Capítulo X

116 9 46
                                    


Painswick

Quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Manhã, 11h27

Foi uma semana apática, por assim dizer, como os primeiros ventos de uma tempestade que estava para despencar, como aqueles curtos segundos de silêncio antes do estrondo de uma granada que se arrebenta e estraçalha todos ao seu arredor com seus estilhaços. Com suas consequências.

Naquela manhã, depois de tomar o café da manhã do hotel, Harley Cleanwater voltou para seu quarto, abrindo a janela, sentindo o ar fresco depois da garoa da manhã, que se dissipou rapidamente, permitindo que ela olhasse para a rua sem se importar em molhar suas roupas.

Lá embaixo, tudo parecia normal. Poças de água, sacos de lixo, pessoas caminhando, um cachorro cheirando um poste, dois pássaros passando rapidamente contra o parapeito e fazendo-a dar um salto diante o seu bater de asas pesado.

Mesmo com a morte os rodeando, eles ainda viviam. Era assim que tinha que ser. As pessoas seguem em frente, ou assim tentam fazer. Porém, durante aqueles dias, Mary Yard não fez questão de colocar uma máscara feliz nem sequer vestir-se de maneira considerada apropriada.

Na verdade, todos os dias, perto da hora do almoço, com seu fiapo de sanidade, a mãe que perdera um filho segurava-se firmemente a um cobertor infantil, enrolado em suas costas, lágrimas escorrendo por sua pele seca enquanto os olhos vasculhavam as pequenas cabeças jovens que corriam para fora da The Croft Primary School na esperança de encontrar Lucas vindo até seus braços, com seu sorriso doce, braços magrelos que gostavam de abraçar suas pernas e uma risada encantadora.

Grande parte de sua mente – possivelmente a maior parte dela – aceitava que ele estava morto, porém uma camada quase imperceptível, como uma luz bruxuleante diante a escuridão, ensandecia seus pensamentos e a fazia estar ali, todos os dias.

Se a mente acreditasse que o garoto pudesse voltar, mesmo com ele já enterrado em um caixão de cimento, então ao menos havia um motivo para viver. Mary Yard tornou-se um organismo em estado de defesa, porque sem seu filho ela não conseguiu encontrar um motivo para viver.

E Harley se perguntava como Elena reagiria caso Ursel fosse encontrado morto.

Graças a visita ao pediatra da família Hargroove, a detetive chegou à conclusão de que não importava onde, ou como ou quando, era irremediavelmente verdade que, quando nos aproximamos de algo muito perfeito, encontraremos suas imperfeições. Um fio que escapa do tecido. Uma pincelada na direção errada. Uma mentira em meias verdades.

Agora só bastava saber se Elena desprender-se-ia de tudo isso diante a morte do filho, que, de forma horrenda e lúgubre, se tornava cada vez mais provável aos olhos da detetive.

E, naquela manhã, Cleanwater desejou que não estivesse certa a todo instante, porque seu celular vibrou em uma ligação, que em nada foi agradável mesmo sendo a voz de Eldric Heartland a recebê-la, o qual, secamente, lhe disse:

— Um corpo foi encontrado. — Ele respirou fundo antes de terminar. — Venha para a delegacia.

Então, quando ele desligou, Harley apanhou sua bolsa, certificou-se de que seus cigarros estavam ali e depois abriu o frigobar e jogou as garrafas de vodca para dentro, antes de sair, sabendo que precisaria de algo forte para mais tarde.

...

Harley não esperou pela permissão da recepcionista quando alcançou a central de polícia de Painswick, passando diretamente pelo balcão, cruzando o quadro de informações e se encaminhando para a sala de Lenny Lover, o delegado baixo e gordinho que a recebeu com olhos de rato raivoso assim que escancarou a porta de seu escritório.

Passado Perverso (DEGUSTAÇÃO)Waar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu