De uma certa forma, abrir o envelope e encontrar o seu conteúdo, sabendo quem era o remetente, fazia eu me encontrar em um desses dias chuvosos.

A diferença: a mim cabia apenas viajar nas memórias de um guarda-roupa que acumulei com todos os momentos bons que vivi ao lado do homem que eu, naquele momento, amava.
Sempre.

Eu não estava mais sozinha, talvez. Eu sempre seria acompanhada das memórias do que vivemos, algo que não aconteceria novamente, não da mesma forma, não depois de tudo que eu já sabia.

A vidraça havia quebrado e os vitrais coloridos caíram ao chão. Não havia eterno retorno que resolvesse isso ou pudesse transcender os problemas do universo em que eu me encontrava.

Então eu abri a carta e li o seu conteúdo, segurando as lágrimas que todas aquelas palavras criaram nos meus olhos. Oliver e eu éramos mais parecidos do que eu imaginava, mas isso não significava que poderíamos ficar juntos, mesmo com tanto amor, e ele sabia disso.

Oliver parecia saber exatamente em qual situação eu estava, mesmo que provavelmente não soubesse que meu futuro inimigo deveria ser ele. Nesse instante, o meu maior arrependimento foi não ter dito que eu o amava.

E eu não teria outra oportunidade como a que tive, não do jeito certo. Seríamos errados até nisso e nenhuma vilania da parte dele poderia justificar a Janeiro inocente que não sabia retribuir o amor de alguém, mesmo um amor tão desejado e procurado.

Investigando o interior daquele envelope, eu encontrei não somente a carta escrita à mão pelo Oliver, mas uma quantia grande de dinheiro. Balançando mais um pouco, uma pequena chave caiu do envelope diretamente em minhas mãos.

Eu não sabia exatamente o que aquilo significava. Eu não sabia se era uma confissão escrita ou um pedido de perdão, mas a única certeza que eu tinha era a de que algo iria acontecer, algo tão pesado que Oliver precisava que eu saísse da cidade, ou seja, ele queria garantir a minha segurança. "Eu comecei isso e eu irei terminar", ele escreveu.

Naquela noite eu não consegui dormir. O papel amarelado tinha o cheiro da sua colônia e o perfume cítrico dela me recordava da minha pele colada na dele e minhas mãos fincadas em suas costas.

Eu tinha minha chance de fugir. Eu tinha o dinheiro, a oportunidade, o silêncio e a madrugada como minha aliada. Porém, tudo que fiz foi encarar o teto desgastado daquele quarto da pensão e imaginar como eu estava me sentindo num universo paralelo e parecia não conseguir transcendê-lo, não sozinha.

Um universo em que eu ainda estava ao lado do Oliver na cama, bagunçando os lençóis e esquecendo as paranóias ou o mundo ao nosso redor. Deixando para trás os traumas e decisões do passado. Deixando para trás toda bagunça que fomos e nos transformando numa nova bagunça.

Uma bagunça diferente, nossa, em que poderíamos decidir por um futuro melhor e decidir que, sim, pertenceríamos um ao outro.

Eu nunca poderia ser a Helena ou o Alexandre, nunca poderia ser exatamente o passado que ele sentia falta, nunca seria parte dos Três Mosqueteiros, mas, mesmo depois de tudo, eu ainda considerava lutar ao seu lado.

Não foi só naquela noite que eu não consegui dormir, mas também nas seguintes.

Pequenas vozes na minha cabeça me guiavam pelo mundo que nunca pude chamar de gentil. Na primeira noite, eu pensei e refleti sobre a situação. Na segunda, chorei até não conseguir mais respirar e por alguns segundos quase morri. Quer dizer, em todas aquelas noites eu morria e renascia na manhã seguinte, somente para viver aquela tortura diária e depois novamente morrer.

Na terceira noite, eu já não estava mais no limbo tão conhecido por mim, era um diferente, pior, como um purgatório em que você tem a certeza que a qualquer momento alguém chegará para te colher e te levar ao tão merecido inferno.

Em greve de fome e dando gritos abafados no travesseiro, acordei na sexta noite com a dona Leila colocando um pano gelado sobre a minha cabeça. A febre havia chegado e nada mais fazia sentido, pouco lembro desses momentos.

Quando me recuperei e voltei a comer, também retornei ao velho hábito de desprezar a dona Leila e não sair da posição em que eu estava na cama. Hoje, relembrando esses dias, tudo parecia ser uma alucinação, até mesmo a ajuda daquela mulher.

Depois de duas semanas sem o telefone tocar ou as palavras escritas na carta não voarem, a chave ainda estava na mesma posição, em cima do criado-mudo e me torturando, aguardando por uma decisão.

Então escutei um barulho ao fundo dos meus devaneios, era o celular.

"Alô?" - uma voz familiar disse - "Você está me escutando?"

Coragem, Janeiro. Eu repeti baixinho.

"Oi, pode falar Alexandre."

"Chegou o momento, Janeiro." - ele disse - "A sua participação no plano começará."

* *

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Tornar-se Janeiro (em pausa)Where stories live. Discover now