Capítulo 11 - Voltar atrás

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Acordei com o som abstrato e estranho de alguém a discutir no andar de baixo. Bem… isto era novidade! A família Walker discutia, sim. Era algo que não era de modo algum novo para nós mas… tão cedo?

Murmurando obscenidades à medida que me despedia do meu sono, levantei-me e dirigi-me à porta do quarto que se encontrava fechada. Encontrei-me parada ali, ainda descalça, com as mãos pousadas levemente na madeira, procurando respirar o mais subtilmente possível para que pudesse ouvir perfeitamente a discussão que parecia agravar-se a cada segundo que passava.

“John, não te posso dar isso! Tu sabes que eu não-“ no mesmo segundo, já o meu irmão a interrompia com uma voz que parecia fazer qualquer um tremer da cabeça aos pés.

“Mãe, eu preciso! Tu sabes que eu preciso do dinheiro!” Assim que ouvi esta palavra, abri abruptamente a porta e marchei pelas escadas abaixo. “Aquele otário do Louis não me empresta mais nada…” Mal pisei os últimos degraus, um forte cheiro característico fez-me levar a mão à frente do nariz. Álcool, claro. O cheiro invadira de tal modo a sala que parecia invadir instantaneamente os meus sentidos. Desta vez, foi a voz da minha mãe que interrompeu, surpreendida e incrédula.

“Tens andado a pedir dinheiro emprestado?!” Engoli a seco, à medida que assistia a isto. Fez-se silêncio pelo mais raro segundo e depois, o meu irmão parecia estar ainda mais enfurecido. Dei um passo em frente, duvidosa. Não me restavam dúvidas de como estava bêbado.

“Não interessa! Não interessa!” gritou ele. A forma como se movia, os gestos que fazia, transpareciam o quão transtornado ele estava. Não estava em si mesmo. Tornava-se violento.

Avançando na sua direção, procurei interromper à medida que ele continuava o seu patético discurso.

“Mãe, tu não percebes! Eu preciso deste dinheiro! Eu preciso deste dinheiro!” E sem mais nem menos, agarrou-lhe na camisola. Os meus sentidos pareciam ter ficado repentinamente alerta e todo o meu corpo parecia forçar-me a agir. “John! John!” gritava a minha mãe, numa tentativa de o consciencializar do que fazia. O tom de urgência e receio eram inconfundíveis e eu não consegui mais manter-me no lugar. Ele parecia a leste do que quer que fosse, incluindo a minha presença. “Eu sei que tens dinheiro, mãe! Eu sei que sim!”

“Eu não te vou dar dinheiro para a bebida.” Chorava ela, desesperada, à medida que ele a sacudia. No meio de tanta gritaria não encontrei nenhuma outra forma de intervir senão também através dos gritos. Assim que me aproximei, procurei posicionar-me entre o John e a minha mãe.

“John! Para! John, estás a magoar a mãe! Para!” ordenei com a voz um pouco mais descontrolada do que esperava. Sentia-me, pela primeira vez em longos anos, verdadeiramente assustada. Como me sentira no passado. Desta vez, no entanto, a história iria ser diferente. Não podia permitir que se repetisse. “Larga-a!” gritei, a minha voz assemelhando-se a um rosnado. Com isto, agarrei-lhe no casaco, e empurrei-o para trás, avançando à medida que o seu corpo debilitado pela forte substância alcoólica, recuava. Apanhei de relance as horas, mostradas no relógio da parede.

“São sete da manhã, John! O que é que andas a fazer?!” o meu tom era autoritário; inquiridor. Atrás de mim, ouvi o gemido abafado da minha mãe. E foi tudo o que precisei para perder o controle da minha própria voz. Encontrei-me repentinamente a berrar ainda mais alto. “O que é que estás  a fazer?! Porra!” apontando para a minha mãe, que permanecia encostada à parede, como se dela precisasse para se manter de pé. Toda a frustração que aquela situação causara, parecia agora juntar-se gota a gota bem na pontinha da minha língua. “Aquela é a tua mãe! A nossa mãe, John!" por um segundo, parecia que ele estava a ver uma mulher desconhecida que alguém havia magoado. Mas não ele. Estava demasiado bêbado para ver as coisas como elas eram. "Queres magoar alguém? Tudo bem! Faz o que quiseres. Mas não a ela! Não a ela!” repetia perturbada, empurrando-o consecutivamente à medida que cuspia as palavras repletas de incredulidade e desespero.

Peripécias da Vida de AbbyWhere stories live. Discover now