Olívia

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 Assim que abro meus olhos encaro o teto branco do quarto do hospital, era uma coisa que infelizmente eu já havia me acostumado, mas algo estava diferente o que fazia sentido porque agora tinha um pedacinho do Jason dentro de mim pra sempre, mas pude sentir que não era isso que me incomodava apesar de estar acordada a nem um minuto ainda.

 Tentei me levantar, mas não consegui, talvez ainda estivesse muito fraca, não sei.

- Você acordou.- Escuto a voz da minha avó bem baixinha no canto do quarto. - Como se sente, querida?

 Seus olhos estavam vermelhos e inchados, eu entendo que cirurgias podem causar medo nos parentes, o sentimento de não se saber o que está acontecendo na mesa de cirurgia deve ser devastador.

- Cansada.- Me ajeito melhor na cama e espero um segundo para que ela se aproxime de mim.- E Jason? Como ele está, já acordou também?

 Ela ficou alguns segundos em silêncio, longos segundos.

- Querida... ele está bem.- Acabou hesitando e respirando fundo.

- Quero vê-lo.

Era nítido que ela estava nervosa.

  - Acho melhor deixa-lá descansar mais um pouquinho antes de qualquer coisa, tenho certeza de que Jason vai entender.

- Vovó?

Ela travou e engoliu em seco.

- Sim, querida?

- O que está escondendo de mim?

- Nada, meu bem.  

- Não sou mais aquela garotinha que acreditava quando me dizia que as coisas iriam ficar bem, quando claramente não iriam ficar.- Ela fechou os olhos torturando a si mesmo por demonstrar que algo estava errado, pude ver uma lágrima escorrendo em seu rosto.- Vovó o que houve? É o Jason, não é?

Ela limpou sua lágrima e respirou fundo.

- A cirurgia foi um sucesso, e ele acordou bem antes do esperado... ele... ele estava radiante, feliz por ter sido seu doador... 

 Ela respirou fundo agora sentando na beirada da minha cama e segurando minha mão.

- Vovó... - Minha voz quase não saiu, estava conseguindo sentir o que ela iria dizer e não estava disposta a ouvir.

- Não tinha nada de errado, aparentemente, porém ele logo começou a reclamar de dores na área do abdômen... Connor disse que era comum, afinal o garoto estava com um rim a menos, mas Jason começou a sentir uma dor muito mais forte e... e retornou para o centro cirúrgico...

Eu não queria... não queria que ela me dissesse o que estava prestes a dizer.

- Onde não resistiu a uma hemorragia interna.

 Me lembro de quando era criança e queria muito, muito chorar, como qualquer outra criança, sabe? Mas diferente de qualquer outra criança eu estava sempre chorando, mesmo que fosse por alguma coisa muito boba como ralar o joelho ou ver seu pai te abandonar simplesmente da noite para o dia, sempre me lembrei como eram as etapas do meu choro.

 Primeira: eu encarava o vazio na minha frente, evitando contato visual com qualquer um.

Segunda: Eu sentia algo ruim na minha garganta, nem sei como descrever essa coisa ruim, mas era bem ruim mesmo.

Terceira: Eu abria a minha boca, mas nenhum som saia dela, nenhunzinho mesmo, e havia esse som agudo que apitava no meu ouvido.

Quarta e etapa final: O agudo sumia e era substituído pelos meus gritos de agonia.

 Eu gritei. 

Gritei porque aquilo não podia ser verdade, não devia ser a verdade.

 - Eu não queria! Eu não queria, vovó! Eu não queria que ele fizesse isso! A culpa é minha! Eu... eu matei... eu matei ele! Eu matei Jason!

- Não! Não! Não se atreva a se culpar por isso, Olívia!

- Mas a culpa é minha! É minha culpa... eu o matei.

- Você está certa.

Aquela era a voz de Carlo, ele estava bem na porta, mas seu tom era de desprezo, estava acabado, acredito que ele também devia ter passado pelas etapas do choro, mas era notável algo mais do que apenas tristeza em seu olhar, bem lá no fundo puder ver raiva, não... raiva não, ódio, ódio de mim e o sentimento era compartilhado, ninguém estava odiando Olívia Jones nesse momento mais do que eu, nem mesmo Carlo.

- Você acabou com a vida do meu melhor amigo! Eu nunca devia ter permitido que você entrasse em nossas vidas, sua assassina!

- Carlo, por favor...

- É tudo culpa sua! Ele está morto, morto Olívia!- Ele estava transbordando revolta, tentou avançar para mais perto de mim, porém minha avó entrou na frente como uma leoa protegendo seu filhote.- Se você tivesse morrido naquele hospital em Vegas Jason estaria aqui comigo, vivo. Devia ter sido você!

- Meu rapaz, entendo que está despedaçado, Jason era seu amigo, eu mal o conhecia e fiquei devastada, sei que pra você...

- Com todo respeito senhora, a senhora não sabe nada!

 Aquele Carlo era uma versão da qual para mim era completamente desconhecida, o ódio o estava corroendo de uma maneira aterrorizante.  

- Carlo...

- Eu te odeio, Olívia, nunca odiei tanto alguém na minha vida como te odeio agora.

 Cada palavra que ele dizia era como uma facada em meu coração, mas eu merecia cada uma delas.

- Rapaz vou pedir educadamente que saia deste quarto.

- Não vovó, eu mereço escutar tudo o que ele tem a me dizer.

 Carlo respirou fundo ainda me encarando com repulsa.

- Por mais que mereça, não vou gastar saliva com você...

- Carlo...

- Até nunca mais Olívia.

Antes que eu pudesse perceber, Carlo tinha partido.

Foi então que desabei ainda mais, dessa vez sem etapas, sem nada, eu apenas chorei e gritei, minha vó era meu único porto seguro.

- É minha culpa, é minha culpa, vovó, eu acabo com a vida de todas as pessoas a minha volta, minha mãe, meu pai, você, Patrick e agora o Jason! Como não sente vontade de vomitar ao me olhar! Eu sou um monstro!

- Não! Não, Olívia, não vou admitir que continue com esse pensamento.

- Mas é a verdade!

 Ela levantou com tudo da cama aonde havia se sentado novamente a pouco tempo atrás, foi até sua bolsa e pegou um envelope.

- Você não é um monstro, Olívia, nunca foi, não se culpe pelas escolhas de outras pessoas.

- O que é isso?- Perguntei ainda me acalmando e limpando as lágrimas.

- Rezo para que seja a chave para encontrar paz e entender que ninguém é culpado senão o destino. - Ela me entrega o envelope com a caligrafia de Jason. - Vou deixar você ter esse último momento.

Então saiu.

"Para Live"


Quando a Hora ChegarWhere stories live. Discover now