Capítulo 6: Sanidade?

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Juliet foi até a porta do quarto e a fechou vindo em minha direção com um espelho pequeno, de seu bolso

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Juliet foi até a porta do quarto e a fechou vindo em minha direção com um espelho pequeno, de seu bolso. Colocou-o sobre a mesa ao lado da cama e sem dizer uma palavra, num gesto de confiança, soltou uma de minhas mãos, o que me deu enorme alívio. Mexi meu braço, com calma, pois os ferimentos ainda estavam doloridos. Esperei ela me entregar o espelho. Assim ela o fez e ficou ao meu lado com uma das mãos em meu ombro, como uma mãe ampara sua filha em um momento difícil. Levei o espelho até a altura de meu rosto e fiquei chocada com o que vi. Por um momento acreditei que ela sabia exatamente o que estava acontecendo e por isso me consolou.

Não descrevi como eu era em minha antiga vida, pareceria narcisismo de minha parte, vou fazer agora, para se ter uma dimensão do impacto que esta nova aparência causou. Eu tinha aproximadamente 1,72m, loira, cabelos curtos e lisos, olhos verdes. Minha pele era ligeiramente bronzeada e eu era bem magra. Nunca me considerei uma mulher bonita, apesar de ouvir isso frequentemente. Acho que o modo como me vestia ajudava um pouco, sempre tive bom gosto. Agora eu via uma garota com a pele pálida, muito branca, cabelos longos e castanhos, quase pretos, usando franja. Grandes olhos azuis e o pior com no máximo 18 anos. Pedi para Juliet soltar meu outro braço, ela me olhou por um momento com atenção e depois o fez. Com minha outra mão, precisei me tocar sentir se aquilo era real, se eu era real. Gostaria de saber qual seria minha altura e peso, pedi ajuda para ir até o banheiro, queria me ver por inteiro. No momento aquele pequeno espelho era insignificante, tamanho meu espanto e curiosidade.

Ela me amparou, eu estava fraca. Fiquei muito tempo sedada e deitada, imagino, além do fato de ter perdido muito sangue. Ao ficar em pé, já percebi a diferença de altura. Eu devia ter no máximo 1,65m e era bem magra também. Na frente do espelho, fiquei parada durante um bom tempo. Virei aquele rosto em vários ângulos para observar melhor. Não sei como descrever a sensação. Pedi para voltar para cama, deitei e estiquei meus braços para Juliet me prender, sem nenhuma palavra, sem nenhuma reação. Afinal ela era a única que poderia me ajudar, além do mais, não queria complicá-la em sua função. Ela sorriu com meu gesto e delicadamente passou as presilhas pelos meus braços. Antes de sair do quarto, afagou meus cabelos, seu olhar não era de pena, ela parecia compreender o que eu sentia e demonstrava isso através de seus gestos. Juliet não era de muitas palavras, não comigo ao menos. A verdade é que para o momento, isso era uma coisa boa.

Fiquei um bom tempo pensando em um propósito para o que estava acontecendo. Eu sofria de esquizofrenia? Minha vida não havia passado de uma alucinação? Ou eu estava agora tendo alucinações? Forcei minha memória e lembrei de meus pais, eventos de quando era criança, meus amigos, minha trajetória acadêmica e profissional, minhas festas de aniversário. Recordei até a desastrosa e nada interessante primeira vez com meu antigo namorado Murilo. Como alguém em surto poderia montar uma vida completa desta maneira?

Uma vez fiz uma pesquisa sobre memória olfativa e como o cheiro de cada lembrança é como uma máquina do tempo das sensações. Bastam apenas poucos segundos para que os aromas nos façam reviver experiências, — fossem elas boas ou ruins. A intensa conexão entre o cérebro e o olfato gera recordações imediatas. Tentei lembrar de algum aroma e o que me veio à mente foi: canela. Minha mãe, fazia um bolo de maçã com canela quando criança, que inebriava toda casa. A lembrança me trouxe conforto, aqueceu meu coração. Como era possível uma pessoa esquizofrênica conseguir construir esse tipo de memória?

Resolvi fazer mais um teste simples, pensei em alguns parâmetros de minha profissão, como que tipo de cálculo eu deveria saber para analisar a deformação de uma viga de concreto. Não pensei muito e palavras como "deflexões por curvatura das vigas", "linha elástica por integração", entre outras acompanhadas de fórmulas, gráficos e desenhos surgiram de maneira tão natural como respirar. Como uma menina de 18 anos poderia saber destas coisas?

Nunca fui um ser humano muito espiritualizado então foi natural eu esgotar todas as possibilidades possíveis e até impossíveis antes do meu último pensamento. Eu só poderia ter morrido no acidente de automóvel e reencarnado! Encontrar uma solução que fazia certo sentido e me liberava da loucura era esperançoso. Entretanto junto a esta hipótese muitas outras questões nasciam, como: "Quem me deu uma segunda chance e por quê? Por que eu reencarnei em um corpo adulto? Por que eu lembrava de minha vida passada? Por que essa menina se matou? Por que não lembro da transição das almas? Quem era e o que Daniel Carter significava para mim?"

No pouco que conheço da religião, do espiritismo, não era bem assim que reencarnações aconteciam. O que eu vivenciava, parecia algo mais como uma transmutação de almas. No momento eu não conseguia definir qual era a loucura mais palatável para minha realidade. Anoiteceu e, no fim, desisti de imaginar coisas. Adormeci cansada por tantas novidades e devido aos analgésicos, acredito.

Elisabeth: Uma alma, várias vidas.Where stories live. Discover now