Capítulo 1

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Há três anos estava em minha casa, onde vivia com minha mãe e meus avôs maternos, e havia acabado de tomar uma xícara de café quando ouvi o som da minha liberdade. Meu pai havia buzinado no portão e aquele era o momento em que eu partiria para a república onde moro hoje.

Meus pais se divorciaram quando eu ainda era uma criancinha. Tinha cinco anos, me lembro bem do dia em que ele partiu de casa, mas não é o momento de eu lhes contar essa parte. Eles se divorciaram por divergência de pensamento, dentre tantos outros motivos que nem eles mesmos sabem; mas calma não é uma divergência qualquer, porque sei que divergências existem o tempo todo e em todos os tipos de relacionamentos. A deles eu diria que é algo bem polêmico, mas talvez não seja se você, assim como eu, sente-se livre de tal coisa. Quer saber o que era? Bom, se estiver lendo isso em voz alta, baixe o tom da voz para dizer a próxima palavra... religiosidade.

É parece até crime falar sobre tal coisa, mas não é não. E ao ouvir a minha história talvez você entenda essa palavra de uma forma diferente.

Voltando à aquela manhã, precisamente minutos antes de ouvir a tão aguardada buzinada.

Eu tinha acabado de completar dezoito anos e me encarava no espelho, e cara; eu não estava feliz com o que eu via. Meus cabelos longos, de um liso perfeito, ou melhor, quase perfeito se não fosse o friz e as pontas duplas para todas as partes, chegavam quase ao meu joelho e você não quer imaginar o quanto minha cabeça doía pelo peso que ele tinha. A roupa que eu vestia me deixava uns sete anos mais velha e deixarei que pense em como ela era.
Minha sobrancelha não se encontrava, mas estava bem perto de ser uma monosselha. Se via refletida naquele espelho a perfeita imagem de uma jovem frustrada e que não sabia o que amor próprio significava, e não foi assim tão fácil descobrir.

Quando meu pai chegou, minhas coisas estavam todas agrupadas dentro de uma única mala. Claro que minha mãe questionou porque levaria poucas coisas.

— Vou para a universidade mãe, não precisarei de muitas coisas, para passar o dia todo estudando doenças da boca de outras pessoas, ou coisas do tipo.

— Ouvindo você falar assim até parece que o curso que vai fazer é uma prévia do inferno.

Como eu desejei responder assim: Sim, dona insuportável. De fato é uma prévia do que quiser chamar, pois estou fazendo isso inteiramente contrariada, mas ao invés disso eu sorri e respondi, como uma boa moça que era.

— Me desculpe, claro que ser doutora como a senhora sempre sonhou me enche de orgulho.

— Essa é minha garota, as outras mães da nossa comunidade estão morrendo de inveja sabia. Ouvi algumas delas dizer durante um ensaio do coral que seus filhos mal conseguiram passar para a segunda fase do processo de vestibular, e veja só você, uma futura doutora.

— Que maravilha não é.

E assim ela me deixou em paz com o papo da mala. Iria começar uma nova vida, isso era tudo o que eu havia decidido, e lhe mostraria o que novo significa.

Não demorei nem meio segundo para agarrar minha mala e ir em direção ao portão, mas claro que a comitiva de despedidas já estava a postos aguardando para dizerem suas últimas palavras na tentativa de me manter como eles haviam me deixado por todos esses anos.

— Não se esqueça de quem você é, heim. — Falou meu avô me apertando em seu abraço fantástico.

— Que tudo corra bem e nunca se esqueça de fazer as orações durante o dia. Não deixe que esse mundo te corrompa. — Foi a vez da minha avó.

— Bom, já conversamos muito e tenho certeza que vai se comportar como deve. — Minha mãe falava com um tom brando, estava mesmo convencida de que eu continuaria sendo a mesma garotinha que ela estava acostumada.

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