01 de dezembro - Parte 07

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Todo esse desentendimento por nada me fez lembrar da primeira briga que tive com Mateo. Não me recordo do motivo exato, era algo bobo também, mas a sensação me lembrava a de segundos atrás e eu fui arrastada para aquela memória rápido demais.               

Tive medo de ter estragado tudo entre a gente. Fazia dois meses que nos conhecíamos, e eu havia escolhido um assunto aleatório para implicar. Faço isso as vezes, quando as coisas estão indo bem, fico achando que não sou merecedora e me auto saboto da maneira mais estupida possível. Mateo sempre me alerta sobre essas situações.

Na minha cabeça, o tema sempre faz a briga valer a pena e quando me dou conta, já estou muito longe no argumento e tenho vergonha de voltar atrás, não consigo me convencer a dizer as palavras que deveriam ser ditas, a assumir o erro e acabar com aquilo.

Então, quando a mesma sensação de auto sabotagem tomou conta de mim, quando eu não consegui encontrar as palavras e me senti muito longe para voltar atrás, eu não consegui entender. Não havia nada para sabotar ali e, ao mesmo tempo, eu sentia todos os avisos dentro de mim, gritando tudo de novo.

Não.Faça.Isso.

Você.Vai.Estragar.Tudo.

Mas espera aí, estragar o que? Não há nada aqui.

- Vou tomar um banho, bom?

Como eu não conseguia nem ao menos me entender, fugi. No momento, parecia minha melhor alternativa.

Tirei peça por peça e senti como se tivesse passado uma semana com a mesma roupa. Fiquei mais leve. Me olhei no espelho, que ocupava toda a parede do banheiro, sem entender ainda o motivo de toda a minha confusão interna. Observei parte por parte do meu corpo, tentando encontrar respostas internas no reflexo.

Entrei no chuveiro e deixei a água escorrer, o cabelo molhado colado em minhas costas, as gotas levando para o ralo o peso do dia todo. O cheiro do sabonete molhado invadiu o banheiro e me senti realmente em casa. Eu adorava aquela marca, usava a mesma há anos, desde que Mateo havia me apresentado. No meio desse pensamento, no meio da água, comecei a chorar.         

As lágrimas rolavam misturadas a espuma, me sentia ainda mais confusa. Era como se meu subconsciente tivesse assumido o controle e meu cérebro não conseguisse processar todas as emoções. Em meio as fungadas e soluços, me encontrei em modo automático, mas, mesmo sem entender, me senti melhor.

Tirei o sabão do corpo, me enrolei na toalha. No espelho, era somente eu novamente. Mais calma, mais confiante. O vapor, que havia tomado o ambiente e agora escorria pelas paredes, levou com ele toda a insegurança que eu sentia.

Às vezes a razão não consegue processar todos os sentimentos. O que quer que isso tenha sido, passou.

Sai do banheiro usando uma calça de moletom e uma blusa com desenho de coelhos. Era o pijama mais apresentável que eu tinha guardado, mas não me importei. Naquele momento, estava me sentindo muito bem.

***

Ao cruzar a porta, dei de cara com Nina sentada em meu sofá ao lado de Sean. Quanto tempo eu passei no banho?

Ela parecia ter se adaptado a ele com muito mais facilidade do que eu. E eu nem me refiro ao copo de água que virei nele no segundo que nos conhecemos, mas sim nos momentos seguintes. Os dois pareciam à vontade, como amigos de infância.

Por um instante, senti uma pontada de ciúme. Queria que a Nina pudesse se dar bem assim com Mateo também.

Logo em seguida, Sean me notou e fez sinal para que eu me sentasse do lado deles no sofá.

- O que é isso que você está vestindo? – Indagou em português, para que ele não pudesse entender – pelo amor de Deus, vá trocar essa roupa agora – Ela dizia sorrindo, disfarçando, para que ele não notasse o tom da conversa.

- Eu estou feliz assim. Feliz e confortável. Pare de me encher o saco.

Uma expressão de dúvida já havia começado a surgir no rosto de Sean, como quem não consegue compreender o porquê de estarmos conversando em outra língua. Como se tivéssemos esquecido que ele estava ali.

As sacolas que ela havia trazido estavam todas em cima da mesa da cozinha. Senti um impulso de espionar o conteúdo, tentando antecipar o que poderia ser nossa janta, mas me controlei. Achei que seria repreendida por Sean.

- Vou guardando as compras na geladeira – Se eu não podia espionar na cara dura, ao menos poderia tentar, disfarçando de eficiência.

- Não, podem ficar conversando aqui, eu começo a fazer o jantar. Não sabia que você ficaria conosco, Nina. Mas acredito que a comida seja suficiente.

Droga. Sean 1, Elena 0.

- Na verdade, eu já estava de saída, Sean. Foi um prazer te conhecer. – Disse, enquanto o envolveu em um grande abraço, o qual ele pareceu retribuir de bom grado.

- O prazer foi todo meu! E obrigado por ter subido com as sacolas, não tenho como te agradecer, seria bem difícil ter que descer.

- Vá trocar de roupa – ela me disse, fechando a porta.

Enquanto Nina saía, me senti estranha. Como se o clima de quando nos conhecemos tivesse retornado do passado. Ou como quando minha mãe me deixava sozinha com um filho de uma amiga brincando na sala, mas eu sabia que ela estava na cozinha, prestando atenção.

Fiquei encarando meus pés, de maneira meio sem graça. O esmalte vermelho já havia começado a descascar. Provavelmente eu devia ter colocado uma meia. Estava torcendo para que ele não notasse. O clima, não a falta do esmalte.

- Você me ajuda a preparar nossa comida? – Sean me pegou pela mão e me conduziu até a cozinha, completamente alheio à minha timidez momentânea.

- Acho que precisaremos de uma trilha sonora para isso, não?

A Garota da Capa [CONCLUÍDO]Où les histoires vivent. Découvrez maintenant