⏳. Infinito

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Definição das duas palavras que mais odeio, que consequentemente geram outras palavras que odeio:

Cronofobia.

Crono: Deus da mitologia grega.

Fobia: Falta de tolerância para com algo ou alguém.

Crono: Tempo.

Fobia: Medo.

Cronofobia: Medo do tempo.

Eles me chamam de esquizofrênica. De neurótica. Neuro, nervos, neuro, ótica, nervos, neuro, neuro. Não sou neurótica. Quem é esse alguém neurótico? Eles são, porque me chamam disso. Eles são o que falam, mas a vida os cega ao ponto deles julgarem sem serem julgados.

Eles são tão neuróticos.

É normal ter medo de algo, não é? Mas a doutora diz que é perigoso quando o medo dói. Eu tive medo de ter medo, tive medo de doer. Lembro bem da dor, porque ela ainda está aqui. Dói ter medo. Dói.

Medo do tempo, tique-taque. Tempo.

Ele não para. Gosto de coisas calmas, que parem um pouco pra respirar. Eu não sou calma, me tremo toda, mas gosto de coisas calmas porque o coração para de bater. Gosto dele, ele é calmo. Mas o tempo, ah, o tempo, tempo, tempo...

Ele passa correndo, voando, pilotando. Tique-taque; passou! Tenho medo disso. Tenho medo do tempo voltar, tenho medo dele parar, tenho medo dele seguir em frente. Tenho medo dele. Ele não podia existir. Então não teríamos hora pra parar de sorrir e hora para chorar. Não teria hora pra doer e não teria hora pra gritar. Não teria hora para ver ele, e não teria hora dele ter que ir embora.

Sem hora, sem correria.

O tempo. Ele é tão nu e tão cru. Tão nu, do jeito em que tento me vestir mas ele me despe. Tão cru, do jeito que toca a pele e afunda pra chegar no coração e acelerar, acelerar, acelerar... gritar e correr mais. Cru, nu, nu, cru. Os dois juntos. O quão belo isso pode ser?

O tempo está ali, mas eu tento não fugir dele. O tempo está ali, ali do lado, com seu caderno de anotações, todas suas horas, seus dias, seus meses e anos, pronto para cobrar cada segundo que planejei querendo morrer pra ele.

Morrer. Morrer para o tempo.

Maldito seja o tempo. Maldito seja ele e todos os seus segundos dolorosos.

Clima ambiente, 14 de junho. Tarde de sexta-feira.

— Quanto tempo dura o infinito? — Fingi não perceber que seu corpo estranhou a palavra sair de meus lábios, afinal, nós dois estávamos na mesma corrida para fugir das horas do dia. Ele, que antes organizava os quadros na parede, se virou pra mim com os olhos cheios de vida.

— Podemos dizer que o infinito dura hoje. — Seus fios loiros caiam num gesto belo na frente de seus olhos, seus lábios vermelhos e secos mostravam o pouco de descuidado que ele andava tendo consigo mesmo, e sua blusa grande tinha letras bordadas, mas não consegui lê-las. Ele era belo demais.

— Então o hoje é para sempre? — Perguntei enquanto assistia seus poucos passos desde onde o quadro estava até mim, naquele balançar bonito que gritava cantos de alegria vindos das paredes do apartamento só por ver seu brilho perambular.

— Não, querida.

— Mas se ele é infinito, por que morre?

— O hoje é o hoje. Amanhã será hoje logo, logo. E depois de amanhã será hoje também. — Mãos na minha cintura, arrepios no cérebro. Maldito seja o toque falador que ele tem.

— O hoje demora?

— O hoje transforma. — Seu beijo se estalou na minha testa.

— Eu mudei de ontem para hoje? — Ele ficou ainda mais perto de mim, seus olhos gritavam seu sorriso, seu nariz se roçava no meu. Hoje, hoje, hoje, que o hoje não acabe nunca.

— Nós somos mudados todos os dias. Hoje você é uma estrela muito mais brilhante que ontem.

— Estrelas não são infinitas, Kim. Estrelas morrem. — Ele sorriu e concordou.

— Morremos para nos transformar de novo.

Eu gosto de preto. Mas também gosto de rosa, de branco, de vermelho e amarelo. Eu tenho aula de teatro todos os sábados. Eu gosto de matemática, mas prefiro escrever e desenhar girassóis. Eu gosto de quadros, eu gosto dele, e gosto do infinito. Mas se o infinito faz parte do tempo, como vou fugir dele também?

— O quão infinita posso ser?

— O quão infinita você quiser ser.

Sou mulher infinita. Sou mulher infinita porque desejo te tocar todos os dias.

Ele sorriu. Consigo ver uma chuva chegando de leve, as janelas embaçando e os passarinhos voando rápido na direção oposta. Consigo ver os papéis jogados por todos os cantos, consigo ouvir as rosas do vaso em cima da mesa cantando em um coral alto, consigo sentir o toque dele, consigo ouvir...

"Ele vai te prender."

— Onde?

"No hoje. Vai te prender no hoje. Tempo, tempo! Ele é tempo, corra do tempo!"

— Ele é infinito... — Os olhos dele brilhavam como o sol. Os lábios dele tocaram os meus em um leve instante, que eu só parei para responder a voz outra vez, e então voltar a beijá-lo de novo: — Tão, tão infinito...

Ele é quente. Suas bochechas são quentes, seus ombros são quentes, seu quente é quente. Ele é uma estrela. Ele me respira. Estou virando ar pra ele. Eu me deixo virar ar. Sou infinita com ele pra ser ar todos os dias. Pra ele me beijar todos os dias, me contornar todos os dias, todas horas, todos os instantes. Todo o tempo do mundo só pra mim e ele, porque essa é a única vez que não sinto medo do tempo: quando ele me beija.

Que o tempo torne-se meu, para que eu faça ele me beijar e me respirar todos os tempos, de todos os tempos das galáxias, de seus anos-luz, de seus buracos de minhocas e suas estrelas. Que o tempo seja meu, seja nosso, seja infinito também.

"— O infinito custa caro, garota... " — Eles disseram.

"— O infinito mata."

"— Você vai morrer pelo tempo que não vai chegar."

"— Vai morrer por quem nem existe."

"— Vai viver por quem já está morto."

— Vou morrer? — Parei de escutar as vozes para perguntar a ele, mas ele só sorriu e não disse nada.

"— Você é real?" — Me perguntaram.

— Não sou real.

"— Ele é real?" — Olhei pra ele, que brilhava e era colorido como toda sua coleção de quadros.

— Eu não sei...

"— Pessoas infinitas vivem o hoje. Estão presos lá, e não vão sair."

"— Você é real?"

— Eu sou real?

"— O tempo é real?"

— Ele é real.

" — Você é real ou não?"

— Não sou real.

— Ágape, olhe para mim... — Ele levantou meu queixo, me fazendo deixar de prestar atenção nas vozes e me fazendo mergulhar nele. — Eu sou real para você, Ágape?

— É tão real...




*Capítulo Betado por: @antaresstae @MarsGrapphics

Cronofobia • knjWhere stories live. Discover now