Capítulo 11- Retiro espiritual

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Observo Camile comer o brigadeiro de colher que nós preparamos mais cedo.Não sou muito fã de doce,então já me sinto satisfeita após duas colheres cheias,diferente de Camile que se delicia com o doce.O canto direito da sua boca está sujo,mas ela parece não se importar.Suas pernas estão apoiadas no braço da poltrona de forma preguiçosa e relaxada,e ela mexe os pés em um ritmo desconhecido.Seus olhos estão vidrados nos reflexos causados pelo sol que entra pela janela.

-Esse lugar é mágico -ela diz e olha para o céu de fim de tarde à nossa frente.Concordo com a cabeça.

Nós estamos no meu lugar favorito do mundo inteiro: a varanda do meu quarto.O espaço não é muito grande e não é nada fenomenal,mas eu fiz questão de decora-lo por conta própria,para ficar exatamente do jeito que eu sempre imaginei.Há várias plantas em torno das paredes e alguns vasos no chão,duas poltronas confortáveis e uma mesinha,além de grandes janelas de vidro que permitem a vista estonteante do céu.Eu gosto de falar que aquele é o meu retiro espiritual particular,pois sempre que preciso desocupar a mente ou até mesmo de alguns minutos de paz,me recorro a ele.São incontáveis as horas que passei sentada naquelas poltronas com uma música soando nos fones de ouvido,enquanto admiro as tonalidades do céu conforme o decorrer do tempo.

Quando Camile me disse para leva-la a algum lugar,várias ideias passaram pela minha cabeça,mas a varanda do meu quarto pareceu o lugar ideial.Fiquei meio receosa de leva-la para a minha casa,com medo que ela pensasse outra coisa,mas logo afastei esse pensamento.Somos amigas e a minha única intenção é tentar distrair a sua mente do término com Jaqueline.

Eu nunca passei por um término de relacionamento,mas já vi em vários filmes que entupir o corpo de doces e guloseimas ajuda,então resolvemos fazer brigadeiro.Como meus pais estão no trabalho,temos a casa toda para nós,o que resultou em música alta e muitas panelas na pilha de louça para lavar.O brigadeiro quase queimou duas vezes,mas parece que o clichê deu certo.

-Se eu tivesse um lugar como esse em casa,passaria todo o tempo do mundo nele -ela comenta novamente e eu rio,deve ser a quarta vez que ela fala a mesma coisa.Nós estamos sentadas em poltronas diferentes,mas dividimos o mesmo cobertor,já que o espaço entre nós não é muito grande.O vento que entra pela pequena fresta na janela me faz arrepiar e eu puxo o cobertor para mim,deixando o braço de Camile,antes coberto,a mostra.Ela lança um olhar raivoso em minha direção,mas acaba sorrindo em seguida -Para de roubar todo o cobertor!!

-Desculpa -respondo rindo,enquanto ela balança a cabeça e volta o olhar para o céu.Um raio de sol ilumina a lateral do seu rosto e eu observo seu perfil extremamente delicado,a boca levemente entreaberta,como se ela fosse dizer algo.

Paro de analisa-la e retorno para a realidade ao ouvir o som de notificação de mensagem do meu celular.É uma nova mensagem de Maria Clara.Uma parte de mim se sente mal por ter cancelado o encontro que teríamos hoje,mas quando eu olho para Camile tudo parece se alinhar.Ela precisava de uma companhia para ampara-la e me escolheu.

-Você já se sentiu vazia? -Camile pergunta,sua voz mais parecendo um sussurro.Bloqueio o celular e o repouso na mesinha,voltando toda a minha atenção para a garota na minha frente.Seus olhos continuam fixos na janela à nossa frente.

-Sim -respondo e me acomodo na cadeira.A ideia de Camile se abrir comigo e conversar sobre seus sentimentos mais íntimos me deixa um pouco nervosa,não sei se é de excitação ou de medo.Ela é um mistério para mim e não sei se estou pronta para desvenda-la.

Um silêncio paira entre nós por alguns minutos e Camile parece pensativa.

-Eu me sinto assim o tempo todo -ela diz por fim- É como se um vazio existisse em mim e nada pudesse preenche-lo.Parece que eu sinto falta de algo que eu nunca tive.

De cabeça pra baixo ⚢ -EM REVISÃO-Onde as histórias ganham vida. Descobre agora