0. Prólogo

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     Eu sou feia

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     Eu sou feia.

Mamãe fazia questão de me relembrar desse fato sempre que via um momento oportuno — que para a minha grande sorte eram frequentes. Se eu demonstrasse estar minimamente ofendida com a declaração, ela me alertava, sempre com a mesma frase: o problema não sumirá porque você está ofendida ou não gosta dele, Victória, deve aceitar que existe e lidar com ele. Com lidar, ela queria dizer esconder. Com roupas, com joias e, o mais importante, habilidades. Não tinha traços harmoniosos e perfeitos como Anna e Eleanor, por isso, teria que me esforçar o dobro para ser melhor em todo o resto.

Minhas aulas eram o dobro da delas. Etiqueta, idiomas, matemática, idiomas, piano. Mesmo que comportasse com perfeição, mesmo que tocasse com primor, não era o suficiente. Mamãe me avisava que essas coisas não me destacariam, eram um esforço para eu fosse comum. Aceitável. Mesmo com toda maquiagem, joias e tutores que o dinheiro de papai pudesse pagar, nunca chegaria ao nível delas. Nunca seria bonita como elas. Nunca seria como Eleanor.

Então para uma garota que — como ouvi mamãe dizer a Dominic, nosso mordomo, certa vez — tinha em seu futuro o fardo de um casamento medíocre e a perspectiva de um marido de fortuna miserável, esta era uma chance enviada pelos céus. Um milagre. Um pote de ouro no final do arco-íris. A única forma de alguém como eu conseguir casar com alguém como James. De casar com um príncipe.

Claro que, em teoria, eu compreendia o que ela tentava me dizer. E mesmo com a dor da traição ainda queimando meu peito, mesmo que eu entendesse que aquela era a única solução para o problema. Não conseguia fazer o que ela me pedia. Não conseguiria cortar um pedaço do meu calcanhar.

— Não posso — sussurro em pânico, empurrando as costas contra o encosto da cadeira, me afastando da faca na minha frente —, não consigo.

— Madame, não acho que seja...

— Quieto! — ralha para Dominic.

Mamãe me agarra pelos ombros e me chacoalha, como se isso fosse me fazer colocar a cabeça no lugar. Um pedido silencioso para que eu me controle. Quando me olha nos olhos, eu me encolho.

— Victória, você é feia. Desinteressante. Tediosa. Casar com um príncipe é algo inimaginável para uma garota como você e ainda assim acha que é razoável recusar uma oportunidade como esta? — tem uma mistura de descrença e urgência em sua voz — Tudo o que você tem de fazer é cortar um pedacinho do seu calcanhar. Um pedacinho de nada. Quando for rainha não precisará andar a pé.

Puxo o ar pelo nariz, meu peito sobe e desce rapidamente. Suas palavras reverberam na minha cabeça, uma após a outra. Feia. Desinteressante. Tediosa. Papai costumava se esforçar para me convencer de que essas coisas não eram verdades, mas papai era um mentiroso. E não está mais aqui.

Mordo o lábio com força quando mamãe agarra minha mão e faz com que ela se feche ao redor do cabo da faca. Sua voz sussurra ao meu redor, atrapalhando meu raciocínio, me lembrando que por mais que pareça horrível, compensará quando minha vida mudar. Deixaria de ser a sombra de Eleanor, a feia irmã mais velha da qual todos zombam.

Não importa o quanto tento me destacar, o quanto tento ser boa. Não importa com quantas joias caras e belos vestidos me enfeitem, no dia em que mamãe se casou fui amaldiçoada a ser a sombra de Eleanor.

A única pessoa que notou a mim antes de notá-la foi James. Foram tantos dias nos encontrando na cidade e na cabana dele. O único que se importou em ver além da minha aparência, que se preocupou em conhecer quem sou. Achei que seria diferente. Ele jurou que me amava, prometeu que era para sempre.

Até o dia do baile, quando Eleanor fez tudo o que não deveria ter feito, que prometeu não fazer. Por que ela me traiu?

— Você não é a garota do sapatinho, mas poderá ser. Vamos, Victória. Depressa.

Mamãe me oferece um sorriso encorajador, mas vê nos meus olhos que não consigo. Tento soltar a faca, mas ela se antecipa e toma das minhas mãos. Dominic implora para que ela repense enquanto mamãe senta na cadeira ao lado e puxa meu pé para o seu colo. Anna grita. Fecho os olhos ao sentir o calor da faca próximo da minha pele.

Como eu não conseguiria, mamãe fez.

...

Tentei controlar minha respiração trêmula, como mamãe ordenou diversas vezes, mas a cada passo que eu me obrigava a dar, o cômodo girava, meu corpo inteiro tremia e uma descarga insuportável de dor subia pela minha perna.

Os olhos de James arregalaram assim que parei em sua frente com o sapatinho em meu pé. Ele disfarçou o olhar surpreso com um meio sorriso. Seu tio comemorou que haviam encontrado a dona do sapato de cristal. E por um momento, parecia que mamãe estava certa, que toda a dor valeria a pena.

Mesmo com a traição de Eleanor, eu me casaria com James. Veria todo dia seus olhos azuis e seu sorriso de canto. Seria sua esposa e um dia, seria a rainha de Aszria. Mas eu deveria ter lembrado que não era tão fácil para alguém como eu ter seu final feliz. Admito que esqueci, mas me lembrei rapidamente quando James percebeu o sangue no sapatinho.

Após isso, desmaiei com a dor.

Quando acordei, parecia que estava em outro mundo. Desconhecidos vandalizavam as paredes da mansão, escreviam ofensas e pediam que eu morresse. Todos em Egline achavam que eu era uma vilã perversa que fez a meia-irmã de escrava a vida toda e que tinha conspirado para tentar roubar o Príncipe. Sendo que até poucos dias, eles mal se conheciam!

Mamãe se mudou com Eleanor para o castelo pois ela precisava de ajuda no começo do casamento. Tudo que me deixou foi uma carta avisando que mandaria uma pensão para que eu conseguisse me manter e avisando que eu deveria ficar onde estava para não estragar as chances de Anna ter um bom casamento.

Final feliz para todos.

Menos pra mim.

Depois de tudo, mamãe me condenou a viver sozinha e isolada nessa mansão. Nem mesmo veio me visitar quando eu estava entre a vida e a morte. Alertou que desperdicei minha chance e que agora teria que lidar com as consequências. Não é bom ter alguém com minha reputação no palácio, perto da família real. Perto da futura rainha.

Perdi minha família e minha reputação. Fui condenada a viver isolada pelo resto dos meus dias. No começo, foi doloroso. Até que finalmente percebi: se não tenho mais nada a perder, porque deveria permitir que aqueles que arruinaram minha vida vivam felizes?

Que vivam o meu conto de fadas.

Não devo.

Porisso, prometi destruir o final feliz de todos. E vou. Mesmo que tenha quedestruir o que resta de mim no caminho.

 Mesmo que tenha quedestruir o que resta de mim no caminho

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