ESPECIAL DIA DOS NAMORADOS

2.9K 189 67
                                    


Há uma música calma e tranquila tocando em algum comôdo do apartamento, mas o som parece distante e abafado. Só consigo ouvir sua melodia lenta e arrastada, sem sucesso ao tentar decifrar o que o vocalista está falando. Me viro na cama e encaro o teto do meu quarto, minha cabeça está confusa e não me lembro muito bem do dia anterior, como se tudo fosse um borrão e eu só tivesse o aqui e agora. 

Me levanto e percebo que a luz que entra timidamente pela janela do meu quarto é a do poste de luz que ilumina a rua. Provavelmente já se passa das 18 horas. Vou até o espelho que fica encostado na parede e encaro meu reflexo. Visto uma roupa de ficar em casa e pareço descansada, como se já estivesse acordada a algum tempo. A música continua e eu olho confusa ao redor, como se não conhecesse a minha própria casa. Por algum motivo tudo parece confuso e sem nexo, como um sonho.

Abro a porta do quarto e ando pelo corredor que me leva até a sala de jantar, percebendo que a mesa que fica próxima à cozinha está arrumada com dois pratos e velas. Torço o nariz ao ver aquela cena, pois não consigo imaginar o motivo para os meus pais usarem velas já que temos energia elétrica e uma lampâda bem acima da mesa, que ilumina muito bem o ambiente. E por que apenas dois pratos? Se esqueceram de mim?

Agora consigo ouvir melhor a música e percebo que a conheço e ela está em uma das minhas playlists de músicas melosas e apaixonadas, as quais escuto de olhos fechados e imagino vários cenários na minha cabeça, como um verdadeiro filme. Começo a cantarolar baixinho e sigo até a cozinha, esperando ver meus pais cozinhando, mas a cena que me espera me faz  parar  instantaneamente. 

Uma garota de cabelo vermelho está de costas para mim, enquanto mexe em uma panela no fogão. Seu quadril mexe discretamente de um lado para o outro no ritmo da música e ela também sussurra a letra da canção, seus ombros balançando de forma despretensiosa. E então, enquanto eu estou congelada observando a cena, ela se vira e abre um sorriso pra mim.

Camile está na minha cozinha, vestindo um blusão e um short, descalça, sorrindo para mim enquanto coloca uma mexa do cabelo para trás da orelha com dificuldade, já que sua mão segura uma colher. 

- Pensei que você nunca ia acordar!! -ela diz e vem em minha direção, lambendo o molho vermelho de tomate da superfície da colher. Meus pés continuam presos no chão, como se tivessem criado raízes.

E então, em um susto, ela se aproxima e coloca a mão direita na minha cintura, enquanto a esquerda entrelaça o meu pescoço, como se estivesse me puxando para dançar. Meus pés se movem, mas meu corpo continua duro e tenso como uma pedra. Olho por sobre o ombro de Camile e percebo que no fogão há uma panela com molho de tomate, borbulhando e parecendo apetitoso, e na pia uma tigela contendo macarrão já cozido. Uma garrafa de vinho está aberta e do lado há uma taça cheia até a metade, na borda do vidro uma marca de batom vermelho. 

Olho de relance para Camile, seu rosto muito próximo do meu, e vejo sua boca pintada de um tom de vermelho parecido com o do seu cabelo. Ela continua sussurrando a letra da música e puxa meu corpo contra o seu, para eu acompanhar seus movimentos de dança. 

- O que está acontecendo? -digo por fim, colocando minhas mãos em seus ombros, indicando para ela parar de dançar.

-Ué amor, esqueceu que hoje é dia dos namorados? Tudo bem você achar essa data puramente comercial, mas sei que ai dentro de você habita uma Lívia super romântica.... e é a primeira vez que passamos juntas! Tô fazendo um jantar, não sou a melhor cozinheira, mas não tem como estragar macarrão, né? 

Camile começa a falar sem parar e eu a olho confusa, tentando assimilar o que ela está dizendo. Minha cabeça gira e eu olho fixamente para sua boca pintada de vermelho que mexe sem parar. E então ela termina o que estava dizendo e me encara, esperando uma resposta. 

Acho que fico alguns segundos em silêncio, com uma cara de assustada, até que começo a abrir um sorriso. Camile está dentro da minha casa, na minha cozinha, cozinhando para mim no dia dos namorados. Isso quer dizer que somos namoradas. Eu namoro com a menina que eu sempre fui secretamente apaixonada. Ela tá bem na minha frente, seus olhos brilhando de entusiasmo. Eu só consigo pensar no quão sortuda eu sou e no quanto fico feliz ao lado dela, como amo cada gesto e movimento que ela faz, o jeito que ela fala meu nome e como seus lábios se movem enquanto seus olhos ficam fixos aos meus. No jeito que ela segura minha cintura como se já estivesse acostumada com o meu corpo próximo ao dela, no jeito que seus dedos passeiam pela minha nuca. Eu abro um sorriso muito grande, pois me sinto a pessoa mais feliz do mundo. 

E bem nessa hora o vocalista começa a falar a seguinte frase, a qual é repetida pela voz doce e sedutora de Camile:

"Não olho assim pra mim não...

Se não vou me apaixonar..."

E então eu me aproximo ainda mais dela e seguro seu rosto com as minhas mãos, sentindo uma vontade inexplicável de tentar falar tudo que eu sinto através de um beijo, como se palavras não fossem suficientes para descrever tudo o que eu estou sentindo nesse exato momento. 

Quando nossas bocas estão a milímetros de distância, meus braços pendem no ar e tudo que há na minha frente é um vazio. Camile não está mais ali e eu estou sozinha na cozinha. Um silêncio devastador se instala no comôdo e eu sinto como se fosse desmaiar. 


(Música: Não olha assim pra mim - OUTROEU) 

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Jun 16, 2021 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

De cabeça pra baixo ⚢ -EM REVISÃO-Where stories live. Discover now