Eu preferia mil vezes que o Oliver fosse rude comigo, que ele pedisse para eu não fazer perguntas e apenas acompanhá-lo em uma festa chique. Eu colocaria um vestido e seria sua companhia, Oliver. Eu seria tudo que você precisasse por uma noite e depois seria descartada. No fim, isso era vantagem para nós dois.

   Éramos dois fodidos, eu sei disso. Mas talvez eu não merecesse algo tão bonito quanto tudo que passamos juntos. Aquilo não era meu.

   Eu estava ocupando o espaço de alguma garota espanhola que ele conhecia da faculdade. Algum amor de verão ou infância. Eu ocupava algo que ele não podia ter, pois teve que abandonar tudo para ser alguém que nunca chegaria perto de quem ele me mostrou ser. Em sua performance, ele às vezes saía do personagem e apagava seu cigarro, somente para deitar na nossa cama e deixar nosso cheiro nos lençóis.

Quando eu deixei tudo isso acontecer? Quando eu desisti de me monitorar e me entreguei a situação? Quando eu comecei a amá-lo?

A perda parecia revelar mais do que qualquer memória que eu tenha de nós dois e dos meus sentimentos.

   Pagando o taxista, eu fazia também uma reza, sempre sem muita fé, pedindo que algum ser divino do universo o fizesse me esquecer. Volte a sua performance, Oliver. Eu não aguentaria encarar os seus olhos verdadeiros sabendo que causei dor após ser a primeira pessoa que você confiou depois de tanto tempo no limbo. Preferia olhar o homem misterioso que conheci e sentir medo. Eu preferia que as cortinas se fechassem e eu pudesse ir pra casa. Uma casa que não existe, mas eu fingiria que sim.

   Eu fingiria ter para onde ir somente para que ele não cedesse e me amasse de novo, de um jeito que eu não merecia ser amada.

   Então, ali eu estava, onde tudo começou: o Bar 21. Entretanto, dessa vez era diferente. Naquela noite, eu não seria a Janeiro garçonete, a amiga da Mandy ou até mesmo a Janeiro gerente que cuidava das coisas para o seu patrão.

   Naquela noite, eu seria uma cliente.

* *

   Sentei em um banco do balcão e pedi por algo forte. Whisky me recordaria dele, champagne dos seus negócios, então tequila poderia ser a solução.

   A Mandy aproximou-se e começou a conversar comigo, eu implorava por silêncio, mas ao mesmo tempo sabia que eu devia muitas explicações para ela. Tentei contar da melhor forma possível, não sobre tudo, claro.

Contei para ela que eu estava investigando o dono daquele lugar e por isso tentei obter informações do seu tio, o Jorge Amaral, um homem que enlouqueceu e foi parar no hospício. Revelei que usei o nome da irmã de Oliver, expliquei que eu havia descoberto que a Helena Madraga vivia na Espanha e não voltaria tão cedo.

   Depois de contar essas mentiras, consegui fazer com que a Mandy ficasse mais calma. Ela parecia acreditar em tudo que eu falava e por uns segundos me senti mal. Após um outro shot de tequila, esse sentimento ruim passou.

Então era assim que as pessoas se sentiam quando bebiam álcool? Faz sentido.

   Ah, Mandy, se você soubesse o que realmente aconteceu. Se você soubesse que eu estava completamente apaixonada por aquele homem que tanto falo mal. Se você soubesse o quão gentil ele poderia ser, pelo menos comigo. Se você soubesse o quanto ele provocava gemidos nos meus lábios, gemidos que eu teria vergonha de proferir na presença de alguém, mas não com ele, não na nossa cama ou no nosso tapete branco, não na nossa varanda.

   Ah, Mandy, se você soubesse que eu estraguei tudo.

   Eventualmente ela retornou sua atenção para os fregueses e me deixou ali com as bebidas alcoólicas que eu não precisava comprar, pois trabalhava naquele bar. Vantagem ou não, aquilo foi o que me manteve quase sã na primeira noite sem o Oliver.

Quase sã. Não durei muito e pouco me lembro dos instantes seguintes.

   Lembro apenas da Mandy passando a mão em meus cabelos e oferencendo água. Lembro também das lágrimas que percorriam o meu rosto e da humilhação que passei sentada no banheiro e vomitando em meio a embriaguez. Só não lembro das mãos do Oliver, porque daquela vez elas não estavam ali, nunca mais estariam.

   Ele não entrelaçaria seus dedos nos meus até passar, ou seja, aquilo não passaria.

   Acordei em um sofá que não era preto e encarei uma parede que não era laranja. Minha cabeça latejava de uma forma antes desconhecida e meu corpo me punia por todo álcool que ingeri depois de tanto tempo evitando aquilo. Então estava concluído, eu havia me tornado as pessoas que mais me machucaram a minha vida toda.

Eu era oficialmente meu pior inimigo.

Levantei e encontrei, na mesa de centro da sala desconhecida, um bilhete e uma caixa de remédios que pareciam estar estrategicamente posicionados para quando eu acordasse.

   Era um apartamento, um possível sexto andar. Eu estava no centro da cidade, provavelmente perto da pensão da dona Leila. A sala era branca demais e pouco decorada. Não haviam retratos e muito menos dicas sobre quem vivia ali.

   Investiguei e explorei o ambiente, mas também percebi que meu corpo implorava para não se mover nunca mais. Havia apenas um quarto e a sua porta estava trancada. A da saída? Também.

   De repente, escutei o som de alguém abrindo a porta e colocando alguma coisa na cozinha.

   "Janeiro?" - a voz disse e caminhou até me encontrar perto da janela, onde eu estava minutos antes investigando a região ao redor do prédio.

   Quando reconheci o rosto por trás do tom grave daquela voz, travei.

   "Como você está se sentindo?" - Alexandre disse e expôs um dos seus sorrisos sarcásticos.

* *

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Tornar-se Janeiro (em pausa)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora