*** 1994. PLAYLIST. ***

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*** 1994. SeTeMBRO. SeXTA. PLAYLIST. ***



Ruivão ficou com aquela canção pós-cover o tempo todo na cabeça e não descansou até finalmente conseguir pôr as mãos na Playlist da banda para aquela noite.

Não foi fácil. Teve que conversar com quase todos os outros porteiros de casas noturnas e de casas de show com os quais trabalhou. Ele estava na casa noturna naquela noite, mas não conhecia a banda. Era um pessoal novo, primeiro show ao vivo de uns moleques de Porto Alegre. Ruivão lembrou em voz alta:

- Os guris eram bons.

Mas não puderam usar o nome da banda. Tocaram covers dos Doors no mini-show de abertura da noite para o show de algumas bandas que já tinham se firmado no cenário do rock no sul do país ainda na década de 1980. Quando o show acabou, voltaram ao palco para o bota-fora. A expectativa era de que tocassem músicas próprias e estavam bem felizes com a oportunidade. Mas estavam apenas ministrando o famoso bota-fora. Isso foi lá pelas quatro horas da manhã. Um show para meia dúzia de bebuns e dois casais que não tinham para onde ir e continuaram enroscados por ali. A expectativa é que eles colocassem o resto do pessoal para fora e Ruivão e os colegas não precisassem ser enérgicos na missão de convidar aquele pessoal a sair.

Naquela noite em que voltaram ao palco em São Leopoldo, a banda deixou de lado as canções gringas dos Doors e largou, logo na retomada, uma versão death metal do sucesso sertanejo "Desculpe, mas eu vou chorar". Ruivão pensou novamente e se perguntou "ou seria trash metal?"... De qualquer forma, começaram apenas com os vocais na primeira estrofe ("As luzes da cidade acesa clareando a foto sobre a mesa, e eu comigo aqui trancado nesse apartamento-oh-oooh...). Os instrumentos começaram a entrar um após o outro ao longo da segunda estrofe. E o gutural cavernoso do vocalista foi solto junto com a bateria logo após o verso "do meu pensamento-oh-oooh", agora entoando ferozmente o já famoso e lendário refrão.

Nem parecia a mesma banda que abriu o show, mas Ruivão achou que havia um certo padrão pouco perceptível. Com certeza não estava no estilo musical, talvez na ambientação... talvez... ou algo nas letras das músicas, na temática...

Um pressentimento ruim, uma sensação, passou pela mente e percorreu o corpo de Ruivão naquela noite de dezembro. Oito ou nove meses depois e Ruivão ainda não sabe bem o que era aquele sentimento. Agora com a Playlist daquela noite nas mãos, tem a mesma sensação, entretanto, pressente algo mais. Repostas? Pistas? Ele prefere que
sejam respostas.

Os colegas de Ruivão levaram-no a contatar o organizador do show daquela noite. Eles se encontram em Canoas, no estacionamento da faculdade. Era difícil de contatá-lo e
Ruivão ficou de tocaia, aguardando-o, encostado no Voyage do produtor musical.

Quando ele chegou, Ruivão estava terminando de comer a coxinha.

Contato visual mútuo e caras de poucos-amigos. O produtor passou pelo lado de Ruivão, que continuou
"encostado de costas" na porta do carona, vindo da dianteira do carro em direção ao porta-malas. Não falou nada. Só encarou. E foi encarado de volta: olho no olho. Abriu o porta-malas e literalmente jogou a valise dentro. Mas não sem antes retirar umas folhas grampeadas e uma agenda do tipo calendário de 1991.

Fechou o porta-malas e foi abrir a porta do motorista.

Quando entrou, Ruivão já estava confortavelmente sentado no banco do carona. Ele já tinha aberto a porta há algum tempo e vasculhado o porta-luvas, de onde pegou a fita
cassete que jogou no painel, diante do produtor. Completou a ação lambendo a gordura dos dedos e avaliando:

- É um lixo...

O produtor pegou a fita com a mão direita e jogou-a no banco de trás. Ela saltou no estofado e caiu no assoalho traseiro do lado do carona. Ele ergueu uma das sobrancelhas e concordou:

asM3M. Songbook. Playlist para o quarto volume.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora