Capítulo 3

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Sabe a sensação de ser maldoso ao dar um fora em alguém que não tem a mínima culpa pelo que você está sentindo? Dizem que aquela história de "não é você, sou eu" é a desculpa mais esfarrapada e clichê para se afastar de alguém, mas quem diria que eu terminaria por entender o significado da tal frase? Agora eu entendo completa e perfeitamente.

A pessoa pode ser bonita, gentil, educada, carinhosa, divertida, e sei lá o que mais, tudo junto num pacote, mas se não for a pessoa, todas aquelas qualidades não vão servir de nada. Mas a culpa não é dela se você é um idiota que não consegue enxergar todos aqueles adjetivos. Ela não fez nada errado, pelo contrário. Você foi o único que fez tudo errado e não quer meter quem quer que seja no meio da sua confusão de sentimentos ou falta de vontade de se envolver num relacionamento. Aposto que todo mundo já se sentiu assim pelo menos uma vez na vida. E por que é tão difícil assim de entender a frase "não é você, sou eu"?

Óbvio que esse não é o tipo de coisa que eu diria para a garota que está me esperando numa das mesas do bar onde estou agora. Eu a conheço há, vejamos... Duas horas, no máximo? Por Deus, é muito dramático. O que eu estou sentindo agora é exatamente isso, de ser o culpado por não conseguir me interessar naquela garota, mas não é o que se diz para alguém que se acabou de conhecer. Na verdade, como dou um fora em alguém que acabo de conhecer?! Droga.

O que me resta a fazer é pensar num jeito de afastá-la, mesmo que esteja sendo um covarde. Nunca vai haver uma forma gentil de se dar um fora, então que ao menos seja sutil. Sei lá.

Ainda estou dentro do banheiro, acho que já faz uns quinze minutos. Provavelmente estão pensando que estou passando mal. Espera...

Pego o telefone e ligo para Jack. Ele atende no segundo toque.

- Jack?

- Não, o operador de telemarketing, em que posso ajudá-lo? - Posso imaginá-lo revirando os olhos do outro lado da linha. - Claro que é o Jack, idiota! Por qual motivo do além você está me ligando?

- Só saia daí - Digo e posso escutá-lo pedindo licença da mesa. - Seguinte: Eu não tô nem um pouco afim de ficar com Amanda.

- Fala sério! Argh, você tá falando sério - Fico em silêncio. - Tá, e o que quer que eu faça, imbecil?

- Diga que... - Deus, isso vai ser vergonhoso. - Eu tô passando mal. - Jack rompe numa gargalhada do outro lado da linha.

- Tu é hilário, Dan! Nunca pensei que daria o fora numa garota daquelas e a faria pensar que tava se acabando no banheiro! - Ele continua rindo e devo estar vermelho de raiva com aquela situação constragedora. Vou ser alvo de chacota até o fim dos tempos depois dessa. Assinei minha sentença de morte. - Você que pediu, hein? A gente se encontra na porta dos fundos.

Finalizo a ligação, agora pensando em como faço para chegar à porta dos fundos. Se eu for até a cozinha, Amanda vai me ver no meio do caminho e notar algo errado no fato de eu estar indo naquela direção. Apesar de não querer nada com ela, também não quero jogar isso na sua cara. Ela passaria o resto da vida contando para todas as amigas: "Acredita que eu estava com esse cara e ele simplesmente fugiu pela porta dos fundos do bar?". Bom, eu sei que tá bem na cara que estou sendo um cretino, mas falando desse jeito soa muito pior.

O que eu posso fazer agora?

O banheiro não possui uma mísera janela. Coloco a cabeça para fora deste - Amanda não consegue me ver daqui - e percebo que há um primeiro andar. Deve haver uma escada de emergência lá em cima que dê para o lado de fora. Sem que ninguém me note, subo as escadas em espiral que vão para o primeiro andar, dando de cara com um segurança assim que piso no último degrau. Solto um suspiro antes de encará-lo. Quão difícil ia ser minha noite?

- Área privativa aqui em cima, rapazinho. Cadê sua pulseira? - Ele pergunta com aquela voz grossa, típica desses seguranças assustadores, me encarando por detrás das lentes dos óculos escuros. Juro que nunca entendi a necessidade de usá-los num lugar escuro como aquele. Para bancar o intimidador, imagino.

- Eu, er... Só estou procurando o banheiro. A fila lá embaixo tá enorme - Arrisco com a primeira mentira que me vem à cabeça. Será que cola?

O segurança me analisa por um instante e tenho de evitar engolir em seco. Só falta me expulsarem daqui.

- É por ali - Aponta com a cabeça na direção de uma porta e eu agradeço prontamente. Quando já estou suficientemente longe, me permito suspirar aliviado. Por pouco! Agora eu, com minha mente brilhante, teria de pensar em um jeito de encontrar a escada de emergência. Mas como?

Entro no banheiro, procurando pela janela, encontrando-a logo em seguida. Ao enfiar a cabeça ali, não avisto nenhuma escada de emergência. Cadê a segurança desse lugar? E não pensam nos coitados fugindo de encontros desastrosos?

Ainda com a cabeça do lado de fora, noto que estou logo acima da porta dos fundos. Tão perto e tão longe do meu destino final. Há várias caixas grandes de lixo lotadas encostadas na parede e um súbito pensamento me vem à cabeça. Acabo de ter uma ideia. Eu estava mesmo disposto a fazer o que iria fazer agora? Tinha de estar.

Hora de ter nervos de aço, Daniel. Okay, lá vamos nós. Eu estou mesmo preparado? Céus, que experiência. Tá, vou deixar de enrolação.

Abro a janela e o ar frio da cidade me toma novamente. O que vai vir em seguida é bem pior. Ergo-me e sento no parapeito, pensando no quanto a minha situação consegue ser ridícula. Bom, sempre dá para viver uma aventura e contar para os filhos, certo?

Respiro fundo e me jogo da janela, tentando mentalizar por um segundo apenas o fato de que estou em queda livre e a sensação é momentaneamente boa.

Até que eu caio entre um monte de sacos de lixo e o cheiro podre invade meu nariz.

– Mas que p...? – Ouço o grito de uma voz familiar, Jack já chegou aqui também e com certeza viu minha perfomance. Não lhe dou atenção, preocupado demais em sair do meio dessa sujeirada. – Cara, eu já ouvi a história de que amigos caem do céu, mas nunca pensei que fosse num sentido tão literal assim.

– Cale a boca – Resmungo, tentando me equilibrar entre aqueles sacos. Argh, que fedor. 

Jack se aproxima e me dá a mão, a qual aceito relutante, finalmente conseguindo sair dali. Não gosto nem de pensar que perdi as roupas que estou usando, umas cinco lavagens e ainda vão estar fedendo. Droga, eu estou fedendo. Quantos banhos vou ter que tomar para me livrar disso? 

– Parece que você não consegue passar mais que algumas horas cheirando bem, hein? – Jack diz, antes de soltar uma risada, voltando a andar pelas ruas da cidade e o acompanho. – Acho que não vai conseguir conquistar mais nenhuma garota depois disso, cara. 

– Haha, muito engraçado – Reviro os olhos. – Falando nisso, como foi lá com a Amanda? 

– Acho que se ela pudesse, teria entrado no banheiro e enfiado sua cabeça na privada, mas deve ter pensado que seria seboso fazer isso considerando que você estava sentado lá – Outra risadinha. – A propósito, você tá me devendo quarenta pratas. 

– Quarenta pratas?! 

– Você não pagou sua conta lá dentro, imbecil. 

– Tá, toma – Tiro o dinheiro do bolso do casaco e o entrego. Jack cheira as notas por um instante para garantir que não estão com cheiro podre também. – Minha noite foi uma grande merda. Sério, dá pra piorar? 

– Foi uma merda porque você quis. O que deu na sua cabeça, Dan? 

Dou uma longa respiração com os pensamentos que voltam a me atormentar. Todas as situações constrangedoras que passei naquela noite tiveram uma única culpada, por eu ainda pensar nela, ainda ser tolo em fazer isso, mesmo que tente o contrário. 

– Olivia. Olivia deu na minha cabeça, Jack – Continuo olhando para frente, provavelmente Jack está revirando os olhos. Mas o que diz em seguida não condiz com o que penso que diria. 

– Ela é mesmo difícil de esquecer, não é? 

– Eu sempre soube que seria. 

Seguindo Em FrenteWhere stories live. Discover now