01 de dezembro - Parte 10

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- Você sabe o que merece depois dessa ligação? O melhor doce do mundo!

Eu podia não ter absolutamente nada em casa para comer, mas leite condensado e Toddy entravam numa categoria especial, são itens vitalícios.

Separei todos os ingredientes e coloquei a panela no fogo.

- Eu nunca comi brigadeiro antes.

- Imaginei, mas tenho certeza que você vai gostar. É tipo um chocolate derretido, só que muito melhor. E além do mais, brigadeiro é minha especialidade.

Sean dividiu o fim do espumante entre nossas taças. Ainda bem que tinha acabado, depois do doce o gosto ficaria terrível.

Enquanto eu acrescentava o leite condensado, depois de a manteiga já ter derretido, Sean me contou sobre o doce favorito de sua mãe, Crème Brûlée.

- Não é um doce fácil de se fazer em casa.

- Não, mas ela gosta tanto que passei a me esforçar para conseguir reproduzi-lo. Chegamos até a comprar um maçarico para finalizar, mas nunca fica tão bom quanto eu gostaria. Eu não tenho facilidade com doces. Da última vez que tentei, a base do creme deu uma leve queimada enquanto estava no fogo, ela ferveu muito e as bolhas acabaram sujando a cozinha toda. Jimmy, nosso cachorro, foi o único a aproveitar a sobremesa.

- Como assim você tem um cachorro e ainda não me mostrou a foto dele?

Ele caminhou até minha escrivaninha, onde seu telefone estava, e selecionou algumas imagens para me mostrar. Dentre elas, havia um vídeo no qual Jimmy buscava a bolinha pelo menos 6 vezes, de maneira incansável. Era um cão sem raça definida, de porte grande, muito charmoso.   

- Eu nunca tive cachorros grandes – falei, me lembrando de todos os animais que já tive na vida. – Só sei lidar com os pequenos.

- Bobagem, os pequenos são mais delicados. Se você sabe lidar com eles, sabe lidar com qualquer um. Aposto que Jimmy gostaria muito de você. – Quando ele me disse isso, notei a falta que sinto de ter um cachorro perto todos os dias. Toda vez que vejo um na rua, tenho vontade de abraça-lo e enche-lo de beijos. Por mim, nós já teríamos um, mas Mateo gosta de gatos.

- Quando eu for mais velho, quero uma casa cheia de filhos e cheia de cachorros.

- Eu também. – Era tudo que eu mais queria, para falar a verdade.

Anunciei que o brigadeiro estava pronto, mas economizei um prato na pia e coloquei as colheres na própria panela, assumi que já possuíamos intimidade suficiente para isso.

- Então... – Sean começou enquanto nos ajeitamos no sofá, eu com uma almofada no colo, aconchegando a panela entre ela. Pude notar uma pitada de hesitação em sua voz, como se ele estivesse prestes a desistir do que quer que fosse falar - Tudo bem por você se eu ficar por aqui hoje?  

Eu conhecia aquele sentimento. Parecia quando precisava pedir permissão à minha mãe para dormir fora de casa. Mas já estava tão acostumada com sua presença que nem havia notado que horas eram.

Onze e meia.

Acho que pensei que ele iria embora logo depois do brigadeiro. Ou simplesmente não pensei no assunto.

- Claro, eu tenho um colchão guardado, posso arrumar para você. Só não tenho nenhuma roupa para emprestar...

- Não tem problema! Na verdade, a Amanda conseguiu me mandar uma troca de roupa junto com a entrega de comida. Não me pergunte como ela fez isso, mas aparentemente vai ser mais fácil de sair daqui despercebido se eu estiver usando outras roupas.

- Faz sentido. – Depois dessa, Amanda ganhou alguns pontos comigo.

- Podemos assistir um filme, então?

***

Eu não sei se era o álcool, ou fato de que escolhemos assistir um filme do Woody Allen depois de um dia cansativo, ou talvez fosse uma mistura dos dois. Só sei que, quando me dei conta, estávamos no meio de uma briga sobre a vida ser baseada em sorte ou em merecimento.

Claramente, eu era a defensora da sorte. Assim como em Match Point, quando o anel não cai no rio e, mais para frente, o personagem se safa de tudo, acredito que muito do que acontece com a gente nada mais é do que um acumulado de sorte e coincidência. Só o fato de estarmos vivos agora é uma mera coincidência. Quem me salvou de não ter sido atropelada ontem, enquanto eu atravessava a rua?

Tudo bem, as vezes eu acredito que há uma linha traçada que meio determina tudo que vai acontecer conosco. Você pode se desvirtuar um pouco do trajeto, mas sempre volta para ele em algum momento. Eu acabo pendendo para esses dois pensamentos, uma combinação de sorte e destino.

Mas não Sean. Ele acredita que você tem que correr atrás de tudo. Que onde você se encontra agora e onde estará daqui há uma semana só depende de você.

Óbvio. A pessoa é mundialmente famosa. Podre de rica aos 21 anos. Vai achar que foi tudo sorte, ou que ele nasceu para ser assim? Claro que não. Vai achar que fez por merecer.

E faz sentido. Eu concordo, também pensaria assim se tivesse a vida dele.

Mas e agora? E se você olhar a minha vida? Eu não trabalho no que eu queria. Isso é minha culpa? E se você olhar o fato de que eu estou conversando com uma celebridade mundialmente famosa, e que eu poderei entregar a melhor entrevista sobre ele de todos os tempos, mas eu nem ligo?

Por que eu sou mais merecedora do que alguém que ama trabalhar com isso e faria de tudo para estar no meu lugar? Pura sorte, é isso o que eu acho. Não há nada de merecimento aqui. Se fosse por ordem de merecer, eu estaria lá atrás, bem no final da fila.

Essa entrevista provavelmente iria deslanchar minha carreira- pensei.

Tomei um grande gole de água. Ficarei presa entrevistando famosos para sempre.

Não me entenda mal, eu sei que poderia ser pior. Meu pai diria que eu poderia nem ter um emprego. Mateo diria que eu poderia estar presa o dia todo em um escritório. Eu diria que, mesmo podendo ser pior, ainda não é bom. Estar acostumada não significa estar feliz.

Sendo sorte, destino, ou minha própria culpa, eu não deveria ter o direito de ser 100% feliz fazendo o que gosto?

- Por que você tem a chance de fazer o que ama da vida, e eu não? – A pergunta soa mais dura do que eu gostaria.

- Porque eu tentei. Você tentou? – Foi como um tapa na cara, de novo.

- Não. Mas e se eu tentar, e não conseguir?

- E se você conseguir?

Eu nunca havia pensado nessa possibilidade. Em todas as minhas vivencias imaginárias, de alguma maneira eu falhava.

Tenho vergonha de pensar que uma pessoa mais nova já está tão mais resolvida do que eu. Por um período, até me afastei das redes sociais, para evitar ver o quanto meus colegas de antigamente parecem mais à frente na vida do que eu. Eles aparentam 100% felizes com suas escolhas, enquanto eu ainda tenho certeza do que poderia me fazer tão feliz assim. Aliás, ainda nem tenho certeza se esse nível de felicidade sequer existe.

- Você sabe o que gostaria de fazer?

- Tenho alguma noção.

- E poderia me contar?

Queria dizer não. Queria dizer que nunca contei para ninguém e nem contaria.

Mas, ao mesmo tempo, queria engolir toda a vergonha. Depois de amanhã, eu nunca mais veria essa pessoa na minha vida. Qual o problema de contar para Sean? Se fosse um desastre, eu poderia fingir que nunca existiu.

A Garota da Capa [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now