capítulo 20

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! ALERTA GATILHO !

Me despedi do Léo e fui caminhando para minha casa.
Era bom falar casa e realmente ser minha casa. Por meses, desejei estar aqui em São Paulo, onde cresci e tenho meus amigos.
E não. Nunca considerei o Rio como um lugar de conforto e verdadeiro lar. Nada contra com quem ama aquela cidade mas, para mim, São Paulo é 10 vezes melhor e eu amo estar de volta.
Dou graças a Deus por aquele pesadelo ter acabado!

  Eu achava ter acabado até perceber que outro começaria..

Era ela, a garota misteriosa.
Estava usando um moletom preto e usando capuz, mas mesmo assim, a reconheci.

"Ei! O que faz aqui? Precisa de ajuda?" - fui até ela e passei a mão em seu braço carinhosamente.

"Hã?" - olhou para meu rosto rapidamente e desviou seu olhar parecendo perdida. "Não. Não preciso."

Estávamos uma do lado da outra de frente para a rua. Ela estava fria. Não digo da temperatura, mas digo fria em seu jeito de falar e olhar.
Por alguns segundos ela esqueceu que eu estava ali e ficou olhando para os carros e todo o movimento a sua volta.
Notei que seu olhar naquele momento era de um completo vazio.
Percebendo que eu ainda estava ali, ela perguntou:

"Vai ficar parada aí sem fazer nada?"

"O que você quer que eu faça?"

Ela ficou em silêncio por um tempo.

"Nada. Quero dizer.. vá embora!" - desta vez olhando para meus olhos.

"Eu sei que precisa de ajuda. Eu quero te ajudar!" - falei quase implorando.

"Não! Eu não preciso! Pode ir embora." - falou ela dando um passo para frente e olhando fielmente para a rua.

"Por que escreveu aquela carta, então?"

Se pudesse voltar ao tempo, com certeza, retiraria o que eu disse. Só fiz com que a menina ficasse mais irritada.
Boa Marina!

"Eu estava precisando de ajuda! ESTAVA!" - exclamou chamando atenção dos que passavam. "Vá embora, Marina!"

Ótimo! Eu só queria ajudar e ela estava me expulsando.

"Qual é o seu nome mesmo?" - perguntei tentando mudar de assunto. Era óbvio que eu sabia seu nome.

"Madu. Maria Eduarda." - respondeu depois de pensar se deveria falar ou não.

Ainda estávamos uma do lado da outra. Ela estava com as mãos nos bolsos e olhando fixamente para frente.
Eu ia perguntar alguma coisa para passar o tempo quando ela disse:

"Onde está seu namorado?"

Levantei as sobrancelhas espantada por ela estar puxando a conversa, e não eu.

"Desculpa." - falou percebendo minha incomodação.

"Não precisa pedir desculpa. Eu o deixei em casa depois que conversamos sobre..." - arregalei os olhos porque quase revelei o motivo.

"Minha carta, né?" - disse ela parecendo ler meus pensamentos.

Como ela tinha adivinhado?

"N-ão! Conversamos sobre outras coisas.." - falei aparentemente nervosa.

Mais um período de silêncio.
Resolvi então discursar sobre como ela era linda do jeito que era e não precisava da opinião dos outros:

"Madu, você é linda do jeit.."

"Rua Pedro Alcântara de Lima, número 210 em uma casa verde." - me interrompeu sem a menor sensibilidade.

"Como?" - falei sem entender absolutamente nada.

Ela respirou fundo, fechou os olhos por um instante, tirou uma carta de seu bolso e me entregou.

"Não é para você!" - disse ela vendo que eu já estava abrindo o papel. "É para meus pais. Entregue para eles, por favor?"

"Por que você não entrega?" - perguntei totalmente confusa.

De repente entendi tudo.
Arregalei os olhos e tentei segurar seu braço antes que ela corresse.
Com a voz já fraca e escorrendo uma lágrima em seu rosto, ela me olhou pela última vez e disse:

"Porque já é tarde demais."

Foi a última coisa que a ouvi falar.
Ela correu em direção a rua escapando da minha mão que estava segurando seu braço, e foi atropelada.
Um carro em alta velocidade a atingiu quando ela já estava no meio da rua, de olhos fechados e com os braços abertos.
  Lágrimas estavam vindo com força em meu rosto. Eu estava paralisada e com a respiração ofegante. Me ajoelhei no chão ainda totalmente em choque, e comecei a gritar.
  Maria Eduarda tinha se matado e eu não consegui impedí-la.
Não conseguia acreditar que o fato das pessoas acharem que tinham o direito de rir da Maria Eduarda por ser gorda, fizeram a inocente tirar sua própria vida!
  Muita gente já estava em volta querendo saber o que tinha acontecido. Sentei em um banco e coloquei as mãos em meu rosto, ainda chorando e sem acreditar no que estava acontecendo.
Eu estava em choque! Não conseguia mais pensar e agir direito.
  Levantei a cabeça e olhei para a bagunça que estava se formando na rua. Algumas pessoas estavam preocupadas; outras nem tanto. Me levantei para ir embora e passar o mês em minha cama chorando quando avistei Léo saindo de seu prédio e totalmente confuso. Ele me viu e corremos em direção ao outro.
Por muito tempo, ficamos ali, chorando no ombro do outro..

Resistência (Em Atualização)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora