A história do 31: Aurora e Lineu

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Uma caixa de lenços de papel toda amassada, um bolinho ainda dentro da embalagem, mas todo esmagado também. Lineu era tão bagunceiro! Continuou fuçando dentro da mochila. Ela tinha uma missão e não ia desistir enquanto não encontrasse a prova de que precisava.

Há tempos que o marido andava chegando tarde em casa. Era sempre uma desculpa diferente: o trânsito, uma reunião, um problema técnico que surgiu no fim do expediente e que precisava ser resolvido com urgência. Ela já tinha revirado o celular dele sem encontrar nada suspeito. Lineu era esperto.

Aurora tinha que admitir que a relação deles andava meio morna e que provavelmente era por sua culpa. Ela tinha passado mal durante a gravidez toda e cuidar de um bebezinho era muito desgastante, ainda mais agora que a babá tinha pedido demissão porque ia se casar. Aurora andava sempre tão cansada que havia se esquecido de Lineu. Mas, ainda assim, estava magoada. Ele poderia ter tentado conversar. Ele sabia o quanto ser mãe significava para ela.

Nascida num bordel, a mãe biológica morrera quando ela ainda era bebê. Ela tinha passado boa parte da infância em orfanato até ser adotada por um casal de alemães aos cinco anos. Era natural que quisesse dar ao filho todo o amor e atenção que não teve nos primeiros anos de vida. Se Lineu não podia entender isso, ele era um monstro.

Continuou procurando. Um guarda-chuva, uma blusa de frio de malha fina, amarrotada. Cheirou a blusa e teve vontade de pegá-la para lavar, mas não podia. Uma cartela de remédio para dor de cabeça, um caderno... Abriu o caderno sentindo o coração falhar. Lineu roncava no quarto. No caderno, apenas a letra dele em caneta azul. Apesar de algumas siglas incompreensíveis, as anotações pareciam bastante inocentes, nada que não se assemelhasse à linguagem tipicamente profissional. Abriu o bolso lateral da mochila. O zíper fez mais barulho do que ela esperava, interrompendo o ronco do marido. Ouviu quando ele se mexeu na cama e correu para a cozinha na ponta dos pés para fingir que tinha ido buscar um copo d'água. Só precisava torcer para ele não reparar no zíper aberto. Mas logo tornou a escutar o ronco e retomou sua tarefa com afinco. Até parecia que ela desejava encontrar alguma coisa. No bolso lateral, nada além de recibos e notas de compras. Um cupom fiscal de restaurante, que pelo valor não era nada de mais, outro de estacionamento, outro de posto de gasolina. E quando já estava quase desistindo daquela sandice, surgiu uma nota de compra de valor bem mais alto: um perfume feminino. Bingo! Aurora foi se deitar pensando no que fazer com aquela descoberta. O bebê não chorou naquela noite de sexta-feira. Quem chorou foi a mãe. Acordou com os olhos inchados. Lineu já tinha trocado a fralda do filho e a aguardava com o café da manhã pronto e um presente. Queria compensá-la de alguma forma por estar trabalhando tanto e não lhe dar a atenção merecida. Pelo tamanho e formato da embalagem, ela sabia que era um perfume. Mas não só por isso.


O mito por trás da história: Pandora e Epitemeu

Num tempo em que não havia a informação de que desfrutamos hoje, acreditava-se que Zeus incumbira aos titãs Prometeu e Epitemeu a tarefa de povoar a Terra. Assim, os dois irmãos criaram os animais, atribuindo-lhes características que garantissem sua sobrevivência.

Quando chegou a vez do homem, que deveria ser superior a todos os outros, não sabiam que dom especial conceder-lhe. Prometeu foi então até o carro do sol de Apolo e, acendendo uma tocha, trouxe o fogo para sua mais recente criação.

A mulher ainda não existia. Conta-se que a primeira, de nome Pandora, criada por todos os deuses para ser perfeita, foi um presente de Zeus aos irmãos titãs. O que não se sabe é se o presente foi uma recompensa pelo trabalho realizado ou uma punição por terem roubado o fogo do Olimpo...

Epitemeu aceitou-a como esposa. Acontece que Epitemeu tinha uma caixa, ou jarra, mantida em extrema segurança, onde guardava todas as coisas das quais não se havia servido em sua obra; e Pandora não se aguentava de curiosidade e desconfiança quanto ao conteúdo do tal recipiente.

Certo dia, resolveu abrir-lhe a tampa a fim de apenas espiar o que tinha dentro. Foi o bastante para que diversos males, como a inveja, a ganância e a fome, escapassem de seu interior. Mas como nada é inteiramente ruim, junto com os males Pandora também liberou um bem capaz de abrandar todos eles: a esperança.

 Mas como nada é inteiramente ruim, junto com os males Pandora também liberou um bem capaz de abrandar todos eles: a esperança

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