Capítulo VIII

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Segunda-feira, 08 de setembro de 2014

Manhã, 10h51

Sentada na beirada da cama do hotel, Harley tinha as mãos fundas sobre o edredom. Pouco dormira na noite passada e, quando acordou, apanhou a última das três garrafinhas de vodca que havia no frigobar, antes que a camareira viesse fazer a reposição. O ardor era bom, queimava em sua garganta assim como as palavras da conversa que tivera com Eldric em seu carro durante a madrugada.

— Vai me deixa fumar aqui dentro? — perguntou ela assim que entraram, batendo a porta, sentindo o cheiro de balas de hortelã que mascaravam o tabaco das roupas dele.

— Achei que não quisesse o cigarro, devolveu ele — falou ligando a ignição.

— Se eu disser que mudei de ideia, você deixa, então?

Vencido, ele passou o maço para ela e colocou a marcha, começando a dirigir, mas não sem antes dizer:

— Abra o vidro, pelo menos.

Ela obedeceu, abaixando a janela e permitindo que o ar entrasse, levando seus cabelos na direção do motorista, assim como seu rosto, que estudava-o com cuidado, as laterais dos olhos apertadas, estreitando a vista, os pensamentos tentando entender a mente de Heartland, que parecia tão fodida e misteriosa como a dela.

— O que está olhando? — indagou enervado com o olhar, apertando o volante.

— Estou esperando que fale sobre Paul Dickens — explicou sem desviar o olhar, ainda que estivesse abrindo o porta-luvas, desconfiada que houvesse um isqueiro ali. Estava certa. Apanhou-o e acendeu o cigarro, que colocou no meio dos lábios já ressecados.

— Paul Dickens foi um pugilista. Premiado, por sinal, como ele fez questão de ressaltar.

— Conseguiu controlar o egocentrismo dele?

— Se não faço com o seu, duvido que o fizesse com o dele — retrucou com um sorriso no canto dos lábios, piscando para ela, que não se impressionou, na verdade apenas ergueu uma sobrancelha. — Sabe que eu adoro quando você me encara assim, não é?

— E eu adoro quando você fala sobre o caso, então continue, por favor. — Ela deu uma tragada, uma nuvem cinzenta escapando logo em seguida e traçando um rastro quase invisível aos olhos seguindo o caminho do carro pela noite.

— Acontece que usei o ego dele contra ele.

— Psicologia reversa?

— Nem foi preciso — negou. — Paul é um babaca arrogante que acha que todos devem algo para ele. Mais um branquelo mimado que só sabe falar das injustiças da sua vida.

Harley concordou com um gesto da cabeça, o cigarro entre o anelar e o indicador. Sentir o ar quente dentro de si acalmava seus nervos.

— Você disse "foi". Por quê? — perguntou ela, séria.

— Era exatamente onde queria chegar. — Ele trocou a marcha conforme viravam a rua, seguindo reto. — Paul foi acusado de crime culposo por ter se descontrolado em uma luta. Arrebentou o maxilar do adversário e, quando ele caiu no ringue, continuou a esmurrá-lo.

Harley permaneceu quieta, atenta, tragando seu cigarro e vendo como o sorriso nos lábios de Eldric mostrava que ele tinha mais a contar.

— No fim das contas, ele acabou por perder a credibilidade que tinha. Nenhuma marca queria patrociná-lo, afinal, qual seria o slogan que iriam usar? Comprem da nossa marca ou quebramos sua boca?

— Não deve ter sido apenas por isso.

Ele olhou-a de esguelha, vendo como seus lábios encaixavam perfeitamente o cigarro, como se já tivessem sido feitos para aquilo, de tal modo que o fez se perguntar, por um breve momento, com quantos anos ela teria desenvolvido o vício.

Passado Perverso (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now