Capítulo Zero - O paciente.

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Belo Horizonte, Minas Gerais, 02 de Março de 1998.

Ah, sim. Isso foi no mês retrasado, numa Segunda-Feira. Eu havia acabado de chegar ao meu consultório. Era exatamente oito horas da manhã; sei disso, pois nunca me atrasei para o trabalho durante todos os meus anos de carreira. O meu primeiro paciente geralmente está sempre marcado para o horário de 8:30. Uma consulta dura cerca de quarenta e cinco minutos.

– Bom dia, Arlete! – cumprimentei a minha secretária assim que entrei.

Sabe Werther, ela é uma mulher com cerca de quarenta anos. É baixa, muito branquinha e com os olhos puxados, de ascendência japonesa, e me cumprimentou de volta. Divido a clínica com outros três profissionais cujos nomes não importam: um psiquiatra, uma fonoaudióloga e um psicanalista. Cada um de nós tem uma secretária particular. Eu e Arlete costumamos chegar sempre meia hora antes do horário marcado para o primeiro paciente, sendo assim ficamos sozinhos por alguns minutos antes que meus outros colegas apareçam.

– Viu o noticiário hoje? – ela atropelou a boa educação com a pergunta.

– Ainda não – suspirei. – Mais uma garota desapareceu?

Ela assentiu. – A polícia disse que a capital tem ''um maníaco'' a solta. Disso eu já sabia há meses!

– Você deveria virar detetive. – sorri.

Deu de ombros, fazendo biquinho e me jogando um beijo esnobe. – Deveria mesmo – murmurou. Arlete estendeu o braço, de trás do balcão, para entregar-me a minha agenda. – Seu próximo paciente marcou a primeira consulta, Elias.

– Hoje não é dia de atender o Moura?

Minha secretária negou com a cabeça. – Moura é as Quartas-Feiras! Ainda não acordou direito? – ela esticou-se do seu lugar e me deu dois tapinhas na bochecha. Arlete sempre foi abusada. – Segunda-Feira ás oito e meia você atendia a Rochelle, mas liberou a coitada na última consulta, lembra?

Eu lembrei, e fiquei assentindo feito bobo durante um tempo, enquanto abria a agenda. A japonesa magrelinha continuou falando. – Esse cara ligou tem quase uma semana, mas você não tinha horário. Ele liga todo dia desde então. Deu sorte ontem.

Na agenda, o horário de oito e meia da matina foi todo rebocado com corretivo, o que deixou um aspecto bastante descuidado. Em cima da tinta seca, Arlete escreveu a caneta em letras bastões e desuniformes o nome Frederick Emmanuel Volker Kaltenbrunner. Eu franzi o cenho e afastei a agenda de meus olhos, tentando enxergar com clareza. Quando arrisquei-me a pronunciar o nome dele, Arlete levantou os braços num descarte da minha tentativa.

– Nem fala! Eu escrevi primeiro ''Frederico Emanuel'', ? – ela ia falando e eu ia franzindo ainda mais a testa para o último nome, que nem os meus pensamentos conseguiam inventar uma pronuncia capenga. – Aí o cara continuou falando, e eu me enrolei toda! Ele conversa depressa demais, então pedi para esperar, passei o corretivo e falei para soletrar o nome dele. Jesus, isso é um nome ou o alfabeto?

Baixei a agenda após minha tentativa bastante frustrada de conseguir inventar uma pronuncia para o sobrenome de vocês, e me desculpe por isso Werther. Devolvi a agenda rebocada no horário de oito e meia para Arlete, debruçando-me no balcão em seguida para conversar mais de perto. – Deve ser um descendente de estrangeiros.

– Péééé! – ela imitou o som de uma sirene anunciando que a resposta estava errada. Pegou o telefone que começara a tocar e apontou-o para mim. – O cara não é descendente de estrangeiros – Arlete falava junto com os ''alôs'' que vinham do telefone, esticando o fio deste para aproximá-lo mais do meu rosto. – Pelo sotaque, ele é o estrangeiro!

A fúria da inconstância.Where stories live. Discover now