― É como se a negativa pudesse desbundar a cara de bunda delas ― Liam completa.

― Desbundar? Essa palavra nem existe.

― Leite desnatado também não existia, até Shakes inventar a expressão. ― Não sou capaz de disfarçar o espanto. No entanto, não é a informação que me choca, mas o fato de Liam conhecê-la. Todo mundo sabe que ele odeia Literatura, principalmente as merdas do Shakes, que é como ele se refere a Shakespeare. ― Qual é, cara de bunda, você não foi a única a herdar os bons genes da mamãe.

― Eu não disse nada.

― Mas pensou: Liam, o idiota da família, o caso perdido.

― Eu não te acho idiota, nem um pouco, menos ainda um caso perdido. É o único a pensar isso de si mesmo ― digo, observando seu sorriso se converter em uma expressão ininteligível através do retrovisor.

Há um minuto de silêncio, então Liam diz:

― O pai acha que está na hora de eu sair de casa.

A informação me pega de surpresa. Com um movimento volto a aproximar o queixo do banco, os olhos arregalados prestes a saltarem das cavidades.

― Mas mal completou dezoito anos.

― Não acho que ele se importe.

― E a mamãe, o que ela acha disso?

― Não faço ideia.

― Pra onde você iria? Quer dizer, você nem tem uma renda fixa.

― Se dependesse dele, pro inferno ― Liam dá outro de seus sorrisinhos, pra disfarçar, mas a mágoa em suas palavras evidencia o quanto a admissão disso lhe custou. ― Na boa, às vezes eu acho que o velho me odeia, e o pior é que eu nem sei porque. Mas também já nem me importo... Com o tempo muita coisa que era importante deixa de importar. A gente cansa de procurar porquês e aceita que para algumas coisas não existe explicação, elas são como são e que se dane. É uma lição que cedo ou tarde todo mundo aprende. Quer dizer, se alguém quer te mandar para o inferno, tudo que precisa fazer é se certificar de arrastar o infeliz junto.

― É isso que está fazendo, tentando arrastar o papai com você?

― Talvez.

― Liam, eu entendo que as coisas estejam difíceis e sei que o relacionamento de vocês não anda bem há tempos, mas o papai ama você, independente do que tenha acontecido ele...

― Esse papo de novo não ― Franzindo as sobrancelhas, ele desvia o olhar do meu. ― Deixa pra lá, tá legal? Esquece. Nem sei porque te falei isso, você é a maior puxa saco do velho.

― Não sou nada ― defendo-me.

― Tá bom que não.

― Está sendo injusto.

― E você idiota. O pai não é perfeito, cara de bunda, ele também ferra a porra toda às vezes. Eu não ligo se ele me quer vivo ou morto, pra mim tanto faz, como eu disse, deixei de me importar faz tempo, mas quero saber porque ele me odeia, onde eu errei. Ele nunca foi um exemplo de pai, mas...

― Não é verdade.

― Negar os fatos não fará com que eles desapareçam. Ele era sim um pai de merda, pelo menos pra mim, sempre foi, mas as coisas estão insuportáveis agora. Sinto que até a minha respiração o incomoda. ― Liam espalma o volante, o ar saindo com tudo dos pulmões quando ele expira. ― E porra, eu quero saber o motivo, afinal eu também sou filho dele.

Tento tocar o ombro de Liam, porém ele se esquiva.

Tenho vontade de chorar e me sinto péssima por não saber o que dizer. Ele pode continuar repetindo o quanto quiser que não se importa, mas a tristeza em sua voz o entrega. De repente, só quero abraçar meu irmão, convencê-lo de que está errado e garantir que tudo ficará bem. Mas então me lembro dos meus cartões de Natal, os quais papai mantém como tesouros, e dos de Liam, que nunca consegui encontrar, mesmo depois de chafurdar toda a nossa propriedade, e meu coração fica pequeno.

Viola e Rigel - Opostos 1Where stories live. Discover now