Capítulo Sete - Ladrilhos de Relatos.

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Belo Horizonte, Minas Gerais, 07 de Março de 1998.

Dia 06. 

As folhas teimosas do bloquinho de palavras brasileiras pertencente à Frederick não concordavam com o meu objetivo de deixá-las estagnadas. Preferiam agitar-se com o vento frio típico dos meses de Março e Abril. Embora o dia estivesse bastante iluminado, a temperatura não ultrapassava os quinze graus. Num passo irônico, enquanto quase toda a porcentagem de pessoas que caminhava pela Praça usava ao menos um agasalho fino, Frederick estava confortável de bermuda jeans e camiseta.

O bloquinho do estrangeiro cooperou comigo e eu posicionei o meu toquinho de lápis emprestado no papel, pronto para começar. Entretanto, seu irmão não dera sequer sinal de fala. Frederick mantinha os olhos taciturnos a bailarem, cambaleantes, pelos seres femininos componentes da paisagem. Ele queria falar, mas seu pensamento esquivava-se para outro lugar. Fazia-lhe questionamentos com as quais Frederick não queria lidar em momento algum. 

– Ontem, você falou sobre a sua vida na Escola Secundária. – simplifiquei. 

O rapaz empertigou-se devagar, como se agora disposto a continuar com o que começara há quase uma semana. – Ja. Em suma, as coisas correram bem no Gymnasium. Minha vida poderia se resumir em estudar, estudar e mais uma vez, estudar. Só que eu ainda saía com Niklas para treinar, e com Rudolf para andar à toa vez ou outra. Minhas notas permaneceram muito altas durante todos os 12 anos em que durou a Escola Secundária. Quando eu tinha dezenove anos, Rudolf e eu acabamos nos embebedando pela primeira e última vez na minha vida. Estávamos comemorando, porque eu havia conseguido meu primeiro emprego com registro, como segurança noturna numa hospital. Acontece que, quando estávamos voltando para casa, andando pelas ruas, Rudolf desmaiou de repente. Caiu no chão num súbito, como se estivesse morto. Eu não sabia o que fazer, e bêbado como estava, joguei Rudolf nos ombros e fui meio correndo, meio cambaleando, para a hospital onde arrumei trabalho. O coração dele simplesmente estourou, feito a rolha de uma garrafa de champanhe. Um infarto numa rapaz de dezenove anos, da nada. Quais eram as probabilidades, Elias?

Era trágico e cômico observar que seu irmão poderia discorrer acerca dos assuntos mais tristes do universo sem qualquer sentimentalismo na voz ou alteração na expressão firme. Uma garota entrou no campo de visão dele. Notei que Frederick observava cada mulher num misto de sentimento de obrigatoriedade e certa esperança que continha em sua intrínseca formação uma periférica certeza de que ele, no fim, não encontraria. Não em tal dia, ao menos. Todavia, Frederick recusava-se a sair dali. Como ele mesmo dissera antes, permanecia para saber que ao menos estava tentando.

– Johnny, pode descrever o que você sentiu após saber da morte de Rudolf?

Seu irmão, de expressão trancada e ar grave, balançou em negativa a cabeça quase totalmente raspada, cujos muitos e curtos fios eram louros, próximos de serem brancos, num tipo de desistência camuflada. – Vazio. 

A voz soara um tanto quanto grossa, pesada demais, até mesmo para ele, quando continuou a explicar-me sobre sua escuridão infindável: – Como uma nada que insiste em ser perpétua. Eu compareci ao enterro. Foi onde consegui essa cicatriz – passou o dedo menor da mão direita pela marca um pouco rosada responsável por repuxar seu olho. Ela berra exibição na pele pálida. – A mãe dele me culpava pelo que aconteceu com Rudolf. Só Deus sabe como é que ela conseguiu levar um prego para o enterro. Em suma, nem a agressão dela, nem a morte do meu amigo... nada pareceu ter importância. Era isso Elias, as coisas já não faziam muita diferença para mim antes do infarto de Rudolf, mas depois... Foi como se eu tivesse me tornado imune a qualquer coisa... Sem sentimentos, sem vontades... nada...escuro. 

A fúria da inconstância.Where stories live. Discover now