quem sonha (?)

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Beijo seu ombro nu.
Felizmente para mim ele adquiriu o delicioso hábito de dormir sem camiseta. Por causa do calor, disse. Mas não sei. Não se pode ter certeza com ele, nunca.
É a primeira vez que o tenho assim. Na minha cama, ele parece tão vulnerável e frágil. Envolvo sua cintura com meus braços e escondo meu rosto em sua nuca.
Seu corpo, frio durante o dia, é quente à noite. Quase escaldante. Calor irradia dele, me sinto prestes a queimar.
Ele dorme abraçando o travesseiro. Confessou-me que sente uma estranha necessidade disso, como se precisasse proteger alguém.
É mentira. Sei disso.
Ele é sozinho. Ele precisa de companhia. De alguém para envolvê-lo e não deixá-lo sair, sem sufocá-lo.
Ele é meu travesseiro essa noite. Aperto-me mais contra ele, cruzo nossas pernas por baixo do lençol. Ele resmunga, mas não acorda.
Vendo-o dormir esta noite, percebo que os seus demônios repousam também. Ele até parece uma criança inocente.
Sua habitual ironia e negatividade deixada de lado. Ele foi maltratado pelo mundo, por quem mais amava. Ele não teve infância, não teve sonhos. Tudo nele foi destruído. Seus sentimentos são infantis. Confusos, intensos por coisas inúteis e frios para coisas importantes.
Acho que ele me ama, mesmo sem admitir.
Ele pode ser muito teimoso. Adora bancar o autossuficiente que não precisa de nada nem ninguém.
Mas ele precisa de amor, do meu amor.
Ele precisa se aceitar. Gostar da sua aparência. Seu corpo esguio, mediano e desajeitado. Seu cabelo curto e crespo. Seus dentes tortos e grandes por causa da infância. Tudo isso me atrai nele. É estranho que não se sinta bonito.
Queria que ele pudesse se ver como o vejo.
Ele gira em meu abraço. Resolvi tomar sua mania, durmo sem algumas peças também, apenas as íntimas. Ele tem vergonha do corpo, imagino. Não quero que ele sinta isso. Não quero que ele se odeie. Mas é difícil. Ele é inacessível, ou quase. Por mais que pareça aberto, que sorria fácil, que interaja com os outros... ele tem uma infinidade de mais que nem mesmo ele consegue ver.
Seu rosto está escondido em meu pescoço agora. As mãos repousam em sobre meu coração. Tão doce e sensível. E então algo molhado me atinge sutilmente. Penso rapidamente que começou a chover e o teto está gotejando. Mas são lágrimas, escorrendo dele. E ele não chora, nunca. Então isso é mais precioso ainda para mim. Preciso sentir mais da sua pele cálida. Puxo-o para mais perto e consigo tirar sua bermuda. Mais contato entre nós. Ele fica excitado em alguns pontos da noite, eu também.
Eu quero que... quero apenas protegê-lo. Do mundo, das pessoas que o fazem se sentir mal porque não entendem que apesar de parecer forte, ele é tão frágil quanto um bebê. Quero protegê-lo de si mesmo.
Ele é meu.

Resquícios de SolidãoWhere stories live. Discover now