"-Ela era terrível..."

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Você já se afogou? Já sentiu o ar pesando em seus pulmões afundando lentamente morrendo devagar como se a morte saborea-se a sua dor.
Era exatamente assim que eu me sentia. Morrendo. Lenta e dolorosamente.

Depois que consegui recobrar minha lucidez diante do corpo ensanguentado de Mika e Miguel um arcanjo, desolado como uma criança. Tomei as rédeas da situação. Afastei Miguel e dá-lhe água com açúcar nem sei se funcionaria mas ainda sim era um gesto de boa fé.
Enrolei o corpo de Mika em um manto azul violeta que encontrei na bagunça da casa de Noah. Cobri seu rosto e pedi para que Miguel após o encontro de suas forças, a colocasse no impala 67.
Durante o percurso até uma reserva próxima a casa nossa antiga casa, não trocamos uma única palavra ou olhar. Passamos em frente ao que fora um dia, o meu lar, onde Mika me acolheu e me criou onde aprendi coisas que jamais aprenderia em outro lugar. Agora a casa estava vazia. E eu...também.

Chegamos ao fim da Reserva onde as ondas do mar quebravam, no topo de um abismo. Foram três horas de viagem até aquele exato ponto. O sol em breve iria se por.

- Foi aqui que em realizou o primeiro feitiço. - Comentei vagamente.

Miguel preparava os galhos em uma pilha grande o suficiente para sustentar o corpo da bruxa. Ele parou um instante mas não disse nada.
Eu por outro lado, só queria falar pro vento tudo que estava engasgado sobre ela.

- Na época eu era criança, não fazia ideia do porque estávamos aqui. Mas Agora eu sei. Ela estava constantemente gastando seu tempo e suas energias para me proteger. - Me virei para Miguel, que trabalhava feito um robô. - Não é ridículo!!? Quer dizer...Por que uma bruxa poderosa ia dar atenção a uma órfã amaldiçoada? Foi uma puta idiotice ela ter me acolhido.

Miguel bateu as mãos tirando a sujeira impregnada dos galhos. Suspirou e me olhou com pesar. Eu queria chorar, um nó tinha se formado na garganta.

- Ela sempre foi irritante sabia! Ela não me deixava ter um namorado, não assistia séries comigo, mal ficava em casa, e o jantar? Ela precisava quebrar toda a louça da casa antes que saisse algo decente pra comer! - Andei de um lado para o outro com os punhos fechados. - Sabe, ela era..terrivel!

Miguel se aproximou de mim, com calma.

- E você a amava. - Sussurrou gentilmente.

Todas as minhas barreiras tinham se ruído, o corpo já estava na fogueira fria, ela não está mais ali. É só um corpo. Tentei me convencer disso e falhei. Abracei Miguel com tanta força que achei que nossos ossos fossem se quebrar, chorei tudo que queria sair de mim, transbordei minha dor em minutos, longos minutos ali naquele lugar, com o por do sol e o corpo palido da minha segunda mãe como cenário.

Depois de conseguir parar de chorar, ou pelo menos de controlar minha fala, junto com Miguel acendi uma tocha improvisada, a chama azulada creptava graciosamente. Nos aproximamos da fogueira e a acendemos. Um momento sublime e silencioso. Encarei o fogo como um ladrão, roubando minha família, consumindo-a por completo sem qualquer piedade. Nos afastamos quando o corpo já não era visível entre a madeira e a chama.

- Ela amava você Miguel. - Minha voz ainda enrouquecida pelo pranto fez Miguel se encolher um pouco.

- O que eu sentia pela Mika, não existem palavras, que consigam determinar. Ela apesar de seguir a escuridão, era uma luz incandescente.

- Aposto que ela amaria ouvir essa declaração brega. - Havia uma sombra distante de humor em minhas palavras.

Miguel suspirou.

- E então, o que fazemos?

- Não tem o que fazer. - Ele deu de ombros.

- Como não tem? - Paramos de andar.

- Catherine, olhe em volta. Lucifer tem o colar, Asmodeus ainda está com Noah. E Mika... - Ele parecia tentar controlar suas emoções. - Nós estamos sozinhos, não podemos vencer essa.

Meus olhos marejaram, mas a minha raiva estava consumindo cada átomo do meu corpo.

- Você é a porra de um arcanjo! Você e Lucifer são irmãos, mesmo nível de poder!

- Não é assim que funciona.

- Então me diz como! Vamos fazer isso juntos, somos família!

- Lúcifer tem o coração, não há nada no mundo mais poderoso que isso, e você mal sabe sobre o que são suas habilidades. Nós perdemos.

- Eu posso aprender, na prática! Eu não me importo se Lúcifer tem um amuletinho dele. Eu sinto que podemos virar essa jogo.

- Acabou, Catherine eu sinto muito por Noah e a Mika.

Miguel deu as costas e começou a se afastar.

- Covarde!!! - Esbravejei rouca.

Em alguns minutos eu já não o via mais pelas árvores, agora oficialmente eu estava sozinha. Chutei o vento e gritei para o abismo. Sem resposta é claro.

O tempo continuava passando, e eu ainda estava ali, sentada a beira do penhasco chorando abraçada aos meus joelhos, como uma criança perdida. A essa altura o fogo que queimava o corpo de Mika já tinha cessado, agora só o odor de fuligem e a fumaça tomava as nuvens lentamente. Eu queria poder tê-la ali, ela saberia o que fazer. Mas como minha mãe, ela se foi e agora Miguel também partiu. Nada tinha me sobrado, a não ser um resgate fracassado, um sangue amaldiçoado. Só agora, que as coisas vieram a tona, só agora a dor veio insuportável. Nascida de um monstro, criada por uma bruxa, sem identidade, sem destino. Nada tinha sobrado do meu passado, até mesmo minha humanidade estava sendo posta a prova. E tudo por que? 

Em um momento de fúria absurda. Olhei para o céu em tons avermelhados do alvorecer.

- Oi vovô! Como tá aí em cima? Comendo pipoca no seu trono dourado assistindo a porra da minha vida ser destruída!!? Deve ser divertido. Não é? Oh grande e poderoso Deus! - Debochei insanamente. - Quer saber o que eu acho! Você deveria ir pro inf.....

- Eu não fazia isso se fosse você.

Uma voz feminina e macia soou em meus ouvidos, eu me virei assustada e vi um anjo, ela brilhava como o sol, e era como vislumbrar o paraíso. QuAndo a luz cessou, encarei a figura de pele negra retinta e olhos da cor do ouro, careca e usando um vestido longo muito elegante.

- Quem é você?

- Sou seu anjo da Guarda.

A Filha Do ArcanjoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora