Observei Oliver escovar os seus dentes e tentar não rir da situação. Ambos sabíamos que éramos mais íntimos que apenas um ato de higiene. Ambos sabíamos que a noite passada fora mais do que apenas atração sexual e eu estava gostando disso.

   Gostei de que, ao menos por um segundo, Oliver estivesse no mesmo degrau que eu.
Antes daquele momento, não do sexo, mas o de escovar os dentes, eu ainda considerava estar muito a baixo do homem com quem me deitei e isso me frustava.

   A frustração era grande assim como a que eu sentia toda vez que ele mentia sobre seus negócios e sobre o que queria de mim. A verdade é que saber que as sentenças "seja minha" e "seja meu" caminhavam juntas ao nosso "sempre", compensava todas as dúvidas que ainda rodeavam minha cabeça e isso era perigoso demais. Até quando duraria?

Para sempre, Oliver. Sempre. Eu desejava.

   Alcançamos a cozinha antes que, nas palavras do Oliver, nossos corpos se alimentassem dos próprios órgãos. A dona Ruth não aparecia fazia um bom tempo e isso estava começando a me preocupar demais. Em um movimento arriscado, resolvi perguntar:

   "Ela é sua tia?"

   "Quem?" - ele disse, mexendo os ovos na frigideira.

   Sim, ele estava cozinhando. Ele mesmo, o Oliver.

   "Ruth" - eu falei baixinho, ainda receosa.

   Ele ficou pensativo e eu também. Só que provavelmente de formas diferentes. Enquanto eu estava em um surto por achar que havia estragado o clima, ele parecia estar apenas refletindo na melhor explicação possível. Como se quisesse me dar respostas, mas elas não sairiam da sua boca de uma forma tão fácil.

   "Ela é minha única família no mundo, Janeiro" - ele disse, sem tirar os olhos do que estava fazendo.

   Pelo menos você tem uma família, eu não tenho nada, Oliver. Eu queria dizer.

   "Fique tranquila" - ele falou, ao parar para observar meu olhar preocupado - "Ela está visitando o marido em uma instituição, faz isso sempre que pode."

   Que tipo de instituição?

   "O seu tio?" - eu perguntei.

   Ele confirmou com a cabeça, mas não desenvolveu o assunto.

   Ficamos no silêncio por um bom tempo, mas, eventualmente, entre os estalos do ovos na frigideira e os quase imperceptíveis barulhos da água passando pelo pó de café, eu decidi quebrá-lo.

   "Meus pais"

   "O que tem eles?" - Olivier indagou, desligando o fogo e me encarando.

   "Não os conheci" - eu revelei - "Nunca."

   Ele alcançou a minha mão e fez um pequeno carinho com o seu dedo polegar.

   "Os meus estão mortos" - ele disse, quebrando o seu toque no momento seguinte.

   O que houve? Eu quis perguntar, mas eu o conhecia o suficiente para saber que a resposta seria "não te interessa", mesmo depois do tanto compartillhado entre nós.

   Oliver colocou os ovos mexidos em nossos pratos enquanto eu servia o café, éramos um bom time, talvez fôssemos fadados a ser só isso. Talvez eu tenha confundido um momento de afeto com intimidade e esquecido que ele não me conhece e eu não o conheço, mas uma coisa eu passei a ter certeza: Oliver estava tão perdido quanto eu.

   "Hoje finalmente reinauguraremos o Bar 21" - ele falou, interrompendo o silêncio em um ambiente que o único barulho era o de nossos garfos no prato - "Preciso te passar algumas instruções."

   Então voltamos as programações normais, como eu imaginava.

   "A festa começa às 20h e nem um minuto a mais" - ele continuou - "Meus homens já organizaram tudo e conversaram com a equipe de garçons"

   "Janeiro, você está prestando atenção?"

   "S-sim" - eu disse, ainda perplexa por ele conseguir mudar de uma forma tão rápida as suas atitudes em relação a mim, ou melhor, a nós.

   "Que bom" - ele afirmou - "Preciso que tudo ocorra perfeitamente. Receberemos algumas pessoas importantes"

   "Te apresentarei para elas também" - Oliver disse, levantando-se da mesa e colocando o seu prato na pia - "Aqui está o meu cartão e a senha dele"

   "Compre algo bonito" - seus lábios formaram aquele sorriso sutil - "Acha que consegue fazer isso por mim, Janeiro?"

   Eu, sem reação, segurei o seu cartão com as mãos e observei ele deixar o ambiente para retornar a ser quem ele realmente era: um Oliver solitário, controlador e frio.

   Será que ele tinha ideia do quão importante aquela noite fora para mim?

* *

   Segui com o meu dia e com meus questionamentos. Eu caminhava pela casa ainda sem acreditar em tudo que tinha acontecido em uma única manhã.

   Oliver e eu trocamos intimidades, beijos e segredos. Fomos amigos, confidentes. No começo do fim, ele me tratou como um objeto, uma peça quase importante em seu jogo, mas que não possuía protagonismo o suficiente para receber afeto demais.

   Muitas vezes me senti um objeto, mas nunca daquela forma, nunca tão explicitamente.

   Meu corpo ainda estava anestesiado depois dos toques dele, no entanto, minha mente trabalhava como nunca, ignorando o cansaço das minhas pernas, que ainda tremiam ao lembrar daquela pele macia encostada na minha.

   Eu não pude deixar de me perguntar: o que signifiquei?

   Fui apenas mais uma virgindade que ele tirou, talvez por isso a delicadeza. Fui apenas mais uma mulher que ele seduziu, mesmo nunca precisando disso com outras. Talvez eu tenha sido a mais difícil de todas, a que o questionou mesmo com medo ou com aquela conhecida dor no estômago que eu ainda sentia, mas agora de forma diferente.

   A dor agora era de um possível arrependimento. Deveria eu ter me entregado para aquele homem? Aquele homem que em um segundo me olhava como se eu fosse um objeto precioso e já no próximo, me deixava cair. Então minha alma observava de longe os meus cacos no chão.

   Parte de mim aceitaria, pois fui quebrada muitas vezes, em pedaços menores e menores, não haveria conserto. Minha outra parte queria um pouco de paciência e o carinho dele novamente. Por que naquele ponto, talvez só sentindo seu carinho novamente, eu poderia aceitar mais uma vez a sua inconstância.

   Afinal, quem sou eu para criticar a inconstância de alguém? Quem sou eu para querer que ele, de um dia para o outro, note que eu preciso de mais?

   Talvez estivesse na hora de eu realmente acordar e sair do seu quarto, de uma vez por todas. Talvez estivesse na hora de eu mostrar a inconstância da garota, agora mulher, com quem ele tinha se deitado à noite.

* *

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Tornar-se Janeiro (em pausa)Where stories live. Discover now