa por tudo o que estava acontecendo. Não estava pronto para me dizer adeus, nem eu a ele. Lentamente, abaixou o rosto e cerrou um punho. Vi suas pernas tremerem, e por pouco não caiu de joelhos. Respirou fundo, mas não conseguiu resistir. Sua cabeça se inclinou para o lado, e pela primeira vez pude ver lágrimas caindo dos olhos de Peter Pan. Com a voz falha e rouca, quebrou o silêncio.

— Eu sabia que você ia acabar mudando tudo."

{...}

Suspirei. Já eram quase 4h da manhã e eu ainda estava acordada, lendo aquela história pela sétima vez, já deitada. Escorreguei a mão pela capa verde do livro, aproximei-o e cheirei as folhas, já gastas de tão folheadas. Admirei mais uma vez as letras cursivas que desenhavam o título "Peter Pan". Deixei o livro de lado, colocando-o no chão bem ao lado da cama. Ajeitei meu travesseiro e apoiei minha cabeça nele, puxei as cobertas mais para cima e tirei minhas meias debaixo do cobertor. Fiquei olhando para o teto por um tempo, o sono querendo me fazer dormir, mas minha cabeça insistia em pensar na história do menino que não queria crescer.

Desde pequena esse é meu conto favorito, e todas as noites antes de dormir, com o sono já me afetando, meus pensamentos gostam de me convencer que é tudo verdade. A Terra do Nunca, Peter Pan, os meninos perdidos... Ah, quem dera fosse mesmo. Escapar desse mundo seria perfeito.

Olhei apenas por um instante pela janela, que deixava passar a imagem de um céu quase limpo de estrelas (culpa das fortes luzes da cidade), mas, numa luta por atenção, alguns pontos luminosos ainda se salvavam na noite escura, conseguindo se manter brilhantes no céu.

— Uma parte de mim realmente acredita. — eu disse, num cochicho.

Bocejei e fiquei deitada naquela direção, ainda admirando a vista da janela do quarto. Fechei os olhos e senti um vento gelado no meu rosto. Abri um dos olhos e vi que havia esquecido a janela entreaberta. Não quis me levantar, afinal a noite não estava muito fria. Apenas puxei a coberta até a cabeça e respirei fundo.

Foi um pouco antes de adormecer que senti um arrepio. Tive a impressão de que não estava mais coberta, mas não me incomodei. Alguma coisa macia, leve, parecia envolver meus braços. Devo ter adormecido ali mesmo, pois o que senti depois lembro-me apenas como num sonho: eu jurava que estava no ar, flutuando na noite lá fora, voando no céu escuro da cidade.

Só descobri que não era sonho quando já era tarde.

NefastoWhere stories live. Discover now