OO8 - Podre

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Chega, por favor. Livra-me do mal que assombra a minha mente. Dos pesos que forçam as minhas costas. Das unhas que furam o cerne do meu corpo. Dos olhos que desnudam o meu corpo. Dos pensamentos que conflitam no meus. Do seu veneno que corrompe a minha água. Das palavras que iludem o meu ser e moldam o seu.

Provoque-me sem pensar duas vezes, mas saiba onde parar. Irrite-me sem pestanejar, mas saiba quando me acalmar. Destrua-me todos os dias, mas lembre-se de consertar-me à noite. Dispa-me todos os dias, mas não se esqueça onde jogou as minhas roupas. Arranhe-me todas as noites, todavia conheça aonde o prazer acaba. Teça uma rede de mentiras, porém não se enrole na sua criação. Brinque com todos os seus peões, mas saiba que eles não são as únicas peças do tabuleiro. Seja a personagem que quiser, mas o show sempre chega ao fim.

Diga que me quer, e serei teu por um dia. Diga que me adora, e serei teu por um mês. Diga que me ama, e serei teu por um ano. Diga que me vive, e serei teu até a morte. Contudo, não venha a mentir. Minta uma vez, e perderá mimos e gozos. Minta de novo, e perderá a minha atenção. Minta mais uma vez, e perderá o meu interesse. Torne a mentir, mas estará iludindo a outro e não a mim.

É sempre assim: nós dois, frente a frente à beira de um prédio de quinze andares. Seu vestido ondula conforme o vento o deforma, seus cabelos ondulam conforme o vento os abraça. Nada em mim se mexe, ondula, treme, bate ou palpita. Sou uma gárgula e você é o meu observador. Sou de pedra e você de vida. Você vai embora todas as noites e eu fico aqui esperando que volte. Eis que chegará o dia em que o vento, que tanto envolve o seu ser, levará essa efêmera gárgula a se espatifar no chão após percorrer quinze andares de queda livre. Você voltará até lá, a gárgula não está mais, mas você não percebe. Ninguém nunca percebe.

Meus escritos. Eu quem escrevi.Where stories live. Discover now