A Escuridão Interior

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A essa altura, eu já sonhava com confrontos, tiros e mortes, que algumas vezes era a minha. E logo renascida, tinha de fazer tudo de novo, e de novo, até que enfim tudo escurecia, e eu acordava. Tudo isso nessa primeira noite, que era pra ser algum tipo de descanso. Quando achou que já devia, Fantasma me chamou. Talvez por ser uma Guardiã renascida dos mortos, eu não sentia fome.

— Olá! Vamos indo? Temos um longo dia pela frente. Haverão muitos, na verdade.

— Tudo bem. Eu entendo que esse é o motivo de minha volta e provavelmente o motivo pelo qual morri. Já que irá me reviver, posso morrer mais vezes.

— Acordou mais interativa hoje. Isso é bom. Comunicação é tudo que teremos. Nossas vidas irão depender disso em muitos momentos.

Quando disse nossas vidas parei por um momento para pensar o que aconteceria caso ele morresse. Então sim, éramos o ponto fraco, um do outro.

— O que faremos hoje? — tentei ser otimista.

— O Porta-Voz fez um pedido aos Guardiões. Há relatos de que os Decaídos lá no Cosmódromo estão guardando muito bem o Observatório Celeste. Pode ser um de seus líderes ou algo de valor.

— Ok, vamos dar uma olhada.

Lembrei que nossa nave estava transitando em órbita esse tempo todo. E logo depois que decidi, não demoramos muito para descer.

De volta à Estepe, aterrissamos no mesmo local de antes. Era o mais amplo e seguro para tal ação. Não sei como os Decaídos não tomaram esse posto. Talvez por medo? Estratégia?

— Ok. O Observatório Celeste está do outro lado da Estepe. E cercado por Decaídos. Estarei pronto quando você estiver.

— Renasci pronta. — na minha cabeça, isso era uma piada.

Naquele cenário que já era familiar, comecei a correr em direção ao nosso objetivo. Haviam algumas garagens abandonadas pelo caminho. Uma tinha entrada para o subterrâneo e não, eu não estava nem um pouco afim de descer. Além do mais, cedo ou tarde eu teria que ir ali. Um trecho da estrada passava por baixo de outra, que era suspensa por pedras, e atravessando, o horizonte se tornou amplo e já dava para avistar o Observatório. Estávamos do outro lado dos muros que dividiam os terrenos, formando um pequeno abismo, e que ia em direção a uma grande estação. Fomos pela esquerda onde a nossa estrada descia e passada por cima da outra, ao lado do rio.

— Sabe, este lugar deve ter sido incrível antes do Colapso. Milhares de humanos a bordo de naves da colônia, indo construir cidades distantes. E agora, os Decaídos ficam perturbando os seus restos. — disse Fantasma, admirando tudo assim como eu.

— Parece ter sido uma daquelas épocas em que se têm esperança de uma vida melhor.

— Sim. — já no outro lado, subimos a inclinação do terreno — Chegamos ao Cemitério de Naves. Um nome bem adequado ao que vê agora. Lá está ele, subindo a colina, o prédio sem radar.

O cemitério era no mínimo impressionante. Aviões adormecidos por séculos em planícies baldias, abandonados ao lado de veículos incompletos. Alguns não tinham a frente e era possível ver toda a sua extensão até a calda, entrar dentro deles e ver pequenos contêineres, vigiados pelos Decaídos. Olhar aquele lugar com atenção para aquele lugar tornava quase possível imaginar como aconteceu tudo aquilo. O momento da queda, o horror, o fim de toda a esperança.

Chamamos a atenção de alguns rebaixados, que vieram nos dar a sua prática recepção. Após abatê-los, começamos a subir a colina. A entrada que dava para o Observatório era como de qualquer grande edifício, porém deixada ao tempo há muitos anos.

A Luz de KhivaWhere stories live. Discover now