Capítulo 2

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Hoje foi um dia de trabalho intenso. O Dr. Pascal não deu trégua, muito menos os pacientes que estavam especialmente agitados por algum motivo qualquer que não consigo adivinhar.

Há também, internado na clínica, uma calopsita macho que está muito mal. Sua dona soltou o pássaro em sua casa para se exercitar fora da gaiola, porém, descuidou do animal por alguns minutos, o tempo suficiente para ele ingerir algo que lhe causou uma intoxicação aguda. Segundo o Dr. Pascal pode ter sido qualquer coisa, desde o reboco da parede, o rejunte do piso ou mesmo uma ferrugem de algum metal qualquer. Ele está nitidamente sofrendo com dores abdominais e eu me sinto péssima. Se eu pudesse aliviar sua dor...

Me aproximo lentamente da gaiola e ele está encolhido no canto inferior. Abro-a com cautela depois de me certificar que todas as janelas estão fechadas e pego a ave com todo o cuidado entre as mãos. Mantenho-a assim por alguns minutos desejando do fundo do meu coração que toda a sua dor vá embora, que se dissipe entre os meus dedos. Sinto minha palma ficar quente o que causa um certo conforto na calopsita. Momentos depois ela se levanta e se chacoalha, ainda na minha mão. Parecendo melhor, devolvo-a na gaiola e ela finalmente se alimenta, coisa que não fez o dia inteiro.

Consegui!

Como eu não tive recursos financeiros para cursar a tão sonhada faculdade de medicina veterinária, quando terminei o colégio, o veterinário mais querido da região me abriu os braços, assim como a sua clínica, e me ensinou tudo o que sei.

Serei eternamente grata pelo o que ele fez e faz por mim, me acolheu como um padrinho e me transformou, pelo menos, na prática, pois não tenho nenhum diploma ou qualquer certificado, em uma espécie de enfermeira dos animais, auxiliando nas consultas, nos exames e cirurgias, no controle do estoque de produtos e medicamentos, além dos agendamentos.

Tenho muito trabalho, realmente, mas para uma órfã sem futuro, fui abençoada com um bom amigo e professor, e graças a ele e a oportunidade que ele me deu, tenho uma casa, que apesar de ser alugada, posso chamar de lar; assim como a comida quente na mesa todos os dias.

— Liz — Dr. Pascal me chama —, encerramos por hoje? — ele começa a desabotoar o seu avental.

Ele aparenta cansaço, afinal já passou das 18 horas e o fato dele não ser mais um menino, não ajuda muito, de fato.

— Ainda não — digo com cara de quem se desculpa —, marquei a Cupcake depois do último horário, mas ela está atrasada. — Comento ao conferir a hora no relógio que tenho no pulso — Ela precisa mesmo ser avaliada, passou mal ontem...

— E por sorte a Liz estava lá para ajudar — sou interrompida pela Abby, que entra esbaforida na sala, sendo puxada com força por sua cadela.

Teria achado graça na cena se não fosse pelo comentário inoportuno da minha amiga.

Olho incisiva para ela, alertando-a silenciosamente a não falar nada sobre o ocorrido da noite passada, pois não quero que as pessoas voltem a pensar mal de mim, a ser o alvo das fofocas e falatórios preconceituosos. Quero esquecer essa fase da minha vida e deixar tudo isso para trás.

— O que aconteceu? — Dr. Pascal pega a guia da mão da Abby quando termina de abotoar seu avental novamente e conduz a Cup para a sala de exames. Com a minha ajuda, a colocamos na mesa cirúrgica e ele começa a avaliação.

— Ela teve uma crise de tosse e em seguida ficou ofegante, com dificuldade de respirar — Abby começa a contar e eu fico aflita e com medo dela falar mais do que deve.

— Ela já teve isso antes? — o Dr. pergunta enquanto ausculta o seu coração e pulmão.

— Sim, ela tem tido essas crises eventualmente, mas parece que ultimamente está pior e com maior frequência.

Setenta e dois minutos (DEGUSTAÇÂO)Where stories live. Discover now