Capítulo 1: Primeira Vida?

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"Qual é o momento que determina quem ou o que realmente somos? Eu me tornei quem sou aos trinta e três anos, em agosto de 2008, pois foi neste dia que voltei aos meus dezoito anos."

Segunda-feira acordei cansada, mais uma noite de pesadelos, o mesmo rosto desconhecido envolto em sangue

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Segunda-feira acordei cansada, mais uma noite de pesadelos, o mesmo rosto desconhecido envolto em sangue. Sou boa fisionomista e se já o tivesse visto em algum lugar, lembraria. Havia meses que eu tinha os mesmos sonhos. Abri meus olhos sem vontade, minha cabeça estava latejando. Fiquei encarando o teto do quarto. Estava muito quente e eu definitivamente não gosto de calor, ao menos eu estava em segurança no meu quarto. Fui interrompida da minha hipnose quando ouvi um barulho ao lado da cama, um sorriso e meu marido me dando bom dia.

Me casei no tempo certo, conforme a média. Formada, aproveitei minha juventude e sempre preservei minha individualidade. Mas apesar de ter uma vida confortável e um homem que muitas pessoas consideravam perfeito faltava algo. Algo que eu reconhecia naquele rosto dos meus sonhos, mas era alguém mais jovem, muito mais do que eu. Talvez fosse meu relógio biológico dizendo que era a hora certa para maternidade. Resolvi deixar as especulações de lado e trabalhar, particularmente é algo que faço muito bem. Conquistar espaço na engenharia, como mulher, não foi tarefa fácil. Mas consegui e tenho orgulho disso.

Um dia normal. Projetos em andamento, obras dentro e fora do prazo. Almocei com amigos e jantei com investidores e Victor, que além de meu marido é também meu sócio. Abrimos o escritório juntos e dividimos as macros funções, ele é administrador, então cuida das burocracias e finanças enquanto eu fico com os projetos e obras físicas. Amei Victor quando nos casamos, mas atualmente estou confusa em relação a tudo. Fico me perguntando se realmente existe amor, ou é apenas mais uma criação da humanidade para haver esperança na sociedade capitalista e fria em que vivemos, ou até pior, uma criação desta mesma sociedade para movimentar a economia em datas comemorativas.

Victor e eu, tínhamos uma relação estável, raramente havia discussões — salvo relativas aos negócios. Quando nos conhecemos na USP, Universidade de São Paulo, em uma festa dos calouros de Medicina foi atração imediata, havia paixão. Nosso relacionamento iniciou rápido e os sentimentos evoluíram da mesma forma. A paixão deu lugar a cumplicidade, confiança, amizade e imagino que ao amor. Após um tempo trabalhando no mundo corporativo, resolvemos empreender como sócios, pareceu um processo natural e confesso que funciona melhor que nossa extinta relação romântica.

Eram comuns, minhas reflexões sobre o fato de que estarmos juntos a maior parte do tempo, compartilhando escritório, decisões, almoços e afins não fossem um dos motivos para nosso aparente distanciamento. Faço uma analogia dos fatos como um jogo de vídeo game, onde estou apenas passando as fases, contudo, no automático. O que temos é similar ao que tenho com meus bons amigos, com uma única diferença... sexo. E não todo dia, toda hora. Isso realmente é uma visão romântica que somente quando se é adolescente vislumbramos. A vida adulta extingue nossas utopias, inclusive o mito "fazer amor". Quem pensa assim acaba dividindo o parceiro com a secretária que faz sexo. Às vezes me pego pensando que gostaria que realmente fosse diferente.

Todas essas inquietações afloravam em meu peito um sentimento de culpa enorme. Afinal, nós tínhamos tantas coisas em comum, tantas vitórias, momentos, histórias e lembranças ternas que era um absurdo eu me sentir incompleta. Victor cuidava de mim, assim como eu cuidava dele. Era algo que fazíamos mutuamente. Segundo minha mãe, nada mais que a reciprocidade de um amor generoso. A única solução possível seria procurar ajuda e contornar da melhor maneira a crise que estava vivendo.

Elisabeth: Uma alma, várias vidas.Where stories live. Discover now