Capítulo II

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Março de 1945.

O vento parecia soprar mais gelado aquela manhã, como se estivesse possesso, a descontar sua ira em todos os moradores da pequena vila. Isso era descomunal no nordeste brasileiro. As nuvens cinzentas e gigantescas insistiam em esconder o anil infinito.

Em controversa à inquietação do vento, os habitantes nunca estiveram tão quietos e indispostos. Por trás do silêncio, contudo, escondiam-se as maiores angústias e aflições.
Há mais de vinte e quatro horas, vários homens maiores de idade foram destinados aos Estados Unidos, com o propósito de ajudar no conflito contra os nazistas, preparados para darem suas vidas, se necessário. A Alemanha ascendera-se cada vez mais, para o estarrecer dos países adversários. Resignação, os que restaram pensavam. A fim de paz interior, o que era completamente impossível. Todos os irmãos de Benício, e até mesmo o seu pai, foram convocados. O jovem, entretanto, foi rejeitado pelo exército.

Ainda assim, havia quem se atravesse a passar um dia ao sol e observar a paisagem. Esse alguém era Benício. Ele se importava sim com tudo que estava acontecendo, mas afligir-se, pensava ele, não era uma solução. Seu passa tempo favorito era desenhar, expressar seus sentimentos através da arte. O garoto sensível e incompreendido, imergia-se a mundos distantes, nos quais a maldade do homem jamais poderia chegar. O lápis passeava lentamente sobre o papel, a contornar as mais variadas formas, como reflexo do transcendental que o habitava. As aquarelas, ao misturarem-se, faziam-no esquecer de suas limitações e das que lhe foram impostas. "Desenho não dá futuro", falavam seus amigos e familiares. Apesar da pressão, o jovem não conseguia parar de desenhar, era como se o impulssionasse cada vez mais. Seu subconsciente dizia: "ser diferente tem suas vantagens, pelo menos eu me destaco".
Subitamente, Carlota Oliveira aparece às suas costas, fazendo-lhe uma surpresa inesperada. Tudo bem, talvez nem tão esperada assim... a garota parecia obcecada por Benício. Ele costumava encontrá-la em quase todos os lugares, o que convenhamos não parece ser uma obra do acaso... ainda mais numa cidade tão pequena. Eles foram prometidos em casamento antes mesmo de nascerem, as famílias de ambos eram muito unidas. Contudo, eles eram tão diferentes.... Carlota era o exemplo clássico de "filha perfeita". Muito refinada, prendada, inteligente, ela falava cinco idiomas. É impressionante o que o tempo livre pode propiciar. Todavia, seu conhecimento não servia de muita coisa. Não tinha almejos, vivia aos moldes dos pais; queria uma vida pacata, casar-se e ser mãe. Não que seja motivo de desdém, ela era uma boa pessoa, mas Benício era inteiramente avesso a isso. O garoto aproximava-se da idade viril, já tinha quase dezessete anos. Mas... não era o que ele queria, não mesmo. Se achava tão jovem, tinha sonhos e curiosidades ainda não sanados. Ele odiava não se encaixar, do mesmo modo que amava. Era um paradoxo a oscilar intensamente. Se ao menos houvesse sentimento, mas nem isso... Benício jamais havia interessado-se por alguém.

- O que faz aqui? - perguntou Carlota.

- Mais do mesmo, só desenhando - respondeu.

- Que tolice.

Benício revirou os olhos, a garota começaria mais uma ladainha sobre como é a vida adulta.

- Como consegue ficar tão calmo? Seu pai e todos os seus irmãos estão...

- Eu sei, tá legal? Todos aqui sabem. Quem disse que não estou aflito?

- Sei lá... Às vezes você parece muito frio.

- Frio, eu? Muito pelo contrário. Mas expor a opinião em um lugar como este é suicídio.

- Para! eu só queria ter uma conversa saudável. Toda vez será assim? Todos estão fartos dessa sua mania de grandeza.

- Você veio atrás de mim só para me criticar, Carlota?

- Eu só queria que você fosse menos narcisista e pensasse mais nos outros!

O PenúltimoOnde histórias criam vida. Descubra agora